sexta-feira, dezembro 19, 2014

Ensaio em Louvor da Nudez

8. Decência e pudor: do nudismo

Quase no início deste ensaio uso a foto de uma mulher com sapatos de salto alto para ilustrar a ideia de que a nudez pode ser o seu contrário: um uniforme. Dou agora a volta completa e uso a foto de um homem nu para mostrar a imagem inversa desta relação. As sapatilhas deste homem não simbolizam nada, e muito menos um estatuto: são um elemento funcional e não decorativo. Permitem-lhe andar sem desconforto sobre a areia quente ou sobre o cascalho cortante da praia. As sapatilhas deste homem acrescentam nudez à sua nudez.

Um dos argumentos mais frequentes contra o nudismo é que seria compreensível que os jovens e belos se mostrassem nus, mas não os velhos e feios. Isto faz sentido vindo de quem nasceu e sempre viveu em contextos sociais em que tanto a roupa como a sua ausência são fardas, símbolos que exibimos para transmitir um conteúdo.

O mal-entendido reside em que o nudista não se mostra: o nudista está. Esta circunstância tão simples, mas tão raramente compreendida, dá ao nudismo o estatuto de uma filosofia moral - uma filosofia moral que dá o direito de estar tanto aos jovens como aos velhos, tanto aos belos como aos feios, tanto aos que têm bom-gosto como aos que o não têm. E é uma ética superior, no sentido em que se articula a partir de princípios inteligíveis, por oposição aos moralismos que decorrem automaticamente de proibições inexplicadas.

O facto de a ética nudista se articular racionalmente não assegura que detenha a verdade e muito menos a verdade única; e não impede que seja expressa, no plano individual, pela invocação de percepções subjectivas. É inteiramente subjectiva, por exemplo, a minha intuição de que há algo de indecente, de impudico, no uso de roupas para nadar no mar. Indecente, impudico, e incómodo; ou talvez indecente e impudico por incómodo.

Muitas pessoas já ouvi descrever, sem que nenhuma o conseguisse explicar, o prazer intenso que resulta de nadar nu. E é de facto inexplicável na medida em que é subjectivo.

Mas o que é inocente não carece de explicação ou justificação. Estar nu de frente ao mar, ver a onda, mergulhar nela e sair do outro lado - eis aqui um prazer tão inocente como intenso. Mais do que isso, é "um não a todos os nãos". E não um não pela via da morte
, como o poeta tinha em mente; mas sim uma afirmação da vida contra as carapaças mortas que a negam, comprimem e sujeitam.


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