segunda-feira, abril 13, 2015

OS HERÓIS DA HEROÍNA

As Nações Unidas revelaram em Dezembro passado que a área de terrenos dedicados à cultura de ópio para fabrico de heroína no Afeganistão cresceu 60 por cento em apenas três anos – de 2011 a 2014. Não será abusivo escrever que este enorme upgrade da qualidade de vida dos traficantes de heroína – que não dos produtores de ópio como devem supor – se processou nas barbas das tropas da NATO e dos argutos e impiedosos agentes da DEA (brigadas supostamente anti-narcóticos) e da CIA, sempre prontos a erradicar qualquer pozinho, ervinha ou miligrama suspeito.

Salvo melhor parecer, alguma coisa não faz sentido. Ou o relatório das Nações Unidas está errado de uma ponta à outra, tal como muitos outros documentos da mesma fonte que revelam um agravamento exponencial da produção de heroína na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão desde 2001, ano do início da invasão da NATO; ou os agentes da DEA e da CIA dormiram em serviço, o que é feio.

Na busca de algum esclarecimento em torno desta aparente anomalia, recuemos umas décadas no tempo, até 1979. Nesse ano em que a administração Carter agonizava para abrir as portas à luz libertadora neoliberal da administração Reagan, não entrava nos Estados Unidos da América um miligrama de heroína produzida na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão. Em 1984, tal lacuna fora preenchida: 54 por cento da heroína injectada na sede do império tinha origem na região. E porquê? Porque a CIA e respectivos partenaires tiveram o cuidado de privilegiar os serviços de Gulbudin Hekmatiar, senhor da guerra e, à época, o maior traficante mundial de heroína, quando se tratou de formar os grupos islamitas de “combatentes da liberdade” para expulsar as tropas soviéticas. Registe-se que se iniciou assim a sementeira da Al-Qaida.

John Millis, homem que sabe o que escreve porque durante mais de 30 anos trabalhou para a cooperação clandestina entre a CIA e os produtores e traficantes de heroína com fins democráticos e libertadores, pois claro, explica como o negócio era, digamos, global quando ainda não se falava sequer em globalização. Uma das companhias aéreas fretadas para o transporte da “mercadoria” do Afeganistão, a Global International Airways, também actuou no chamado escândalo Irão-Contras. Para os que desconhecem ou não se recordam, eu resumo. Numa altura, mais uma, em que os Estados Unidos tinham decretado sanções contra o Irão, que proibiam o abastecimento de armas a este país, a Administração Reagan fazia contrabando de material militar para Teerão e o dinheiro – clandestino, portanto – assim obtido servia para financiar “combatentes da liberdade” na América Central, neste caso contra a revolução da Nicarágua que acabara de despachar o ditador nazi Anastacio Somoza, grande amigo de Washington.

Não se diga, porém, que há má vontade do escriba. Os agentes da DEA e da CIA são capazes de limpar grandes áreas onde se cultivam as tão valiosas ervas. Fizeram-no, por exemplo, na Colômbia, recorrendo ao Roundup, esse produto tão milagroso como polémico que faz a felicidade do gigante da contaminação mundial, a Monsanto, um dos expoentes do complexo militar industrial que governa o império.

Porque não fazem os agentes da DEA e da CIA a mesma coisa no Afeganistão? Saibam que é para não prejudicar os pequenos produtores de ópio. Então porque não se preocuparam com os pequenos produtores de coca na Colômbia? Talvez seja segredo de Estado, uma coisa com que é sempre preciso contar nestes tão delicados assuntos.

Seja como for, mais de 90 por cento da heroína que corre mundo é produzida hoje na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão e os pequenos produtores de ópio afegãos estão no mesmo estado de pobreza em que sempre estiveram. Além da já conhecida matança de centenas de milhares de pessoas, para mais alguma coisa serviram pois a invasão e “reconstrução” do Afeganistão, obra que é o orgulho e cartão-de-visita da NATO. A produção de ópio foi multiplicada por 33 desde 2001, atinge agora 8250 toneladas ano e proporciona um negócio de 200 mil milhões de dólares anuais em heroína. Grande performance, reconheçamos, o seu a seu dono.