quarta-feira, novembro 05, 2014

Vai daí, o "interesse nacional" de Timor abusou... e o "interesse nacional" de Portugal amochou


A expulsão dos sete portugueses e dos restantes 43 funcionários judiciais que trabalhavam em Timor no âmbito de uma missão das Nações Unidas começou na semana passada, com uma decisão do Parlamento timorense no sentido da não renovação dos seus contratos de trabalho por “motivos de força maior e pela necessidade de proteger de forma intransigente o interesse nacional".

Vai daí, confrontado com esta ingerência grosseira no poder judicial de titulares de poderes na mira das investigações que estavam a ser desenvolvidas pelos 50, o Presidente do Tribunal de Recurso timorense, o juiz Guilhermino da Silva, decidiu não aceitar tal violação do princípio da separação de poderes e deu ordem aos magistrados portugueses e ao antigo agente da PSP para continuarem o seu trabalho.

Vai daí, em desespero de causa, desagradado pela decisão e ameaçado pelas investigações que haveria que parar antes que fosse tarde demais, restou ao Governo timorense fazer o que estava ao seu alcance para evitar o mal maior de ver alguns dos seus membros expostos à conclusão de processos que, eles sabê-lo-ão melhor do que ninguém, apontariam o que toda a gente sabe, que o rei da corrupção também se passeia completamente nu e a tresandar a petróleo por aquelas paragens. Vai daí, encostado às cordas, o Conselho de Ministros do Governo timorense fez ontem publicar no Jornal da República a sua decisão de expulsar o grupo que inclui os portugueses no prazo de 48 horas após serem notificados pelos Serviços de Migração. Entre as justificações alegadas para fundamentar a decisão foram apontadas a "falta de capacidade técnica" dos magistrados portugueses e ""incidentes referentes a irregularidades jurídicas, tanto materiais, como processuais, que vêm contaminando os processos, expondo o país a ameaças externas à sua soberania e subsequente segurança nacional".

Vai daí, começa o, mais um, festival Machete. Nem uma palavra sobre a “incapacidade técnica” dos magistrados da República, nem uma palavra sobre a ameaça externa apontada ao trabalho que desenvolveram, a diplomacia portuguesa e sete portugueses humilhados ao mais alto nível e o Governo português poupa nas palavras. Portugal “deplora”, não condena, a expulsão dos funcionários portugueses. “Profunda preocupação” em vez de REPÚDIO. Participação portuguesa em programas de cooperação no futuro “dependente de esclarecimentos” – “Ministro timorense diz que país quer magistrados que defendam interesses nacionais” – em vez de SUSPENSA. “Problemas internos” em vez de “CORRUPÇÃO”. Se custa ver Portugal ajoelhar-se diante da grande Alemanha, e custa muito, sobretudo em qualidade de vida e em desenvolvimento económico e social, ver Portugal ajoelhar-se até diante de um país como Timor-Leste é ainda mais inaceitável. Somos nós quem os ajuda, não eles a nós.

Nós bem sabemos que Machete sabe que eles sabem. E se, vai daí, os timorenses lhe mandavam à cara o seu BPN, o BES, os submarinos, as privatizações a preço de amigo, as PPP assinadas entre compadres, a Tecnoforma, as fugas ao fisco de alguns fundamentalistas da austeridade para os outros, o regabofe dos paraísos fiscais, os facilitadores de grandes negócios, os ajustes directos feitos sempre com os mesmos escritórios de advogados ou o tal interesse nacional que por cá justifica toda a espécie de licenciamentos de construção? O melhor é não carregar nas palavras e deixar que a coisa fique mesmo assim, resolvida por natureza, à moda do centrão. Até porque ali cheira a dinheiro. Vai daí e ainda pinga qualquer coisita. Vai daí e os portugueses nem ligam nenhuma.