quarta-feira, maio 27, 2015

Portugal e Espanha

Na dinastia Ming, o imperador mandava decapitar o cozinheiro se não gostava de algum dos pratos que lhe eram servidos às refeições. Nas democracias ocidentais, os votos fazem cair ou oscilar quem confecciona os pratos consumidos pelos cidadãos. Os resultados das eleições espanholas de domingo mostram que o mundo dos cozinheiros dos partidos que partilham regularmente a cadeira do poder está a ser desafiado por uma nova geração de Ratatouilles, ou melhor, de Remys com adiantado sentido de gosto e faro político.

Portugal não é, ainda, o espelho de Espanha, mas poderá vir a ser. Repare-se nos dados: o PP foi o mais votado, mas perde nos maiores centros urbanos; PP e PSOE ainda tiveram 52% dos votos, mas o Podemos (e, em menor grau, o Ciudadanos) acaba com a hegemonia dos dois senhores da democracia espanhola. E, com isso, abre-se uma nova fronteira na forma de olhar para a política, mais radical.

A repartição do poder em Espanha poderá agora conduzir a alianças diferentes ou, pelo contrário, ajudar à ingovernabilidade crónica, lembrando os tempos mais tórridos da política italiana do século XX. Até que chegou Silvio Berlusconi, o "reformador" criado pelos seus canais televisivos. E sabe-se que nem todos os povos, especialmente se estão reféns de crises económicas, convivem pacatamente com a instabilidade. Mas o que é evidente em Espanha é que o Podemos simboliza uma outra política que vai contaminando sociedades empobrecidas e desequilibradas.

Muitos cidadãos decidiram votar em si mesmos através do Podemos, algo que Pablo Iglesias pode não querer, mas o qual, pragmaticamente, necessita. A maioria dos cidadãos já não está na direita nem na esquerda: está nos que se sentem inseguros, na miséria escondida e, sobretudo, numa classe média vencida, pilhada e humilhada. Todos os que votaram nas alternativas buscam um discurso combativo, onde a dignidade se contrapõe ao discurso único da austeridade. PSD, PS e CDS deveriam ir rever "Ratatouille".