segunda-feira, fevereiro 09, 2015

Nada disto me admira e não vejo como poderia ser diferente!...

O que tem a Filosofia que o Português ou a Matemática não tenham?

Foi no exame de Filosofia que se registou a maior diferença de resultados entre estudantes de meios favorecidos e mais carenciados.


Se não há pensamento fora da linguagem, nem linguagem sem pensamento, então em que pensa um bebé? A pergunta é uma das muitas que animam mais uma aula de Filosofia da turma 11º L da escola secundária Camões, em Lisboa.
Durante cerca de 90 minutos, a partir de um texto do filósofo alemão Nicolai Hartmann, os 22 alunos presentes (faltaram três) são desafiados pelo seu professor, Rui Meireles, a descodificar a “estrutura do acto de conhecer”. O que é o conhecimento? O que quer dizer transcendente? E imanente? As questões são lançadas pelo professor à medida que o texto de Hartmann vai sendo lido, em voz alta, pelos alunos, que por sua vez vão colocando mais perguntas e sugerindo algumas conclusões.
É uma das características de marca desta turma, de curso de Humanidades, onde a média de idades anda pelos 16 anos. “Querem sempre participar, promover o debate, emocionam-se”, resume Rui Meireles, 54 anos, dos quais 27 como professor. Antes de se fixar, há 11 anos, no Camões, um dos mais antigos liceus da capital, passou por várias outras escolas da região de Lisboa. Apesar de ter constatado já há muito que a performance dos alunos é “muito marcada” pela sua origem socioeconómica, Rui Meireles não deixa de se surpreender com o facto de ser precisamente a filosofia que existe uma maior diferença de resultados entre estudantes de meios favorecidos e mais carenciados.
Quase dois valores de diferença, na verdade, entre as médias de exame que se esperava que uns e outros obtivessem no exame de Filosofia do 11.º ano realizado no ano passado. Esta é uma das conclusões a que chegou a equipa da Universidade Católica Portuguesa que tem colaborado com o PÚBLICO nos rankings das escolas, elaborados com base nas médias dos oito exames mais concorridos. Em 2014, com 7918 provas realizadas, o exame de Filosofia passou a integrar este grupo, ocupando o lugar que antes pertencia à Geometria Descritiva.
A equipa da Católica, liderada pelo ex-secretário de Estado da Educação Joaquim Azevedo, dividiu as escolas em três contextos com base nos dados socioeconómicos dos alunos fornecidos pelos Ministério da Educação e Ciência, sendo o 1 o mais carenciado e o 3 o mais favorável. Com base nas médias dos exames e nos dados de contexto, também calculou o resultado médio obtido pelas escolas do mesmo meio a cada uma das oito disciplinas mais concorridas.
Este exercício, iniciado em 2012, permitiu concluir que é a Português que a diferença entre médias tem sido menor (0,24 pontos) e que não são nas disciplinas com exames tidos como mais difíceis (caso da Matemática A ou de Física e Química) que estas se acentuam. Nos dois primeiros anos foi Geometria Descritiva que teve as maiores diferenças (2,3 valores entre as médias das escolas do contexto 3 e as do contexto 1). Como esta disciplina desapareceu do lote dos oito exames mais concorridos, em 2014 a maior diferença encontrada entre médias (1,89 pontos) registou-se a Filosofia.
Pedro Galvão, dirigente da Sociedade Portuguesa de Filosofia, considera “precipitado avançar com uma tentativa de explicação” deste facto. “Talvez essa diferença seja acidental. Caso se mantenha nos próximos anos valerá a pena explica-la”, disse em resposta por escrito ao PÚBLICO.
No Camões, uma escola do contexto 3, o mais favorecido, 22,4% dos alunos são beneficiários da Acção Social Escolar e os seus pais têm cerca de 12 anos de escolaridade. Na secundária de Penafiel a percentagem de alunos com acção social quase duplica para os 40% e os pais, em média, não têm mais do que sete anos passados na escola.
Na turma 11.º G, do curso de Ciências e Tecnologias, em Penafiel, a aula é de introdução às teorias sobre a origem do conhecimento. “Que tipo de conhecimento é o xadrez?”, pergunta Luís. No quadro estão escritos dois tipos: saber fazer e por contacto. “Não é saber por contacto, porque qualquer pessoa pode pegar nas peças e não quer dizer que saiba jogar”, continua. “Estou a ver que já estás a perceber onde vamos chegar”, responde a professora Manuela Lopes, que é aqui docente há mais de 20 anos.
Esta matéria é uma daquelas em que habitualmente os seus alunos revelam maiores dificuldades. Ouvi-los a participar logo nas primeiras aulas é motivo de satisfação. Mas há outros obstáculos comuns ao bom desempenho a filosofia: “têm dificuldades de interpretação e de raciocínio lógico”. E na escrita. É isso que é avaliado nos exames, sobretudo. “Nas aulas avaliamos outras coisas, como a participação, os trabalhos, as discussões que temos. No exame não há nada disso”, lembra.