terça-feira, novembro 22, 2005

CARTA III

Linda-a-Velha, 14 de Janeiro de 1989

"Se uma resposta não pode ser posta em palavras, também o não pode a pergunta.O enigma não existe.Se pode de todo fazer uma pergunta, então também se pode respondê-la."
WITTGENSTEINTractatus Logico-Philosophicus - prop. 6.50

ANARQUISMO E ATITUDE FILOSÓFICA


No dia 7 do corrente e a propósito dum comentário crítico que formulei da legenda "Emídio Santana (82) líder anarquista", o Expresso publicou juntamente com excertos da minha carta, uma resposta que na minha dupla qualidade de libertário e de professor de Filosofia, me merece uma tomada de posição.
Dizia a nota que "no Expresso acreditamos numa ideia que faz parte do senso comum: a de que, desde os primórdios da humanidade, certas figuras emergem naturalmente, pelos seus dotes de liderança e influência, de entre as comunidades a que pertencem." Espanta-me apesar de tudo e muito significativo que um jornal de dimensão nacional como o Expresso, faça a apologia do não crítico, do não relativo em suma, do passivo ou como dizia Voltaire "senso comum significa apenas o bom senso, razão grosseira, razão começada, primeira noção das coisas ordinárias."
É comumente aceite o princípio apresentado pelo Expresso, mas é por esse motivo que o devemos apresentar com força justificativa? Terá algum sentido para um jornal que se declara independente, analítico, crítico, que se dispõe em interrogar a realidade nas suas multiplicas vertentes, que a partida aceite os preconceitos do homem comum que apesar de tudo têm força ideológica? Nesse sentido o Expresso deveria continuar a defender certas ideias do senso comum como por exemplo, aquela que era afirmada por muitas pessoas que nunca o homem poderia alguma vez chegar à lua, ou aquela que dizia em tempos idos que a lua era feita de queijo, ou ainda aquela ideia que associa obrigatoriamente ao parto sensações de dor só para de alguns exemplos. Se o senso comum é o conjunto das opiniões professadas numa questão pelo "comum" dos homens, isso não significa que possa ter "força de lei" até porque o conhecimento científico nunca recorre ao senso comum. Por isso Bergson afirmava que "o senso comum é cheio de prejuízos".
Resumindo, o Expresso não tem uma atitude crítica e reflexiva ao defender posições só porque elas constituem ideias que fazem parte do senso comum. "O objectivo da Filosofia" dizia Wittgenstein no seu tractatus, "é a clarificação lógica dos pensamentos". Nesse sentido acrescentava "a filosofia não é uma doutrina, mas uma actividade." Embora não seja a única é uma dimensão fundamental e neste sentido a filosofia apresenta-se como actividade crítica e reflectiva, porque superação do senso comum.

P.S.
Juntamente com a minha carta sobre Emídio Santana seguiu outra sobre uma crítica musical do Jornalista João Lisboa a propósito de Peter Hammill. No entanto esta não foi publicada ao contrário daquela. Gostaria sinceramente de saber porquê? Teria sido obra de algum lápis azul, obviamente maroto?
Censurada no Expresso

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