terça-feira, abril 14, 2015

Treta da semana: a epidemia

No blog católico “Senza Pagare”, João Silveira pede que «Rezemos para que o Sínodo sobre a Família ajude a acabar com esta epidemia e a manter as famílias unidas.» A epidemia é o divórcio, que Silveira diz ser «Um drama a nível global». Para dar uma ideia da magnitude do problema, Silveira mostra esta imagem do Business Insider: 


e aponta que a taxa de divórcio é muito mais alta na Europa. Por exemplo, «Na Bélgica ultrapassa os 70%, enquanto no Chile é apenas de 3%.»(1) 

Penso que esta imagem revela algo realmente dramático mas nem se trata de uma epidemia nem o drama é o que Silveira julga ser. O divórcio não é uma infecção. Não dá às pessoas como quem acorda com gripe. É uma decisão desagradável mas, na generalidade dos casos, é a opção consensual do casal e, por muito mau que seja, é o mal menor. O drama é outro. 

Silveira contrasta a Bélgica com o Chile, que são diferentes em muitas coisas além do divórcio. Por exemplo, a Bélgica gasta cerca de 4700 dólares por ano por pessoa em cuidados de saúde. O Chile gasta apenas 1000 (2). Uma análise como a do João Silveira poderia sugerir que é preciso combater a epidemia que assola a Bélgica e força os belgas, enfermos, a gastar tanto em cuidados de saúde e concluir que os chilenos estarão muito melhor, tão fortes e saudáveis que lhes basta um quinto do investimento para resolver os seus problemas. Mas não é bem assim. No Chile a mortalidade infantil é o dobro (3) e a esperança média de vida três anos menor do que na Bélgica (4). Como não deve surpreender ninguém, um país gastar menos dinheiro em saúde não quer dizer que tenha uma população mais saudável. 

No divórcio passa-se algo análogo porque o divórcio não é o mal. É a cura. É uma cura drástica, como arrancar um dente ou tirar o apêndice, mas à qual se recorre quando a alternativa é pior. Isto, obviamente, quando é possível. Para tirar o apêndice é preciso haver hospitais e para se divorciar é preciso que a lei e a sociedade o permitam. No caso do Chile, a baixa taxa de divórcio parece dever-se, principalmente, ao divórcio ter sido ilegal até 2004 e à prevalência de pressões sociais relacionadas com discriminação sexual. No Chile 62% da população é contra a igualdade de direitos entre os sexos e uma em cada três mulheres relata ter sido vítima de violência doméstica (5). 

As estatísticas do divórcio sugerem uma situação dramática. Mas o drama é dos milhões de pessoas que são forçadas – pela lei, pela sociedade ou por gente como o João Silveira – a viver com quem não querem e a sofrer por isso. 

1- João Silveira, Divórcio: Um drama a nível global
2- The World Bank, Health expenditure per capita (current US$)
3- Wikipedia, List of countries by infant mortality rate
4- Wikipedia, List of countries by life expectancy 5- Wikipedia, Women in Chile


DAQUI