O processo negocial entre a Grécia e o trio de instituições (CE, BCE e FMI) mais os dirigentes dos países do eurogrupo é uma montra notável do que está exactamente em jogo.
A ira incontida que Lagarde, Schäuble, Dijsselbloem, Gabriel, Merkel, Rajoy e, a nível doméstico, Coelho, Albuquerque, Portas, políticos do PSD, do CDS, da maioria do PS e quase todos os comentadores que vão pululando por televisões, rádios e jornais demonstram em relação a Varoufakis e Tsipras não é antipatia pessoal nem diferença de estilos, é repulsa visceral pelas ideias que eles defendem e pelo perigo que essas ideias constituem para os grandes interesses instalados.
O governo grego representa, de facto, um modelo diferente de sociedade, com valores diferentes, com direitos e deveres sociais diferentes, que colidem com o sistema dominante.
Este sistema, que concentra numa minoria todo o poder e toda a riqueza, não está disponível para abdicar do poder obsceno que possui nem da riqueza obscena de que usufrui. O confronto desenvolve-se neste contexto.
Os donos da Europa têm absoluta necessidade de derrotar o governo grego: a semente que foi lançada à terra com a eleição do Syriza tem de ser destruída, não pode haver o risco de crescer e de se espalhar. Não pode subsistir a ideia de que existem outros caminhos, de que existem outras possibilidades. É esta perrogativa que, para os poderes dominantes, é necessário garantir a todo o custo.
A isto junta-se um outro elemento. É a primeira vez que o poder dominante, político e financeiro, se sente confrontado. Nunca, até aqui, isso tinha sucedido. Na verdade, até há poucos meses, o poder dominante sempre teve como interlocutores governantes nacionais de comportamento servil, e até bajulador, como foi e continua a ser o do primeiro-ministro português. A subserviência era a postura de referência. O governo grego rompeu com esse modelo, não apenas quebrou rituais institucionalizados como demonstrou uma coragem e uma resistência que até hoje ninguém tinha tido.
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