terça-feira, dezembro 02, 2014

DA RAPIDEZ DE RACIOCÍNIO À SUA AUSÊNCIA

Antes do advento das redes sociais, existiam uma série de barreiras naturais ao disparate. Sem sítio para os publicarmos, a maioria acabava por ficar, felizmente, no regaço da nossa intimidade intelectual. E o mundo era, portanto, um lugar melhor.
Do disparate até à sua difusão pública, havia uma série de formalidades que eram exigidas e que acabavam por liquidar a asneira. Por exemplo, partilhávamos com alguém ao lado, antes de partilharmos com o mundo. E então, esse alguém ao lado, podia ser suficiente para nos abrir os olhos e ver o disparate que ali estava.
Nem sempre, porém, quem está ao nosso lado é mais perspicaz do que nós e por isso às vezes passava na primeira instância. Mas depois ainda havia uma série de pessoas pela frente, entre amigos, colegas e familiares, algum deles nos havia de poupar.
Com as redes sociais, parece que acrescentámos potência ao nosso raciocínio mais imediato, passando para a comunidade, instantaneamente, o que nos vai na alma. É uma espécie de escape livre e como sabe qualquer pessoa minimamente entendida em mecânica, mais do que rendimento, o escape livre dá ruído e barulho.
A verdade é que esta ligação directa é, quase sempre, desastrosa. Sobretudo em pessoas com notoriedade pública, que se esforçaram durante décadas para exibir um intelecto acima da média, mas que se constata agora, graças a esta nova transparência cognitiva, que o seu intelecto está abaixo do das aves e não me refiro naturalmente à astúcia de uma águia, mas mais ao nível do pardalito.
São pessoas que não perdiam nada em constituir um colégio, composto por amigos e familiares, ao qual as suas maravilhosas “saídas” deviam subir para aprovação. Porque às vezes parece que é uma coisa sem importância, uma frivolidade cibernáutica, e na verdade até é. Sucede que por mais insignificante que seja o dislate, há todo um esquema de raciocínio que se despe e revela na sua mais pura essência.
E não, feita a asneira de nada serve a justificação heróica de que se diz o que se pensa. “Eu digo sempre o que penso” é a prova mais cabal de que estamos perante alguém que precisa de ajuda, pois em algum momento perdeu um filtro importante, que lhe permitia distinguir o que é belo do que é merecedor de um par de estalos.
Antigamente – ou no século passado, se quisermos – a dose certa de tecnologia digital ainda permitia pensar-se nas coisas. Hoje não há tempo. É ocorrer e publicar. Quantas vezes ainda nem a ideia se formou completamente e já está mais de metade digitada, à espera apenas que o cérebro acompanhe os dedos e lhes forneça o resto da informação.
As consequências disto? Não estamos a evoluir. A desafinação é grande e o raciocínio trabalha hoje a uma rotação que às vezes parece mesmo que é a inteligência a trabalhar, quando na verdade está a gripar.