quarta-feira, novembro 23, 2005

ECONOMIA E SOCIALISMO

Proudhon testemunha um certo respeito pela economia política. Os economistas parecem ter forjado os utensílios indispensáveis à elaboração duma verdadeira ciência social. Em compensação é imperdoável não ter sabido utilizá-la de outro modo a não ser em proveito duma vasta empresa de legitimação do indefensável roubo proprietário (22).
“Os economistas (...) descreveram os fenómenos, verificaram os seus acidentes e as suas relações; verificaram, em várias circunstâncias, um carácter de necessidade que os fez chamar leis; e este conjunto de conhecimentos, apanhados nas manifestações por assim dizer mais ingénuas da sociedade, constitui a economia política.
A economia política é portanto a história natural dos costumes, tradições, práticas e rotinas mais aparentes e as mais universalmente acreditadas da humanidade, no que diz respeito a produção e a distribuição da riqueza. A este título, a economia política considera-se como legítima em facto e em direito: em facto, pois os fenómenos que ela estuda são constantes, espontâneos e universais; em direito, pois estes fenómenos têm por eles a autoridade do género humano, que é a mais grande autoridade possível. Também a economia política se qualifica de ciência, quer dizer de conhecimento racional e sistemático dos factos regulares e necessários.” (23)
Para ilustrar o que deveria ser a economia social, tanto na sua concepção como no seu papel, por relação à economia política, Proudhon utiliza uma alegoria, que, fiel aos mitos platónicos, permite-lhe, dum modo simplificado, sintetizar a sua visão do mundo:
“Representemos, então, a economia política como uma imensa planície, coberta de materiais preparados para um edifício. Os operários esperam pelo sinal, cheios de ardor, ansiosos por começar a obra: mas o arquitecto desapareceu sem deixar o plano. Os economistas memorizaram todo um conjunto de coisas: infelizmente não possuem um cálculo da obra. Sabem a origem e a história de cada peça; quanto é que ela custou, que madeira fornece as melhores vigas, e que argila faz os melhores tijolos, o que se gastou em ferramentas e transportes; quanto ganhavam os carpinteiros, e quanto os canteiros: Não conhecem o destino e o lugar de nada. Os economistas não podem esconder que têm sob os olhos os fragmentos duma grande embrulhada dum chefe de obras, “disjecti membra poetoe”; mas foi-lhes impossível até agora encontrar o delineamento geral, e todas as vezes que tentaram algumas aproximações, só encontraram incoerências.
Desesperados ao fim de combinações sem resultado, acabaram por erguer a inconveniência arquitectónica da ciência, ou, como dizem os inconvenientes dos seus princípios; numa palavra, negaram a ciência. (...)
O edifício social foi portanto, abandonado; a multidão irrompeu sobre a construção: colunas, coberturas e alicerces, a madeira, a pedra e o metal foram distribuídos por lotes e tirados à sorte, e destes materiais acumulados por um templo magnífico, a propriedade, ignorante e bárbara, construiu cabanas. Trata-se, portanto, não somente encontrar os planos do edifício, mas desalojar os ocupantes, os quais sustentam que a sua cidade é sublime, e, à palavra de restauração, dispõem-se em batalhas à sua porta.” (24)
É necessário portanto adoptar uma análise nova, que constituirá a ciência social utilizando os materiais mais adaptados, quer dizer os da economia política (25), destruindo pela crítica a maneira pela qual ela os utiliza, pondo em evidência os erros dos economistas, cuja reparação reconciliará o facto e o direito:
“Se portanto demonstro, que a economia política, com todas as suas hipóteses contraditórias e as suas conclusões equívocas, não é nada que uma organização do privilégio e da miséria, terei provado por isso mesmo que ela contém implicitamente a promessa duma organização do trabalho e de igualdade, já que, como o dissemos, toda a contradição sistemática é o anúncio duma composição; bem mais, terei provado as bases desta composição; Logo, enfim, expor o sistema das contradições económicas, é deitar os fundamentos da associação universal, dizer como os produtos da obra colectiva saíram da sociedade, é explicar como será possível fazê-los entrar; mostrar a génese dos problemas de produção e de repartição, é preparar a solução” (26).
Assim, “A Economia política, por aquilo que ela organiza a miséria, é já a organização do trabalho: tem um valor positivo, apesar das suas antinomias, e precisamente pelo conjunto das suas antinomias; e toda a teoria que a nega, é falta de inteligência absurda.” (27)
Assim, a economia política tal qual é praticada não se justifica em nada (28) (29), mas paralelamente, o único mérito dos socialistas é de o ter verificado. (30)


NOTAS


22- Proudhon - “Qu`est-ce que la propriété?”, Ed.Riviere, Paris, 1927, p.231:
“O exemplo de Say deu os seus frutos: a economia política, no ponto a que chegou, assemelha-se à ontologia; discorrendo sobre efeitos e causas não sabe nada, não explica nada, não conclui nada. O que se decorou sob o nome de leis económicas reduz-se a algumas generalidades triviais, às quais julgou dar um ar de profunda sabedoria revestindo-as de um estilo precioso; quanto às soluções preconizadas pelos economistas e respeitantes aos problemas sociais, pode dizer-se que se as suas lucubrações saem, por vezes, do nada, logo vão cair no absurdo. Há vinte e cinco anos que a economia política paira sobre a França como um espesso nevoeiro, limitando a expansão dos espíritos, comprimindo a liberdade”.
“L`exemple donné par Say a porté ses fruits: l`économie politique, au point où elle est parvenue, ressemble à l`ontologie; discourant des effets et des causes, elle ne sait rien, n`explique rien, ne conclut rien.Ce que l`on a décoré du nom de lois économiques se réduit à quelques généralités triviales, auxquelles on a cru donner un air de profondeur en les revêtant d`un style précieux et argot; quant aux solutions que les économistes ont essayées des problèmes sociaux, tout ce que l´on peut dire est que, si leurs élucubrations sortent parfois du niais, c`est pour tomber dans l`absurde. Depuis vingt-cinq ans l`économie politique, comme un épais broiullard, pèse sur la France, arrêtant l`essor des esprits et comprimant la liberté”.
23- “Les économistes (...) ont décrit les phénomènes, constaté leurs accidents et leurs rapports; ils ont remarqué, en plusieurs circonstances, un caractère de nécessité qui les a fait appeler lois; et cet ensemble de connaissances, saisies sur les manifestations pour ainsi dire les plus naïves de la société, constitue l`économie politique.
L‘économie politique est donc l‘histoire naturelle des coutumes, traditions, pratiques et routines les plus apparentes et les plus universellement accréditées de l‘humanité, en ce qui concerne la production et la distribution de la richesse. A ce titre, l‘économie politique se considère comme légitime en fait et en droit: en fait, puisque les phénomènes ont pour eux l‘autorité du genre humain, qui est la plus grande autorité possible. Aussi l‘économie politique se qualifie-t-elle de science, c‘est à dire de connaissance raisonnée et systématique de faits réguliers et nécessaires.”
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Riviere, 1923, t.I, p.67.
24- “Représentons-nous donc l`économie politique comme une immense plaine, jonchée de matériaux préparés pour un édifice. Les ouvriers attendent le signal, pleins d`ardeur, et brûlant de se mettre à l`oeuvre: mais l`architecte a disparu sans laisser de plan. Les économistes ont gardé mémoire d`une foule de choses: malheureusement ils n`ont pas l`ombre d`un devis. Ils savent l`origine et l`histoirique de chaque pièce; ce qu`elle a coûté de façon, quel bois fournit les meilleures solives, et quelle argile les meilleures briques, ce qu`on a dépensé en outils et charrois; combien gagnaient les charpentiers, et combien les tailleurs de pierre: ils ne connaissent la destination et la place de rien. Les économistes ne peuvent se dissimuler qu`ils aient sous les yeux les fragments jetés pêle-mêle dùn chef-d`oeuvre, disjecti membra poetoe; mais il leur a été impossible jusqu`à présent de retrouver le dessin général, et toutes les fois qu`ils ont essayé quelques rapprochements, ils n`ont rencontré que des incohérences.
Désespérés à la fin de combinaisons sans résultat, ils ont fini par ériger l‘inconvenance architectonique de la science, ou, comme ils disent les inconvénients de ses principes; en un mot, ils ont nié la science.(...).
L‘édifice social a donc été délaissé; la foule a fait irruption sur le chantier: colonnes, chapiteaux et socles, le bois, la pierre et le métal ont été distribués par lots et tirés au sort, et de ces matériaux rassemblés pour un temple magnifique, la propriété, ignorante et barbare, a construit des huttes Il s‘agit donc, non seulement de retrouver les plans de l‘édifice, mais de déloger les occupants, lesquels soutiennent que leur cité est superbe, et, au seul mot de restauration, se rangent en batailles sur leurs portes.
Proudhon -“Système des contradictions économiques”, Paris, ed. Riviere, 1923, t.I, p.86-88.
25- Proudhon - “Carnets de P.J.Proudhon”, Paris, Ed. Riviere, t.I, 1960, p.160 (caderno n.º 2, p.73):
“(...) o nó da questão não é político, é económico”.
“(...) le noeud de la question n`est pas politique, il est économique”.
Proudhon - “Carnets de P.J.Proudhon”, Paris, Ed. Riviere, t.I, 1960, p.280 (caderno n.º 3, p.83):
“É preciso que o Povo seja soberano efectivo, imediato, sem representantes nem generais.
- Democratas, se quereis agir eficazmente, transportai o debate da política para o terreno da Economia Política e mudai de princípios. Rousseau está morto”.
“Faut que le Peuple soit souverain effectif, immédiat, sans représentants ni généraux.
- Démocrates, si vous voulez agir efficacement, transporter le débat de la politique sur le terrain de l‘Économie Politique et changer de principes. Rousseau est mort”.
Proudhon - “Carnets de P.J.Proudhon”, Paris, Ed. Riviere, t.II, 1961, p.258 (caderno nº6, p.66):
“Os verdadeiros reformadores hoje, não são mais os Solon, os Numa, os Jesus, os Maomé, os Carlos Magno; são ainda menos os Lutero, os J. J. Rousseau, os Voltaire, - São os Witt, os Arkwright, os Jacquard, os Lavoisier, os H.Davy, os Jouffrois, os Bruneel, os Stefenson. Seria menos com a minha filosofia do comércio e da troca. - Um Cieskowsky, um Corvaïa, um André, poderiam ser como Law, reformadores, se o seu projecto pudesse ser mais prático.
- Caixa económica colectiva???”.
“Les vrais réformateurs, aujourd`hui, ne sont plus des Solon, des Numa, des Jésus, des Mahomet, des Charlemagne; encore moins des Luther, des J.J. Rousseau, des Voltaire, - Ce sont des Witt, des Arkwright, des Jacquard, des Lavoisiers, des H. Davy, des Jouffrois, des Bruneel, des Stefenson. Ce sera moi avec ma philosophie du commerce et de l`échange. - Un Cieskowsky, un Corvaïa, un André, pourraient être comme Law, des réformateur, si leur projet était plus pratique.
- Caisse d‘épargne collective???”.
26- “Si donc je démontre, que l`économie politique, avec toutes ses hypothèses contradictoires et ses conclusions équivoques, n`est rien qu`une organisation du privilège et de la misère, j`aurai prouvé par cela même qu`elle contient implicitement la promesse d`une organisation du travail et de l`égalité, puisque, comme on l`a dit, toute contradiction systématique est l´annonce d`une composition; bien plus, j`aurai posé les bases de cette composition. Donc, enfin, exposer le système des contradictions économiques, c`est jeter les fondements de l`association universelle, dire comment les produits de l`oeuvre collective sont sortis de la société, c`est expliquer comment il sera possible de les y faire rentrer; montrer la genèse des problèmes de production et de répartition, c`est préparer la solution.”.
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed. Rivière, 1923, t.I, p.136.
27- “L`Economie politique, par cela même qu`elle organise la misère, est déjà organisation du travail: elle a une valeur positive, malgré ses antinomies, et précisément par l`ensemble de ses antinomies; et toute théorie qui la nie, est inintelligence, absurde”.
Proudhon - “Carnets de P.J.Proudhon”, Paris, Ed. Riviere, t.I, 1960, p.159 (caderno n.º 2, p.73)
28- Ou sobretudo as teorias económicas não passaram o estado de “caixas de ferramentas”, segundo a expressão consagrada de J. Robinson.
29- Proudhon - “De la Création de l`Ordre dans l`Humanité ou principes d`organisation politique”, Ed. Riviere, Paris, 1927, p.308:
“Repito o meu dilema: ou a Economia política é um escárnio, e aqueles que a ensinam são mentirosos: ou então tem por objecto centralizar as forças industriais, e de disciplinar o mercado”.
“Je répète mon dilemme: ou l`Economie politique est une dérision, et ceux qui l`enseignent sont des menteurs: ou bien elle a pour objet de centraliser les forces industrielles, et de discipliner le marché”.
30- “Agora, quais são os mais ridículos, destes economistas empíricos dos quais o governo e as escolas abundam, e que fazem filantropia etc. - ou utopistas, que refazem o mundo com rota definida? é portanto a estas duas espécies de homens que a sociedade é entregue. -M. Louis Blanc, organizando em meia página a agricultura e a indústria; ou M. Achille Fould alinhando, em verdadeiro banqueiro as colunas do seu orçamento, são da mesma força”.
“Maintenant, quels sont les plus ridicules, de ces économistes empiriques dont le gouvernement et les écoles fourmillent, et qui font de la philanthropie etc. - ou des utopistes, qui refont le monde tout d`une bordée? c`est pourtant à ces deux espèces d`hommes que la société est livrée. - M. Louis Blanc, organisant en une demi-page l`agriculture et l`industrie; ou M. Achille Fould alignant, en vrai banquier les colonnes de son budget, sont de même force”. (Proudhon “Carnets de P.J. Proudhon”, Paris, Ed. Riviere, t.III, 1968, p.338 (caderno n.º 8, p.68))

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