sexta-feira, dezembro 05, 2014

À ESPERA DO VISTO GOLD

Gostava de ser, por um dia, visto gold. Claro que gostava de ser definitivamente visto gold, mas pronto, não querendo abusar, já apreciava ser apenas por um dia. Gostava de ver os olhos das pessoas a brilhar quando me vissem. Sobretudo nas lojas. Quando entra um visto gold numa loja, a música pára, os empregados deixam cair as coisas que têm nas mãos, os artigos voltam sozinhos para as prateleiras e se lá estiverem portugueses são prontamente levados pelos seguranças para fora do estabelecimento.
É que um visto gold numa loja pode ser meio ano de rendas pagas. É mesmo muito bom, sobretudo quando comparado com os portugueses, que desarrumam tudo para no fim dizer que vão dar mais uma volta. Os vistos gold nem desarrumam as coisas. Compram às prateleiras.
E não se pode deixar fugir o visto gold, por isso, se a loja não tiver o que ele procura, arranja-se. Por exemplo, se o visto gold entrar numa loja de roupa à procura de um robot de cozinha, não se diz logo que não há. Pergunta-se em que cor é que quer. E depois manda-se fazer. Contrata-se um designer, um engenheiro, alguns operários, arranja-se maquinaria, matéria-prima e constrói-se o robot de cozinha.
Depois cobra-se 50 mil euros porque é um protótipo e mais 10 mil por cada acessório, nomeadamente um salazar perfeitamente banal. No fim, o visto gold paga e nem consegue pôr aquilo a funcionar, porque na verdade não funciona. Mas não pensem que vai devolver e reclamar, como os portugueses. Nem pensar. Leva é a equipa toda para trabalhar em casa dele.
Nos restaurantes, a mesma coisa. Só a margem nas garrafas de vinho que os vistos gold pedem dá para o senhor do restaurante abrir um segundo estabelecimento, portanto quando entra um visto gold, os portugueses já pegam nos pratos e vão para a cozinha acabar a refeição e dar uma ajuda se for preciso, porque nestas alturas temos de nos unir. Não é de excluir que o casal que foi celebrar o aniversário do seu casamento acabe na cozinha a picar cebola, porque entretanto entrou um visto gold.
Empobrecemos definitivamente na pior altura. Há trinta anos esta crise tinha sido mais fácil, não querendo eu com isto dizer que há trinta não estávamos em crise. Mas agora fomos apanhados por esta estranha vaga de imigração. É uma espécie de globalização dos novos milionários. Os antigos concentravam-se todos no Mónaco e não incomodavam ninguém. Mas agora até os encontramos no Cascaishopping.
Confesso, porém, que não tenho nada contra os vistos gold. Só julgo que se podia agir de forma mais natural. Sobretudo aqueles comerciantes que estão à porta à espera deles e quando os encontram é com a alegria de quem viu um trevo de quatro folhas.
Claro que também podemos usar tudo isto a nosso favor. Por exemplo, para marcar uma mesa em cima da hora num restaurante famoso, só precisamos de dizer o nosso nome em mandarim. - Mesa para quatro, para daqui a meia hora, é possível? – Impossível, estamos cheios. – Ai que pena, o senhor Xé Pdô vai ficar tão arreliado. – Ouvimos então um conjunto de sons que se assemelham muito ao ruído provocado por quatro pessoas a serem corridas e voltam finalmente ao telefone. – Sim senhor, a mesinha do senhor Xé está pronta.