domingo, maio 24, 2015

Treta da semana: aprendendo teosofia

A leitora mtavares comentou recentemente um post antigo sobre o Centro Lusitano de Unificação Cultural (CLUC). Dizendo-se admiradora do CLUC, aconselhou o «Senhor Ludwig e companhia [...] a pôr alguma ordem nessas ideias , tentando entender ( juntem os neurónios, contei pelo menos três na vossa verborreia) alguns dos preceitos Teosóficos»(1). Apreciando a crítica construtiva, a simpatia e o humor refinado, não resisti seguir o conselho da estimada leitora e tentar aprender algo sobre os tais preceitos Teosóficos, tão importantes que até como adjectivo merecem maiúscula. 

O ponto de partida para esta investigação, que tenciono prosseguir enquanto a paciência mo permitir, é o artigo «Adão ou macaco? O darwinismo no centro do furacão?», da autoria de«Humberto Álvares da Costa, Médico Cardiologista; Secretário-Geral da Sociedade Teosófica de Portugal; Redactor-Chefe da revista “Portugal Teosófico”» (2). O autor parece ser perito em teosofia, aborda um tema com o qual tenho alguma familiaridade e, tal como eu, é um «um não-darwinista assumido». Darwin foi um pioneiro na teoria da evolução, fez um trabalho extraordinário e explicou conceitos importantes como a selecção natural e a ideia das espécies como grupos de populações e linhas de descendência em vez de categorias herméticas como os tais “tipos” que ainda hoje baralham os criacionistas. Mas isso foi há século e meio e, entretanto, tem-se avançado muito neste campo. Hoje conhecemos processos moleculares que Darwin nem imaginava e temos modelos quantitativos rigorosos daquilo que ele apenas pôde conceber de forma qualitativa e vaga. Por muito meritórios que sejam os pioneiros, ao desbravar novos caminhos para o conhecimento tornam inevitável que as suas ideias sejam ultrapassadas. Por isso, quem quiser perceber a teoria da evolução século e meio depois de Darwin tem mesmo de ser “não-darwinista”. 

No entanto, parece acabar aqui a minha concordância com Costa. Alega que há um «triângulo Deus, Homem e o Universo» no qual «O Homem e o Universo, por analogia, representam os dois pólos da Manifestação, que os cabalistas designaram por: Chokmah ou Sageza e Binah ou Sofia (Ciência, Prudência)» A analogia do problema epistemológico com um triângulo de dois pólos parece-me demasiado confusa. Quanto à teoria da evolução, começa por afirmar que «A Evolução existe em toda a parte, é global: átomos, estrelas, seres vivos… O Cosmos é Evolução», o que é falso porque, no sentido técnico, evolução é a variação na distribuição de características herdadas em populações de entidades que se reproduzem. E Costa aponta como problema principal que «É muito diferente orientar a vida na convicção de que somos animais em luta pela sobrevivência da espécie ou de que somos filhos do Divino.» Mesmo que seja, isto é irrelevante por duas razões. Primeiro, porque o impacto que uma proposição tenha na forma como orientamos a vida não permite, por si só, decidir se é verdadeira ou falsa. Por muito desagradável que seja ter uma doença grave não se justifica concluir daí que o diagnóstico está errado. E, em segundo lugar, a teoria da evolução não implica lutar pela sobrevivência da espécie. A espécie é uma categoria transitória, nada mais que o conjunto de populações de indivíduos, numa dada altura, que se podem cruzar para gerar descendentes férteis. Além disso, a teoria da evolução apenas explica o mecanismo pelo qual surgiram as características que agora temos. Não diz nada acerca do que devemos fazer com elas. Culpar a teoria da evolução por alguém viver como se a sua vida só servisse para perpetuar a espécie é como culpar a química por alguém se suicidar com um tiro na cabeça. 

Mas onde divergimos mais é na resposta que Costa dá à questão «como reconhecer a Verdade? O homem médio terá muita dificuldade em aceder-lhe directamente mas tudo o que é fundamental saber foi ensinado, nas religiões e métodos espirituais, por Mestres, cientistas perfeitos.» O problema geral de procurar fontes autoritárias onde assentar o conhecimento merece, pelo menos, um post inteiro. Mas, focando apenas este caso, é de rejeitar a confiança na suposta perfeição de “cientistas” como «Helena P. Blavatsky, a discípula dos Mestres de Sabedoria que foi destacada para repor a Teosofia moderna». Ao contrário da ciência de verdade, a teosofia “moderna” de Blavatsky, de meados do século XIX, nada progrediu desde então. É possível que Blavatsky tenha sido uma cientista perfeita e que, por isso, tenha conseguido criar um corpo de conhecimento completo e totalmente correcto de uma só penada, com «tudo o que é fundamental». Mas o texto de Costa sugere uma alternativa mais plausível. Lamenta Costa que, «Quando Newton morreu, em 1727, os estudos alquímicos foram retirados do espólio e classificados como impublicáveis.» É verdade que o legado de Newton na física é muito mais importante do que o seu trabalho na alquimia. Mas isto não se deve a censura ou discriminação. Deve-se ao trabalho de Newton na física ter aberto caminho para novas aplicações, novas descobertas e novas teorias enquanto que a alquimia nunca passou da cepa torta. A alquimia foi apenas um passo na direcção errada. 

Esta é a distinção mais importante. Para desbravar caminho em direcção ao conhecimento é preciso cruzar a especulação com o que se pode observar. Isto conduz a explicações testáveis e acaba por revelar erros que terão de ser corrigidos e lacunas que terão de ser colmatadas. Assim, quem contribua para o conhecimento nunca dará a impressão de ser perfeito. Essa ilusão exige isolar a especulação da realidade de forma a que se possa ignorar erros e confundir ideias infundadas com “Verdade”. É o que fazem astrólogos, teólogos, alquimistas e afins. Pelo que aprendi até agora, é o que a teosofia faz também. E o preço desta aparência de perfeição é não poderem dizer nada que se aproveite. 

1- Comentário em Treta da semana: Centro Lusitano de Unificação Cultural.
2- Adão ou macaco? O darwinismo no centro do furacão?


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