quarta-feira, abril 22, 2015

Mediterrâneo: A inconsciência segue dentro de momentos

ós e as nossas escolhas colectivas. Mais ou menos esclarecidamente, mais ou menos instintivamente, umas vezes escolhemos por acção, outras fazemo-lo por omissão. A forma como reagimos, e não reagir traduz também uma escolha, tem sempre consequências. O nosso quotidiano é função destas escolhas. E, de tempos a tempos, somos confrontados com o que delas resulta. Por estes dias, confrontamo-nos com o resultado da divisão internacional da riqueza, com a qual nós, europeus, convivemos como se fizesse parte da paisagem, e com o resultado das guerras semeadas por essa organização de benfeitores do mundo que dá pelo nome de NATO, à qual a grande maioria dos ocidentais faz todo o gosto em pertencer. Fizemos do Mediterrâneo um imenso cemitério, há muito que sabemos que o Mediterrâneo é um imenso cemitério, mas calhou que, de uma só vez, nos últimos dias o número de mortos excedesse largamente aquele que a nossa indiferença colectiva consegue acomodar. E a reacção que o número gerou obrigou o directório europeu a tomar medidas. O directório conhece-nos o suficiente para saber que o que chocou os europeus não foram as causas da tragédia, entre elas aquelas que atrás referi, foi a dimensão de dois naufrágios e foram as imagens de horror que nos invadiram a sala lá de casa. Por isso, as medidas que anunciaram prontamente, dez, nem nove, nem onze, eles sabem que dez tem outro impacto, apenas servirão para nos ajudarem a esquecer as tragédias destes últimos dias e para nos devolverem à inconsciência que na semana passada ignorava que o Mediterrâneo há muito que é um cemitério gigante. Um par de semanas será suficiente para voltarmos a ser o que temos sido, com os do Norte a exigirem mão de ferro para com os preguiçosos do Sul, os trabalhadores do privado a apontarem os privilégios dos do público, os jovens a cobiçarem as pensões de reforma dos velhos, o roto a disputar a migalha do descosido. De tempos a tempos, somos confrontados com o resultado das nossas escolhas colectivas. Quando o inferno do lado de cá for em tudo igual ao do lado de lá, ninguém arriscará a vida numa travessia para ficar na mesma. Decidimos enterrar a solidariedade que nos fazia fortes. Seremos nós, cidadãos europeus, a encerrar o cemitério do Mediterrâneo.

DAQUI