Afinal a cultura clássica, e a mitologia grega em particular, não estão assim tão esquecidas ...
Transcrevo este texto delicioso:
Pedantismo à volta da Grécia
José Diogo Quintela
PUBLICO, 22.02.2015
Desde a eleição de Tsipras tenho contabilizado a quantidade de referências à Grécia Antiga que os comentadores usam nas suas análises. Quanto maior o número de alusões eruditas, menos original a análise.
Como não tenho opinião sobre o tema e sou muito competitivo, proponho-me a bater o recorde mundial de referências pretensiosas sobre a Grécia Antiga num texto dedicado à situação actual.
Cada afirmação banal será complementada com exibição pedante e inútil de cultura clássica. Vou então principiar.
Os gregos votaram em Tsipras porque estão fartos de ser PIGS. Como os companheiros de Ulisses, transformados por Circe. Tsipras está confiante. Também Creso estava. Antes de declarar guerra à Pérsia, o rei da Lídia consultou o Oráculo de Delfos que lhe garantiu que, se atacasse, destruiria um grande império. Confiante na vitória, avançou. Sucede que o império aludido era o seu próprio.
Apesar disso, Tsipras parece optimista. Mas pode estar a voar muito perto do Sol. A Grécia pode acabar ostracizada pela União Europeia. O primeiro-ministro grego abriu a caixa de Pandora e, com as suas exigências, tenta manter a Europa refém. Como Zeus disfarçado de touro branco. Guiado por um fio de Ariadne financeiro, Tsipras começou um périplo pelo continente.
Faz lembrar Fidípides na véspera da batalha de Maratona, a tentar convencer os espartanos a ajudarem Atenas. Persuadir os líderes europeus poderá revelar-se tão difícil como os 12 trabalhos de Hércules e tão inglório como a tarefa de Sísifo. A dívida grega é substancial. A lista de credores é mais extensa que o catálogo das naus da Ilíada.
Até agora, Tsipras está como Penélope, a ganhar tempo. E já demostrou ter olho para a negociação. Que não lhe aconteça como a Polifemo. A troika é implacável. Lagarde disse que só dava o dinheiro se Tsipras respondesse a esta questão: “Qual é o animal que tem quatro patas de manhã, duas ao meio-dia e três à noite?”
Para não ser pendurado num penhasco e ter o fígado comido diariamente por uma águia, Tsipras fugiu agarrado à barriga de uma ovelha. Para já, teve de recuar em algumas promessas eleitorais. Descobriu, como Dâmocles, que governar não é tão fácil como julgava.
Entretanto, aliou-se aos inimigos da extrema-direita. Um sacrifício para garantir bons ventos, como Agamémnon ao imolar Ifigénia. Cautela com Clitemnestra! Mas Clitemnestra que se ponha a pau com Orestes! E Orestes com as Fúrias! Apesar de tudo, não se pode reduzir uma discussão sobre a Grécia ao preço do cachecol de Varoufakis, como se fosse feito com lã do tosão de ouro. Nem culpar as cabeleireiras que se reformam aos 50 anos.
Se bem que não há grande justificação para ser uma profissão de desgaste rápido. A não ser que implique fazer madeixas à Medusa. Reparem como, através de um exercício estilístico meramente estético, introduzi subtilmente uma série de questões relevantes, surpreendendo o leitor. Como o cavalo de Tróia. Só que o leitor está-se borrifando. É um cavalo de Tróia com calcanhar de Aquiles.
Se isto não é o recorde mundial de referências clássicas em textos sobre a situação grega, vou ali a Termópilas e já venho.
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