segunda-feira, abril 06, 2015

Treta da semana: igualdade de efeitos.

No seu discurso de aceitação do Oscar, Patricia Arquette proclamou que «Está na altura de ter igualdade nos salários de uma vez por todas, e iguais direitos para as mulheres nos Estados Unidos da América» (1). Vou assumir que não quer direitos iguais apenas para as mulheres dos EUA e generalizar. Direitos iguais para todos. Com isso concordo. Mas preocupa-me a ideia de que quererem forçar o salário médio a ser igual. Ou qualquer média. Porque a ideia devia ser dar direitos aos indivíduos e deixá-los decidir a média e não o contrário. 

Parte do problema está no salário resultar de uma transacção voluntária, o que não permite uma decisão fácil acerca do que é justo ou injusto. As actrizes como a Patricia Arquette ganham, em média, muito mais por hora de trabalho do que o pessoal que constrói os cenários ou carrega com as câmaras porque ninguém paga bilhete por a câmara ter sido operada pelo Zé ou pela Maria. Mulheres muito bonitas podem ganhar fortunas só por sorrir nas fotografias enquanto outras podem passar anos a estudar medicina e salvar vidas num hospital ganhando muito menos. No boxe profissional os homens ganham, em média, muito mais do que as mulheres, mas na moda é o contrário. Nenhuma destas diferenças médias é inquestionavelmente justa ou injusta. São apenas um efeito do conjunto de escolhas individuais de quem compra os produtos ou serviços e os casos de discriminação injusta, que têm de ser combatidos, nada têm que ver com estes efeitos médios. O que me preocupa nestas reivindicações como a da Patricia Arquette é a tentação de subordinar as escolhas individuais a uma ideia arbitrária do que a média deveria ser. Mas vou ilustrar este problema com outra diferença média entre os sexos no local de trabalho, uma diferença bem maior e mais séria do que a dos salários. 

Em 2012 morreram em Portugal 175 pessoas em acidentes de trabalho. Morreram 168 homens e 7 mulheres. Se a diferença de salário fosse tão grande como esta, por cada euro que um homem ganhasse uma mulher ganharia, em média, quatro cêntimos. Realmente, há uma diferença de salários entre os sexos em Portugal, mas é de um euro para 82 cêntimos e não para quatro (3). Mas, apesar de ser uma diferença muito mais acentuada do que a do salário, é mais fácil perceber nesta o erro de nos preocuparmos mais com a média do que com os indivíduos. Por exemplo, não aceitaríamos que se impusesse quotas nas minas e na construção civil de forma a obrigar os empregadores a contratar mais mulheres para ocupações perigosas e equilibrar a disparidade de mortes por acidentes no trabalho. Em primeiro lugar, porque grande parte da diferença resulta de diferentes escolhas individuais. A percentagem de pessoas que prefere trabalhar numa mina do que na caixa do supermercado parece ser maior entre homens do que entre mulheres. Em segundo lugar, porque são ocupações onde se justifica discriminar de acordo com atributos como a força física, que tendem a correlacionar-se com o sexo. Mas, principalmente, porque impor quotas para equilibrar uma média exige discriminar indivíduos em função dessa média em vez de os discriminar apenas em função dos seus atributos individuais, e é precisamente essa discriminação que temos de combater. 

Acontece o mesmo com os salários. Não podemos admitir que um trabalhador seja discriminado injustificadamente e, por isso, tenha um salário menor. Mas nem toda a discriminação é injustificada nem é a média que importa. Por exemplo, é discriminatório pagar mais a uma mulher para modelar roupa do que se paga a um homem, mas esta discriminação é justificada pelo maior volume de vendas da roupa feminina e não viola qualquer princípio de igualdade de direitos. Cada um está a ser avaliado e remunerado pelo seu papel e pelos seus atributos. Diferente seria se pagassem menos a um homem que cuida de crianças só porque, em média, os homens têm menos jeito para cuidar de crianças. Essa discriminação seria injusta por discriminar indivíduos com base em atributos médios que lhes são alheios. É nesses casos concretos que se justifica exigir igualdade de direitos. De resto, a igualdade de direitos nem pode exigir que todos sejam tratados da mesma forma – que a Patricia Arquette ganhe o mesmo que o Nuno Melo (4), por exemplo – nem que todos escolham fazer os mesmos trabalhos. A igualdade de direitos no trabalho apenas exige que cada um seja julgado pelo seu desempenho. 

É por isto que é errado e preocupante que queiram corrigir estas diferenças médias. Errado porque o que se tem de combater são os casos individuais de discriminação injusta. Só esses. A média ser maior para um sexo ou outro conforme as profissões, escolhas e aptidões dos indivíduos nem é indício de desigualdades nos direitos nem é algo que de errado em si porque a igualdade de direitos inclui o direito de ser diferente, tanto individualmente como na média. E é preocupante porque a única forma de forçar estas médias, para além da correcção de injustiças individuais, é com medidas inevitavelmente discriminatórias e injustas, como quotas, por exemplo. No fundo, ou se exige igualdade de direitos e se aceita que as pessoas usem os direitos como entenderem ou se exige igualdade de efeitos e tem de se retirar às pessoas o direito à diferença. 

1- Washington Post, Patricia Arquette calls for wage, gender equality in show-stealing Oscar speech
2- INE, Acidentes de trabalho mortais
3- Público (um pouco desactualizado, mas foi o que encontrei), Rendimento médio líquido dos assalariados portugueses ficou quase estagnado no final de 2007
4- Um excelente actor português, com uma enorme capacidade para se emocionar: YouTube.


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