quinta-feira, junho 04, 2015

Os negócios das nossas vidas

Aqui há uma meia dúzia de anos, andava eu em prospecção com o objectivo de mudar de casa, recebi uma chamada telefónica de um dos mediadores imobiliários que contactei para o efeito. O homem estava visivelmente ansioso: "doutor," – a presunção de grau académico é incontornável quando nos querem vender alguma coisa – "tenho uma oportunidade imperdível para si." Ora, oportunidades imperdíveis é o que toda a gente procura. FuiVER.

Era um duplex com excelentes áreas numa zona nobre aqui de Coimbra mas a precisar de muitas obras, talvez uns 70 mil euros, e com um desconto relativamente ao valor de mercado do dobro desses 70 mil. Como a zona não era exactamente a que pretendia e como 70 mil euros em obras trazem atrás de si um valor dificílimo de calcular em chatices, recusei sem dar grandes explicações. O meu intrépido empreendedor nem pestanejou. O valor pedido sofreu imediatamente um abatimento de mais 50 mil. Voltei a recusar. O homem não desistiu. Em vez de novo abatimento, propunha-me agora que oferecesse o valor que quisesse, qualquer valor, que podia fazer ali o negócio da minha vida. Recusei-me a fazê-lo também, agora sobre os resquícios dessa experiência traumática de há uns 40 anos, quando descobri que o Pai Natal não existe. Mas perguntei-lhe em que raio de coisa é que ele estava aTENTAR meter-me.

Nada mais simples. O ainda proprietário tinha falido e, na lógica “mais vale fazer um péssimo negócio que pouco renda do que não fazer negócio nenhum e não ganhar nada”, estava a tentar safar o que pudesse antes da execução judicial respectiva. Uma luta contra o tempo de um vendedor e de um comissionista, portanto. E um negócio desonesto: se lhe comprasse o apartamento, estaria a ajudar um Chico-esperto a deixar calotes porPAGAR. Perdi todos os graus académicos quando confrontei o comissionista com a sua falta de escrúpulos e lhe pedi que não me voltasse a fazer perder tempo com mais cambalachos: “o Sr. Filipe desculpe, mas negócios como este não aparecem todos os dias.”


Mas começaram a aparecer e a uma escala incomparavelmente maior. Primeiro GALP, e PT, depois REN, EDP, CTT, Estaleiros de Viana, o que mais havia e o que mais houver. A TAP e o Metro do Porto são os cambalachos que se seguem. Abaixo republico um excerto da descrição de um deles feito pela Mariana Mortágua. Notem que está lá tudo. O contra-relógio de vendedores e comissionistas que têm até Outubro para ganharem algum, o “mais vale um péssimo negócio que renda alguma coisita do que um não negócio que não dê nada a ganhar”, o Chico-espertismo que chegou ao poder, a cidadania não praticante que tudo vai permitindo, incluindo a eternização no poder do arco dos chicos que vão fazendo negócio com as nossas vidas, os negócios das nossas vidas. Imperdíveis.


– “Imagine uma pessoa que quer comprar uma casa própria. Como tantas outras, não tendo dinheiro a pronto para a adquirir, tem que recorrer a um empréstimo bancário. Precavida e à procura da melhor proposta possível, vai a quatro bancos informar-se sobre as condições oferecidas por cada um.ESCOLHE, naturalmente, o banco que oferece melhores condições e um "spread" mais baixo. Qual não é o seu espanto quando, depois de assinar a escritura, repara que as condições são diferentes das que tinham sido acordadas e o "spread" muito inferior. Parece impossível? Algo parecido está a acontecer no Porto. Não com o empréstimo à habitação de um qualquer anónimo cidadão, mas com a forma como os transportes coletivos da cidade estão a ser atirados para a mão de interesses privados. Entre a apresentação do caderno de encargos e a assinatura do contrato, muito mudou. Em primeiro lugar, o número de candidatos, que, vendo determinadas condições, desistiram de uma privatização que, para ser atraente para os privados, tem sempre que meter dinheiros públicos. Em segundo, as regalias oferecidas pelo Governo ao concorrente vencedor. Onde antes não existia qualquer referência a indemnizações financeiras do Estado ao vencedor da concessão, elas passaram a existir no contrato. Baixaram as exigências e aumentou a remuneração entregue ao privado. Os riscos, que já eram mal repartidos, passaram a recair em cima do suspeito do costume. (continuar a ler)” – Mariana Mortágua.


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