terça-feira, novembro 22, 2005

CARTA II

No dia 24 deste mês o Sr. João Lisboa (crítico musical português, melhor dizendo crítico musical à portuguesa) publicou no Expresso na página 22-c do caderno Expresso Cartaz, um artigo dedicado ao último trabalho do compositor, músico, intérprete e poeta Peter Hammill In a Foreign Town. Sendo eu um estudioso da obra do poeta mais importante que a música sob todas as suas formas e géneros alguma vez teve (tenho plena consciência da importância do que afirmo) não podia deixar passar a oportunidade de fazer alguns comentários sobre a obra do poeta e simultaneamente responder ao crítico musical pago pelo Expresso encarregado de fazer a dita crónica que contesto integralmente.
Que bicho mordeu ao Sr. João Lisboa? Que impulso pouco saudável o terá conduzido a fazer os comentários que fez? Será audições de música tecno-industrial mal orientados tipo Michael Jackson com produção à Quincy Jones? Ou será algo mais caseiro como Tony de Matos ou Marco Paulo?
Falemos então daquilo que realmente importa e que é fundamental para que a música possa ser compreendida e interrogável? Não vou responder a tudo o que o Sr.João Lisboa afirma porque não tenho um jornal como o Expresso que suporte e pague todas as baboseiras que eventualmente poderia dizer - "the joke's on us this is more and more ridiculous".
A palestra do Sr. João Lisboa denota para além de tudo, uma grande ignorância - fundamentalmente. Para além de não ter escutado com o mínimo de atenção esta peça do poeta. A crónica não se refere uma única vez à técnica do MIDI que é utilizada neste disco e como se sabe em termos tecnológicos é a vanguarda...
Mas o Peter Hammill não vale só por isso. Já no And Close as This e no Skin conseguiu aliar à tecnologia musical de ponta o humanismo poético. A propósito do MIDI aconselhava o Sr. João Lisboa a ler um artigo em que se fala disso e do próprio Hammill na revista inglesa Music Technology de Fevereiro de 87 com o título significativo de Hands across the Keybord. O problema do Sr. João Lisboa é de falar de coisas de que não percebe e não se preocupar (e isso é que é grave) em informar-se.
Será que pretence àquele tipo de pessoas que ilogiam "the propaganda of the military-industrial machine"' Parece que o poeta tem razão quando diz que "It's a hemlock world that we must drink, swallow hard and don't try to think". Será isso que o criticismo musical porteguesito quer e deseja e anseia?
O mundo em que o Sr. João Lisboa se move, pelo menos musicalmente, é "reducionista e repetitivo" porque está tristemente encerrado numa obsessão de denúncia, que não denuncia rigorosamente nada. Interrogou-se porquê In a Foreign Town? Em que sentido pode ser isto interpretado tendo presente a obra poética de Peter Hammill que envolve algumas centenas de poemas e qualquer coisa como trinta álbuns (a solo e com os Van der Graaf Generator) ao longo de vinte anos? O Sr. João Lisboa não se preocupa com esta questões, naturalmente, porque é fundamentalmente um crítico musical (À portuguesa). O músico hoje tem que ser militante. O poeta hoje tem que ser militante, mesmo quando diz "in a dance of typical capitalists what piper plays the tune? Only the money. No people any more." Pessoalmente já tinha reparado nesta "evidência". Será que o Sr. João Lisboa faz parte dela?
Estaria plenamente de acordo com o Sr. se a sua crítica se referisse por exemplo ao "money" de The Dark Side of the Moon dos Pink Floyd. Aí sim em 1974 o problema levantado por Rogers Waters está longe de ser novo: o de uma pequena burguesia que anseia por uma vida que inclua caviar e Rolls Royce. Isso sim é banal. O problema aqui é radicalmente diferente tal como a concepção musical. Explicar o In a Foreign Town e a composição Time to Burn passam também por aí. Mas o Sr. João Lisboa não viu nada disto, talvez porque não lhe interesse, mas a música é isso, é fundamentalmente isso. Esta obra do poeta é das melhores que o ano findo viu nascer juntamente com outra, esta instrumental, Spur of the Moment com o percussionista Guy Evans que pertenceu ao Van Der Graaf Generator e que o Sr. Crítico não referiu, talvez por não saber. Um conselho: já que na sua crónica se referiu a Octávio Pato que tanto sei o seu campo de actuação não é amúsica (a música dele é outra) porque é que não tenta a política? A sua perspicaz argumentação a favor duma política de governo, seja ela qual for poderia granjear-lhe melhores resultados.

P.S.
Apesar do que disse da composição The Play's the Thing Sr. João Lisboa é pouco, demasiado pouco.
Censurada no Expresso

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