Se a violência da reacção de Marx em relação a Proudhon parece excessiva, pensamos ter contribuído para discernir as causas. Antes de tudo, Marx não tolerava ideias divergentes das suas no que quer que fosse; lembremo-nos, por exemplo, das queixas que foram levadas a formular as suas “vítimas”, de A: Ruge “(...) Marx é impelido a todos os excessos; insulta-me em todo o lado com todos os termos, e vem de imprimir sem escrúpulos o seu ódio (...) incomoda-me taxando-me de “livreiro” e de “burguês”. Eis-nos chegados à inimizade mais mortal, sem que pelo meu lado possa encontrar-lhe outras explicações que o ódio e a demência do meu adversário.”) (36) a K. Schuz (“Se alguém o contradissesse, tratava-o com um desprezo que dissimulava com dificuldade. Recordo-me ainda do tom de vómito com o qual pronunciava a palavra burguês; era de burguês que tratava toda a gente que se permitia contradizê-lo.”) (37) Marx não foi portanto particularmente severo a respeito de Proudhon, a sua natureza era feita deste modo, teve sempre a mesma reacção face a toda a opinião afastando-a da sua como lhe fosse possível.
A resposta de Marx foi singular, no presente caso, devido à impulsão principal e à influência constante que Proudhon exerce sobre o jovem Marx. Este não irá tolerar certamente, após o ter tanto admirado na “Gazeta Renana” e defendido n`“A Sagrada Família” (38), a afronta de Proudhon, residindo no triplo facto de divergir das suas proposições ideológicas, de lhe recusar o seu apoio incondicional (tanto no seio da junta de correspon-dência, que na eliminação de Grün) e de utilizar as mesmas armas económicas que ele, mas antes dele, na elaboração do seu socialismo.
Politicamente, enfim, devia combater aquele que tinha durante estes últimos anos apresentado como exemplo, como “proletário elevado à consciência de si-mesmo”. O dilaceramento sentimental e a contradição ideológica tomam então igualmente a forma dum combate político, estratégico, em que a finalidade era impor os seus pontos de vista ao conjunto do mundo operário, colocar-se como o mestre do pensar universal acerca do proletariado. O afrontamento de Marx para com Proudhon, se não era desapaixonado, não era, também, inocente. Sentia que lhe fazia “matar o pai”; e tanto mais que Proudhon desempenhava este “papel” não somente com Marx, mas também para com a maior parte dos socialistas franceses e dos refugiados alemãs. Não podemos certamente afirmar como E.Dolléans, que este antagonismo buscava menos “ um conflito de ideias do que uma oposição de raça e de temperamento” (39). Isso seria com efeito ocultar a sobredeterminação política de todas as acções de Marx.(40) Os ataques em panfletos, os libelos, as calúnias constituíram assim o método marxista de consolidação da sua influência pessoal durante toda a sua vida.(41) Deste modo, a partir de 1844, Marx, ao reencontrar Engels, passou do socialismo filosófico para o materialismo económico, e ao socialismo científico (para retomar a expressão de Proudhon que conheceu, pela sua apropriação por Engels, um maior sucesso), e deste modo, desligou-se dos seus antigos mestres e amigos (Hegel, Bauer, Feuerbach, Grün, Weitling, Hess,...). Estas rupturas não se fizeram sem o espírito táctico do estratega político que formava a dupla Marx-Engels. As críticas estendiam-se de “A Sagrada Família” (Crítica de Bruno Bauer e consortes) à “Miséria da Filosofia” passando pela “A Ideologia Alemã” (Crítica da Filosofia alemã mais recente na pessoa dos seus representantes Feuerbach, Bruno Baeur e Stirner, e do socialismo alemão na dos seus diferentes profetas). A crítica parecia ser, em Marx, o modo privilegiado de procura da sua identidade, da originalidade da sua “crítica” social (42), e, ao mesmo tempo, o seu principal divertimento. (43)
NOTAS
36- “(...) Marx est porté à tous les excès; il m`insulte partout dans tous les termes, et viens de faire imprimer sans scrupules sa haine (...) il me harcèle en me taxant de “libraire” et de “bourgeois”. Nous voilà donc arrivés à l`inimitié la plus mortelle, sans que pour ma part je puisse lui trouver d`autres explications que la haine et la démence de mon adversaire.”
A. Ruge - “Lettre à Fröbel” citado por F. Daddatz, “Karl Marx, uma biografia política”, Paris, Fayard, 1978, p.61.
37- “Si quelqu`un le contredisait, il le traitait avec un mépris qu`il dissimulait à peine. Je me souviens encore du ton de vomissement avec lequel il prononçait le mot bourgeois; c`était de bourgeois qu`il traitait toute personne qui se permettait de le contredire.”
K.Schuz - citado por D.Halévy em “La jeunesse de Proudhon”, Paris, ed. Stock, 1948.
38- Relembremos o facto que cerca de 60 páginas são consagradas a Proudhon neste livro (trad. Costes - Molitor, t.II, pp. 37-94).
39- “à un conflit d`idées qu`à une opposition de race et de tempérament”
E.Dolleans - “La rencontre de Proudhon et de Marx, 1843-1847”, Paris, Revue d`Histoire moderne, 1936, p.9.
40- B.Voyenne - “Proudhon et Marx: Quel socialisme”, Paris, Revue: Itineraire, 1990, p.23:
“Logo que em 1870 estala a guerra franco-alemã por motivos ganhos e perdas nos quais a revolução não tinha evidentemente nada a ver- eis com efeito qual é a reacção íntima de Marx, expressa numa carta ao seu confidente permanente: “Os franceses têm necessidade de serem sovados. Se os Prussianos forem vitoriosos, a centralização do poder de Estado será útil à centralização da classe operária alemã. A preponderância alemã, além disso, transportará o centro do movimento europeu de França para a Alemanha (...). A preponderância sobre o teatro do mundo do proletariado alemão sobre o proletariado francês seria ao mesmo tempo a preponderância da nossa teoria sobre a de Proudhon” (Carta à Engels, tomo IV, p. 339)”.
“Lorsqu`en 1870 éclate la guerre franco-allemande -pour des motifs et des enjeux dans lesquesls la révolution n`avait évidemment rien à voir- voilà en effet quelle est la réaction intime de Marx, exprimée dans une lettre à son confident permanent: “Les français ont besoin d`être rossés. Si les Prussiens sont victorieux, la centralisation du pouvoir de l`Etat sera utile à la centralisation de la classe ouvrière allemande. La prépondérance allemande, en outre, transportera le centre du mouvement européen de France en Allemagne (...). La prépondérance sur le théâtre du monde du prolétariat allemand sur le prolétariat français serait en même temps la prépondérance de notre théorie sur celle de Proudhon”
41- É deste modo que Marx e Engels acusarão os seus adversários de ser pequeno burgueses reaccionários ou farão correr diversos ruídos, em breve pelo rumor (Engels anunciará aos parisienses (em 1846) que Moses Hess era sifilítico) ou então através dos seus jornais:
“No que respeita a propaganda eslava, asseguraram-nos ontem que George Sand está em poder de papéis e de documentos que comprometem gravemente M.Bakunine, o russo proscrito de França, e estabelecem que ele é um instrumento da Rússia ou um agente recentemente entrado ao seu serviço, e que é necessário torná-lo responsável em grande parte da prisão dos infelizes polacos.” “Neue Rheinische Zeitung”, 6 de Julho de 1848, citado em: A.Lehning “Michel Bakounine et les autres”, Union Generale D`Éditions, 1976, p.134.
“En ce qui touche la propagande slave, on nous a assuré hier que George Sand est en possession de papiers et de documents qui compromettent gravement M. Bakounine, le russe proscrit de France, et établissent qu`il est un instrument de la Russie ou en agent nouvellement entré à son service, et qu`il faut le rendre responsable en grande partie de l`arrestation des malheureux polonais.”
42- J.Y.Calvez - “La pensée de Karl Marx”, Paris, Ed. du Seuil, 1970, p.22:
“Pouco a pouco esta crítica precisa-se. Ela exerce-se sobre objectos novos. Ela despoja o subjectivismo idealista que a inspirava primeiramente. Mas não fez mais que ser mais radical”.
“Peu à peu cette critique se précise. Elle s`exerce sur des objets nouveaux. Elle dépouille le subjectivisme idéaliste qui l`inspirait d`abord. Mais elle ne s`en fait que plus radicale.”
43- F.Engels- “Carta a Marx de 19 de Novembro de 1844”:
“Entretanto, irei escrever de boa vontade alguns folhetos, em particular contra List (...)”
“Entre-temps, j`écrirais volontiers quelques brochures, en particulier contre List (...)”
A resposta de Marx foi singular, no presente caso, devido à impulsão principal e à influência constante que Proudhon exerce sobre o jovem Marx. Este não irá tolerar certamente, após o ter tanto admirado na “Gazeta Renana” e defendido n`“A Sagrada Família” (38), a afronta de Proudhon, residindo no triplo facto de divergir das suas proposições ideológicas, de lhe recusar o seu apoio incondicional (tanto no seio da junta de correspon-dência, que na eliminação de Grün) e de utilizar as mesmas armas económicas que ele, mas antes dele, na elaboração do seu socialismo.
Politicamente, enfim, devia combater aquele que tinha durante estes últimos anos apresentado como exemplo, como “proletário elevado à consciência de si-mesmo”. O dilaceramento sentimental e a contradição ideológica tomam então igualmente a forma dum combate político, estratégico, em que a finalidade era impor os seus pontos de vista ao conjunto do mundo operário, colocar-se como o mestre do pensar universal acerca do proletariado. O afrontamento de Marx para com Proudhon, se não era desapaixonado, não era, também, inocente. Sentia que lhe fazia “matar o pai”; e tanto mais que Proudhon desempenhava este “papel” não somente com Marx, mas também para com a maior parte dos socialistas franceses e dos refugiados alemãs. Não podemos certamente afirmar como E.Dolléans, que este antagonismo buscava menos “ um conflito de ideias do que uma oposição de raça e de temperamento” (39). Isso seria com efeito ocultar a sobredeterminação política de todas as acções de Marx.(40) Os ataques em panfletos, os libelos, as calúnias constituíram assim o método marxista de consolidação da sua influência pessoal durante toda a sua vida.(41) Deste modo, a partir de 1844, Marx, ao reencontrar Engels, passou do socialismo filosófico para o materialismo económico, e ao socialismo científico (para retomar a expressão de Proudhon que conheceu, pela sua apropriação por Engels, um maior sucesso), e deste modo, desligou-se dos seus antigos mestres e amigos (Hegel, Bauer, Feuerbach, Grün, Weitling, Hess,...). Estas rupturas não se fizeram sem o espírito táctico do estratega político que formava a dupla Marx-Engels. As críticas estendiam-se de “A Sagrada Família” (Crítica de Bruno Bauer e consortes) à “Miséria da Filosofia” passando pela “A Ideologia Alemã” (Crítica da Filosofia alemã mais recente na pessoa dos seus representantes Feuerbach, Bruno Baeur e Stirner, e do socialismo alemão na dos seus diferentes profetas). A crítica parecia ser, em Marx, o modo privilegiado de procura da sua identidade, da originalidade da sua “crítica” social (42), e, ao mesmo tempo, o seu principal divertimento. (43)
NOTAS
36- “(...) Marx est porté à tous les excès; il m`insulte partout dans tous les termes, et viens de faire imprimer sans scrupules sa haine (...) il me harcèle en me taxant de “libraire” et de “bourgeois”. Nous voilà donc arrivés à l`inimitié la plus mortelle, sans que pour ma part je puisse lui trouver d`autres explications que la haine et la démence de mon adversaire.”
A. Ruge - “Lettre à Fröbel” citado por F. Daddatz, “Karl Marx, uma biografia política”, Paris, Fayard, 1978, p.61.
37- “Si quelqu`un le contredisait, il le traitait avec un mépris qu`il dissimulait à peine. Je me souviens encore du ton de vomissement avec lequel il prononçait le mot bourgeois; c`était de bourgeois qu`il traitait toute personne qui se permettait de le contredire.”
K.Schuz - citado por D.Halévy em “La jeunesse de Proudhon”, Paris, ed. Stock, 1948.
38- Relembremos o facto que cerca de 60 páginas são consagradas a Proudhon neste livro (trad. Costes - Molitor, t.II, pp. 37-94).
39- “à un conflit d`idées qu`à une opposition de race et de tempérament”
E.Dolleans - “La rencontre de Proudhon et de Marx, 1843-1847”, Paris, Revue d`Histoire moderne, 1936, p.9.
40- B.Voyenne - “Proudhon et Marx: Quel socialisme”, Paris, Revue: Itineraire, 1990, p.23:
“Logo que em 1870 estala a guerra franco-alemã por motivos ganhos e perdas nos quais a revolução não tinha evidentemente nada a ver- eis com efeito qual é a reacção íntima de Marx, expressa numa carta ao seu confidente permanente: “Os franceses têm necessidade de serem sovados. Se os Prussianos forem vitoriosos, a centralização do poder de Estado será útil à centralização da classe operária alemã. A preponderância alemã, além disso, transportará o centro do movimento europeu de França para a Alemanha (...). A preponderância sobre o teatro do mundo do proletariado alemão sobre o proletariado francês seria ao mesmo tempo a preponderância da nossa teoria sobre a de Proudhon” (Carta à Engels, tomo IV, p. 339)”.
“Lorsqu`en 1870 éclate la guerre franco-allemande -pour des motifs et des enjeux dans lesquesls la révolution n`avait évidemment rien à voir- voilà en effet quelle est la réaction intime de Marx, exprimée dans une lettre à son confident permanent: “Les français ont besoin d`être rossés. Si les Prussiens sont victorieux, la centralisation du pouvoir de l`Etat sera utile à la centralisation de la classe ouvrière allemande. La prépondérance allemande, en outre, transportera le centre du mouvement européen de France en Allemagne (...). La prépondérance sur le théâtre du monde du prolétariat allemand sur le prolétariat français serait en même temps la prépondérance de notre théorie sur celle de Proudhon”
41- É deste modo que Marx e Engels acusarão os seus adversários de ser pequeno burgueses reaccionários ou farão correr diversos ruídos, em breve pelo rumor (Engels anunciará aos parisienses (em 1846) que Moses Hess era sifilítico) ou então através dos seus jornais:
“No que respeita a propaganda eslava, asseguraram-nos ontem que George Sand está em poder de papéis e de documentos que comprometem gravemente M.Bakunine, o russo proscrito de França, e estabelecem que ele é um instrumento da Rússia ou um agente recentemente entrado ao seu serviço, e que é necessário torná-lo responsável em grande parte da prisão dos infelizes polacos.” “Neue Rheinische Zeitung”, 6 de Julho de 1848, citado em: A.Lehning “Michel Bakounine et les autres”, Union Generale D`Éditions, 1976, p.134.
“En ce qui touche la propagande slave, on nous a assuré hier que George Sand est en possession de papiers et de documents qui compromettent gravement M. Bakounine, le russe proscrit de France, et établissent qu`il est un instrument de la Russie ou en agent nouvellement entré à son service, et qu`il faut le rendre responsable en grande partie de l`arrestation des malheureux polonais.”
42- J.Y.Calvez - “La pensée de Karl Marx”, Paris, Ed. du Seuil, 1970, p.22:
“Pouco a pouco esta crítica precisa-se. Ela exerce-se sobre objectos novos. Ela despoja o subjectivismo idealista que a inspirava primeiramente. Mas não fez mais que ser mais radical”.
“Peu à peu cette critique se précise. Elle s`exerce sur des objets nouveaux. Elle dépouille le subjectivisme idéaliste qui l`inspirait d`abord. Mais elle ne s`en fait que plus radicale.”
43- F.Engels- “Carta a Marx de 19 de Novembro de 1844”:
“Entretanto, irei escrever de boa vontade alguns folhetos, em particular contra List (...)”
“Entre-temps, j`écrirais volontiers quelques brochures, en particulier contre List (...)”
Sem comentários:
Enviar um comentário