A novidade na Europa, a chegada de uma coligação de esquerda ao poder na Grécia, parece com que assistimos no Brasil há doze anos. A diferença é que na Grécia, além da reação do chamado mercado, tem-se um discurso intransigente dos governos europeus querendo enquadra a pequena rebelde. Aqui no Brasil, buscou-se uma acomodação rápida com o capital, convidando para o comando da política econômica um executivo de grandes bancos, confiável ao meio empresarial nacional e internacional para acalmar os ânimos.
O discurso de campanha que aparentava novo, em nome da “governabilidade e do desenvolvimento” revelou-se tão velho quanto aos demais no apoio sem limites à valorização do capital, com políticas danosas ao ambiente que agora se revela com toda força na seca resultante das mudanças climática pela destruição da Mata Atlântica, Floresta Amazônica e dos mananciais no entorno das grandes cidades. Não se podia esperar nada diferente de uma formação estatal que nos primórdios do capitalismo teve papel decisivo na acumulação e depois como guardiã das garantias jurídicas e da segurança necessária à valorização do capital, cuja lógica não muda em função das trocas de governo.
A Grécia, com sua dívida astronômica com os bancos da Europa, superior a 175% do PIB, vai resistir às bravatas de seus parceiros ou capitular? Por trás dessa pressão estão os bancos centrais e os bancos privados europeus que precisam manter a ilusão de que receberão com juros o dinheiro enterrado para sempre nesse País. Mas, há também o medo que um governo bem sucedido na defesa dos interesses locais, ao resistir à violência do capital internacional, faça surgir movimentos semelhantes em outros países da Europa. E os sinais de que isso possa acontecer começam a surgir: recentemente assistiu-se uma grande manifestação em Madri organizada pelo movimento “Democracia Real Já” (Podemos), também uma frente de esquerda de tendência díspar.
Ainda é muito cedo para dizer o que vai acontecer. No entanto, é necessário ter claro que a Grécia, um País em crise, encontra-se num Continente aonde a crise piora a cada medida tomada pelos seus governantes para resolvê-la, e que faz parte de um mundo capitalista em crise terminal. O novo governo grego, apesar do ímpeto e desejo de resolver os problemas, o que pode fazer é mostrar, a partir de uma análise crítica, que a crise não se resolve dentro dos limites da sociedade capitalista, tornando urgente a discussões de alternativas, mesmo que não se tenha claro ainda qual o rumo a ser seguido. Para isso, porém, faz-se necessário uma ampla consciência crítica.
Nas condições dadas, a questão social pode no máximo ser mitiga, mas não resolvida, se o capital internacional for forçado aceitar redução da dívida e negociar em condições vantajosas para Grécia o que sobrar. O que não é certeza. O mais provável é que seus representantes usem métodos truculentos, chantageando e ameaçando derreter as finanças do País, para garantir seus interesses mesmo que lhes custe caro.
No afã de resolver os problemas, há o risco dos novos governantes gregos caírem no pragmatismo da Realpolitik, tão comum nessa fase de declínio do capitalismo entre as esquerdas, e que, quando no poder, restringe-se a administrar a crise. Evidencia-se nos países mais duramente atingidos pela crise, tendência à exacerbação do discurso sexista, racista e antissemita, com conotações nacionalistas, pois bem sabem seus mensageiros que encontra ressonância principalmente no desespero das classes médias empobrecidas e nos sujeitos excluídos do mercado. É curioso saber como uma frente de esquerda que surgiu a partir de um movimento social de resistência, vai lidar com esse discurso interna e externamente.
O grande problema numa sociedade fetichista é que as mudanças pode não acontecer obedecendo à vontade dos que detém o poder e na velocidade requerida. Pode, inclusive, tomar direções surpreendentemente diferentes do desejado, como se tem frequentemente observado. Mesmo sobrando apoio e firmeza nos enfrentamentos, isso não é suficiente para mudar os rumos das coisas: o mais comumente assistido o aguçamento da crise e a degradação das condições humana, mesmo em países que fazem a gestão da crise em condições vantajosas quanto à disponibilidade de recursos.
Nesse início deste século, os movimentos que despontaram na periferia do capitalismo, ou se afundaram direto na barbárie, e os exemplos vão do Egito, Líbano, Síria, os países da chamada “Primavera Árabe”, até Venezuela aonde as taxas de homicídios explodiram nos últimos anos; ou, como no Brasil, onde se buscou a conciliação com neoliberalismo garantindo os privilégios dos mais ricos em troca de distribui migalhas aos mais pobres, e permitindo a “captura” do Estado por grupos políticos em aliança com grandes empresas públicas e privadas.
Em muitos países o Estado em desagregação transformou-se em casamata de grupos de interesses, e bandos armados proliferaram sem controle, submetendo a população pela violência e o medo. Por outro lado, o que pode ser classificado como movimento social, prisioneiros que são das categorias do modo de produção capitalista – trabalho abstrato, mercadoria, valor, dinheiro, Estado e mercado - não conseguem enxergar saídas além da sociedade que dizem combater.
A subida do Syriza não vai muda o caráter do Estado e a sociedade grega. O conjunto de instituições que dão sustentação a funcionalidade dessa sociedade vão continuar intactas, executando suas tarefas como antes, independentemente de quem nele está no comando. Na condição atual do capitalismo, os movimentos que abalaram e desorganizaram o Estado burguês ou o que restava deste, mostraram-se incapaz de oferecer alternativas viáveis. A tendência tem sido sempre o aviltamento da situação e as forças políticas que aí se instalam, ao não se entenderem, digladiam-se e armam trincheiras na esperança de surpreender inimigos vindos de todos os lados. No Norte da África e em outras regiões do planeta, à medida que os conflitos se agudizam, os grupos políticos cindidos transformam-se em bandos armados prontos a impor pelo terror seu domínio sob os territórios ocupados.
A Grécia não está livre do caos e da violência se a crise social não for rapidamente aliviada. A “troika”, Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, pressionada pela Alemanha, ao puxar a corda além do que seja possível à sociedade grega suportar, pode deixar a crise inadministrável e acelerar o processo de desagregação social, cujas repercussões devem ultrapassar as fronteiras nacionais. A Grécia pode ser o Lehman Brothers da Europa. Entretanto, no momento de crise categorial do capitalismo, a construção de uma nova sociedade em cima dos escombros materiais e espirituais da sociedade capitalista, não passa pelas vias partidárias e pelo Estado moderno. É necessário que surjam movimentos sociais que resistam à tentação de caminhar por essas vias e distanciem-se dessas formas de organização próprias da sociedade capitalistas, sem, no entanto deixar de reconhecer que existem.