sábado, dezembro 13, 2014

Sobre aquele "não pode ser" que nos vai dando cabo da vida

Que raio de pesadelo este. Volta e meia, aparece-nos à frente um senhor engravatado ou uma senhora de tailleur que, com as explicações mais parvas ou simplesmente porque sim,  nos diz que "não pode ser" – elenquei alguns no final deste que lêem, por mais que a realidade os desminta. Alguns dos "não pode ser" do dia têm que ver com a TAP. "Não pode ser" mantê-la em mãos públicas, ou então, diz-nos Maria Luís Albuquerque, a empresa desaparece.

Maldita memória, que arranja sempre maneira de se pôr ao fresco quando é precisa. Há quase quinze anos, Quando o pesadelo destes "não pode ser" começou, um Governo, por sinal do tal partido que apenas fica vagamente de esquerda quando está na oposição, também quis vender a TAP, então à Swissair, e a venda chegou a ser aprovada em Conselho de Ministros. O senhor engravatado que nesse longínquo ano 2000 nos disse o mesmo "não pode ser" que hoje nos diz Maria Luís Albuquerque foi António Guterres. O que a realidade nos veio dizer depois foi que a TAP teria desaparecido se o negócio não tivesse abortado. O comprador, a Swissair, entretanto desapareceu. Faliu. Se ainda temos transportadora aérea devemo-lo aos trabalhadores  da TAP. Foi a sua luta que fez o Governo de Guterres recuar.
Não quiseram aprender nada, nem com  esta experiência, nem com as da PT e do BES. Muitos "não pode ser" depois, o actual Governo volta à carga com o mesmo propósito e quer vender a TAP por um preço oficialmente simbólico ao primeiro que aparecer, e sublinho o oficialmente, nos tempos que correm as garantias de que não haverá outro tipo de contrapartidas mais submarinas é coisa que não existe. Todos os sindicatos de todos os sectores da TAP convocaram quatro dias de greve. A TAP é dos que nela trabalham, que não querem ver as suas condições de trabalho esmagadas para aumentar os lucros de um mafioso qualquer, mas também é nossa. É a TAP que assegura o serviço público de transporte de passageiros de e para Portugal e é da TAP depende o Turismo, um dos sectores que mais empregos garante a tantos de nós, directa e indirectamente. É nossa obrigação apoiá-los em mais esta luta. E já vai sendo tempo de nos juntarmos, como eles o fizeram, para acabar de uma vez por todas com os "não pode ser" que nos vão dando cabo da vida.
Recorrendo às palavras do Nuno Ramos de Almeida, "existem condições para aproveitar uma hegemonia social e transformá-la em mudança política. A maioria dos portugueses é contra a existência de uma casta política e económica que vive da corrupção, não está de acordo com uma política de austeridade que liquida a vida e a economia e só serve os especuladores, e pretende ter voz activa no seu futuro. Nestes três eixos (corrupção, economia e democracia) há uma posição maioritária das pessoas para mudar. É só preciso dar-lhe uma voz credível". Juntos podemos. Encontramo-nos por lá.


"Não pode ser" rasgar o Tratado Orçamental da ultra-austeridade para sempre nem pode ser renegociar a dívida pública, mas ver o país a definhar e a fome a alastrar por causa desses "não pode ser" já pode e tem que ser.

Defender intransigentemente políticas que devolvam Portugal aos portugueses "não pode ser", aceitar políticas que apenas servem os interesses da Alemanha, da banca do centro da Europa e das grandes multinacionais já pode e tem que ser.

"Não pode ser" o Banco Central Europeu ceder liquidez aos estados nas mesmas condições que o faz ao sector financeiro, que depois faz o favor de ceder essa mesma liquidez  a esses mesmos estados a um juro 40 ou 50 vezes mais elevado, mas tornar povos inteiros escravos de especuladores agiotas já pode e tem que ser.

Fazer do bem-estar das populações o objectivo dos objectivos de política económica e pôr as economias a produzir e a distribuir riqueza "não pode ser", empobrecer a trabalhar para produzir lucros e rendas que concentram a riqueza num número cada vez mais restrito de milionários já pode e tem que ser.

"Não pode ser" serviços públicos com a universalidade e a qualidade que os impostos que pagamos chegam e sobram para suportar, mas pagar juros bem gordos de uma dívida que não querem ver devidamente auditada já pode e tem que ser.

"Não pode ser" manter os salários e a estabilidade no emprego que constavam nos contratos de trabalho que todos nós assinámos com as nossas entidades patronais, que também os assinaram , mas manter os contratos leoninos, nulos à luz da Lei, que os sucessivos Governos foram assinando com as suas clientelas PPP, que quiseram tornar milionárias, tal como deixar falir as milhares de empresas que nunca mais voltaram a vender os seus produtos depois das sucessivas machadadas salariais que foram desferidas sobre os seus clientes,  já pode e tem que ser.

"Não pode ser" baixar impostos sobre os rendimentos do trabalho e sobre o consumo, mas reduzir impostos sobre lucros, permitir que as grandes empresas se isentem de contribuir para a comunidade que as enriquece e paguem os impostos sobre os seus lucros em paraísos fiscais e excluir as grandes fortunas de qualquer contribuição já pode e tem que ser.

Reduzir o IMI aos particulares "não pode ser", isentar de IMI o maior proprietário imobiliário do país e conceder 50% de desconto aos fundos imobiliários da banca já pode e tem que ser.

"Não pode ser" o Estado ser proprietário de empresas estratégicas para o país, que geram lucros avultados por operarem em sectores onde não existe concorrência, e "não pode ser" pôr esses lucros a pagar o Estado social, mas confiar as parcelas de soberania de cada uma delas e pôr essas empresas a enriquecer privados que as gerem e desmantelam ao sabor da sua ganância já pode e tem que ser. Capitalizar empresas públicas em dificuldades com dinheiros públicos "não pode ser", usar dinheiros públicos para nacionalizar bancos falidos pela delinquência banqueira já pode e tem que ser.