sexta-feira, abril 24, 2015

Depois dos impostos, é só mais uma taxa

Felizmente, manda a Constituição que os serviços do Estado sejam “tendencialmente gratuitos”, porque assim podem ser gratuitos, o tanas. Se a Constituição mandasse que os serviços fossem gratuitos, era uma maçada, mas como diz “tendencialmente gratuitos” podem ser a pagar, porque não deixam de ser tendencialmente gratuitos. Por exemplo, eu sou tendencialmente bem educado, mas às vezes apetece-me mandar o Estado levar nos cofres.
A Justiça, a Saúde, por exemplo. Tudo grátis, só temos de pagar uma pequena taxa e é tudo maravilhosamente gratuito.
Na Saúde, criaram-se as taxas moderadoras para moderar, justamente, o acesso aos cuidados de Saúde. A Saúde é gratuita, mas há uma taxa moderadora, só para o serviço ser bem prestado, claro. Não é uma conta, não. Que disparate. É uma taxa moderadora e dizer o contrário é até uma grande ofensa para o Estado.
Por falar em ofensa, isso são outros quinhentos. A Justiça. “Tenho um amigo” que está a ser incomodado por uma octogenária que já flipou no que ao discernimento diz respeito. Má vizinhança, portanto. O “meu amigo” até já teve de incomodar os agentes de autoridade, bem como delegados de saúde e gabinetes de cidadãos. O Estado é Social, mas cuidar dos velhinhos abandonados que gripam no meio da rua, está quieto. É tão social quanto gratuito, está visto.
Nestas andanças, o “meu amigo” lá teve de dizer à polícia que talvez tivesse então de apresentar umas queixas, por exemplo, pelas ofensas, pelas injúrias ou pelas ameaças. Tudo muito bem. Pode apresentar-se as queixas todas, mas o próprio agente avisa logo que, só as ofensas – penso que era isto – são duzentos e tal euros no tribunal. Ou seja, temos de pagar.
O Estado consegue a proeza de ser ainda mais ofensivo que a ofensa que teria a obrigação de julgar. Mas é claro que também se trata, neste caso, de uma espécie de taxa moderadora. Se não fossem estes 200 euros, as pessoas que são ofendidas queixavam-se. Mas por duzentos euros leva tudo os desaforos para casa ou então vai buscar-se a caçadeira. Sim, não sei até que ponto este “livre acesso” à Justiça não terá influenciado a Justiça pelas próprias mãos, francamente mais económica e célere.
Seria natural que um Tribunal aplicasse uma taxa – ou coima – ao autor de uma queixa sem sentido ou de um queixoso recorrente ou em que se percebesse que havia outra intenção. Mas cobrar à cabeça valores desta natureza é um incomensurável escândalo, sobretudo quando o serviço da Justiça é uma miséria. Dois euros é uma fortuna por um processo em Portugal. Duzentos euros era o que deviam receber as partes, logo à cabeça, do Tribunal, a título de indemnização.
Pelo menos ficamos a saber que, numa altercação, podemos tranquilamente chamar os nomes todos ao adversário e ameaçar estraçalhá-lo com uma rebarbadora, que o desgraçado ainda tem de se chegar à frente em duzentos paus.
Enfim, mas é tudo tendencialmente gratuito. No fundo, o Estado é um burlão. É um esquema como as cartas da Nigéria. A simpática viúva também nos quer mandar os seus milhões, só que antes temos de lhe mandar uns milhares. A simpática viúva não deixa de tendencionalmente querer mandar-nos os seus milhões.