Casa roubada, trancas à porta. Depois de um desastre aéreo, também há imensas novidades em matéria de segurança. Desta vez vão passar a estar sempre, em permanência, dois membros da tripulação no cockpit. Pergunta-se, então, se não se devia ter pensado já nisto. É que depois do 11 de Setembro passou a ser possível a tripulação trancar-se no cockpit, mas ninguém pensou, nem pessoas pagas para isso, que tal também podia ser uma ameaça à segurança, na medida em que um maluco, piloto ou não, mais ou menos terrorista, mais ou menos deprimido, podia também ele trancar-se e ninguém mais lá entrava.
Até se podia dizer que tal nunca tinha acontecido e que seria difícil de prever. Ora, difícil de prever não era e até já aconteceu. Mais do que uma vez. Não é inédito um piloto estatelar um avião. Daí que os passageiros tenham todas as razões para desconfiar das companhias aéreas, que não fazem o seu trabalho. Neste caso particular da germanwings, ficou um piloto com 28 anos, completamente avariado da pinha, aos comandos de um avião com 149 pessoas, com a possibilidade de se trancar no cockpit. Será que nunca ninguém pensou que isso podia acabar em desastre? Agora é fácil falar, bem sei, mas há pessoas pagas para equacionarem estes cenários. E este cenário nem era preciso equacionar, pois já havia experiências.
A nova resolução das duas pessoas no cockpit parece, então, uma coisa feita assim à pressa para transmitir confiança aos passageiros, mas a verdade é que a medida já devia ter sido tomada, ainda que não seja nada de muito tranquilizador. Imaginar que tem de ficar alguém a guardar um piloto enquanto o outro vai à casa de banho é manifestamente assustador, até porque dificilmente esta regra pode impedir completamente um acontecimento como aquele a que acabamos de assistir. Um maluco que queira fazer uma coisa daquelas, conseguirá. Pode, por exemplo, meter qualquer coisa no café do seu colega ou dar-lhe com um extintor na cabeça. Ou então pode experimentar apenas desestabilizar o avião e saltar para cima do outro.
Ou seja, podem tomar-se algumas medidas, mas estamos no campo de situações muito difíceis de evitar. E a desconfiança dos passageiros aumenta, ainda que o desejo de viajar ultrapasse o medo.
Como aqui escrevi há dias, só se não voarmos é que não nos despenhamos. Desta vez foi um maluco, mas há um acidente na história da aviação que ocorreu porque um piloto contrariou a turbulência com uma ideia tão engenhosa que rebentou com o leme do avião e caiu como um tordo. Mais recentemente, no famoso acidente da Air France, o comandante foi descansar e o benjamim enfiou o avião numa cumulonimbus. Já para não falar naqueles que foram confundidos com um avião militar e levaram com um míssil.
Como parece evidente, seja por uma razão ou por outra, os aviões vão continuar a cair e a tendência é até para aumentarem os acidentes, ainda que não se lixem as estatísticas, pois também há cada vez mais aviões no ar. As regras de segurança, as novas e as velhas, nunca serão suficientes para impedir as falhas humanas. Temos o exemplo da porta trancada do cockpit, que parece ter estragado a vida aos piratas do ar mas deu ideias a outros.
Neste contexto, aos passageiros, sobretudo àqueles mais preocupados, restam apenas três saídas: a fé, o álcool e os psicotrópicos.
A fé, pronto, já se sabe, é óptima e funciona antes, durante e depois. Uma pessoa com fé pensa que o avião não vai ter qualquer problema, se por acaso tiver então pensa que vai acabar tudo bem e mesmo que acabe tudo mal, ficará tudo bem. Já o álcool e os psictrópicos funcionam apenas antes e durante o incidente, nomeadamente ao nível do espírito e até da boa disposição com que se encara toda a situação.
Uma chamada de atenção para quem optar pelo ácool, pois eu conheço um indivíduo que virou um número indeterminado de pints em Londres e depois meteu-se num avião para Banguecoque, à janela, com um casal de franceses ao lado que rapidamente pegou no sono, de maneiras que a bexiga desse indivíduo, ali mais ou menos sobre o Médio Oriente, começou a bater no banco da frente. Bebidas com maior percentagem de álcool serão sempre uma escolha mais inteligente, até porque mesmo que a vontade surja, passa-se por cima do casal de franceses.
Certo é que enquanto voarmos, vamos continuar a despenhar-nos, com mais ou menos drama – este acidente da germanwings é, de facto, horripilantemente dramático. Como se não bastasse, as companhias e as autoridades, aparentemente, não fazem bem o seu trabalho. Ou podiam fazer melhor. Resta aos passageiros, depois de tanta evolução, seguir os “procedimentos” que se seguiam nos primórdios da aviação, embora por estes dias já não seja propriamente a máquina que assusta.