quinta-feira, junho 04, 2015

O movimento de solidariedade

A Grécia foi alvo das mais severas políticas de austeridade desde a década de 30 do século XX no continente europeu. A via da austeridade teve como consequência a criação de uma verdadeira crise humanitária no país, ao mesmo tempo que se protegeu os verdadeiros responsáveis pelo despoletar da crise: o sector bancário e o financeiro.
A escolha política da austeridade – porque foi uma escolha e não uma obrigação – dos governantes europeus e dos subservientes governantes gregos do Nova Democracia e do PASOK mergulhou a Grécia em seis anos consecutivos de recessão; contraiu o PIB grego na ordem dos 25%, aumentou a dívida pública para os 177%, mesmo depois de uma primeira reestruturação; potenciou o desemprego, afectando cerca de 27,6% do total da população activa; reduziu o subsídio de desemprego dos 450 para os 360€; cortou o salário mínimo dos 751 para os 586€; abateu 31,2% das despesas médias dos agregados familiares, se comparados com os dados de 2009[1]. Somaram-se os brutais cortes no Estado e nas suas funções sociais ao ponto deste ser incapaz deCUMPRIRcom a generalidade das suas responsabilidades. Por exemplo, os cortes orçamentais do Serviço Nacional de Saúde foram na ordem dos 40%, quando a procura aumentou 24%.
Assim, as crescentes carências extremas com que a generalidade do povo grego se confrontou criaram a necessidade para que algum movimento ou estrutura ocupasse o fosso deixado pelo Estado. Este foi ocupado por grupos de activistas que se começaram a reunir localmente para edificarem várias estruturas de solidariedade, desde cantinas solidárias, a clinícas-farmácias sociais, a casas da cultura, entre outras, no início de 2012. Representaram a base de um alargado movimento de solidariedade, pois rapidamente se fortaleceram e expandiram por todo o país. Se no início de 2012 rondavam entre 180 e os 200 colectivos, actualmente são cerca de 400. Se o que os teóricos gostam deCHAMAR sociedade civil se encontrava subdesenvolvida na Grécia, com a crise esta fortaleceu-se e reagiu à austeridade. Tanto com movimentos sociais, como os “Indignados” e o “Won’t Pay”, como através do movimento de solidariedade.
No entanto, se as crescentes necessidades económico-sociais representaram oleitmotiv para o aparecimento destes colectivos e, mais tarde, do movimento de solidariedade, rapidamente outras visões e práticas se lhe juntaram, como o desejo deCRIAR novas relações de solidariedade com as pessoas, o aprofundamento da democracia e a mobilização dos mais afectados pela crise através da auto-gestão dos vários colectivos. Estes estão organizados em assembleias abertas onde todos podem participar, desde os voluntários até àquelas que necessitam de ajuda, pois aquilo que os define é a não existência de qualquer estrutura hierárquica na base da igualdade total. Todos possuem o mesmo valor no processo decisório, independentemente da intensidade da sua contribuição ou situação sócio-económica. É precisamente por este método organizativo que um colectivo que inicialmente se tenha focado na criação de uma cantina solidária, rapidamente se alarga para as clínicas-farmácias, ou outro tipo de estrutura, dependendo das necessidades objectivas da população em causa. Os colectivos acompanham o desenrolar dos problemas da comunidade. Os valores basilares dos vários colectivos e do movimento mais alargado são assim a solidariedade, a igualdade, a participação e a democracia.
Acresce-se também a experiência de construção de uma economia social e solidária com o aparecimento de cooperativas de trocas de géneros, de moedas alternativas e de bancos de tempo como formas de transacção directa de bens e serviços. Uma economia em que as pessoas estejam acima dos lucros e não o inverso. Na base desta visão e experiência encontram-se a desregulamentação do mercado de trabalho, o elevado desemprego jovem qualificado e o gradual questionar do método de produção capitalista como injusto e exploratório, o que deu origem à formação de mais de 300 cooperativas que utilizam estas formas de troca. Tal como os outros colectivos, também estas cooperativas seguem os mesmos moldes de processo de decisão democrática e de auto-gestão. No fundo, o movimento de solidariedade afirmou-se como a experiência prática da gestão democrática e social das instituições pelos estudantes, trabalhadores, pensionistas e reformados que participam e usufruem das mesmas.
O movimento de solidariedade ocupou o espaço de responsabilidade social do Estado, mas nãoPRETENDE fazê-lo permanentemente, apenas enquanto os efeitos sócio-económicos da austeridade perdurarem. Tencionam, sim, criar novas práticas de solidariedade, de participação e de democracia junto dos estudantes, trabalhadores, pensionistas e reformados, bem como auxiliarem uma futura reconstrução do Estado Social.
A vitória eleitoral do Syriza no início de 2015, a formação de um governo anti-austeridade e as decisões de se pôr termo a várias injustiças, como a de 300 mil famílias não terem acesso à electricidade por os seus impostos de propriedade estarem indexados à respectiva factura, e de se reconstruir gradualmente o Estado Social, como a contratação de 4 mil médicos nos próximos 18 meses, vieram representar uma esperança na luta contra a crise humanitária, contra as injustiças. No entanto, os interesses dos eurocratas e dos governantes europeus, que apostaram todas as suas fichas políticas na austeridade, não podem deixar o Governo grego enveredar por uma outra solução, uma que demonstre que existem alternativas e que o discurso da não alternativa à austeridade é uma falácia. Se tal acontecer poderãoOCORRER vários terramotos nos sistemas partidários europeus, começando talvez pelos do Sul da Europa. Querem fazer da Grécia a vacina dos que não se revêem nesta União Europeia que aplica o neoliberalismo e a austeridade, que prejudica a maioria a favor da minoria. Apoiar o Governo grego é lutar contra a austeridade em prol de uma outra Europa, uma mais justa, igualitária, democrática e que não esteja refém do capital e dos seus interesses.

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