quarta-feira, novembro 23, 2005

O ANTI-COMUNISMO DE PROUDHON

As criticas que Proudhon envia ao comunismo são de duas ordens. Antes de tudo, encontram-se aquelas, as mais numerosas, que têm como alvo as doutrinas que lhe foram dadas a estudar, a seguir aquelas relativas ao próprio princípio de comunidade de bens e às suas implicações.
O comunismo neste princípio do século XIX é composto por uma miríade de doutrinas que professam a vinda de micro sociedades estáticas (44) idealmente regidas por uma organização igualitária e autoritária.(45)
Proudhon tomando, segundo os seus termos, a elaboração dum “socialismo científico” (46), não podia dar créditos a estas fantasias quase religiosas, cujo fim residia na construção ideal dum novo Eden, dum paraíso na terra, e isto, sem se ligar ao que são as leis objectivas da sociedade, sem ver o “vínculo dialéctico que existe entre a prática económica do grupo e as ideias e valores que segrega a partir da sua actividade económica”(47):
“O erro do socialismo foi até agora perpetuar o devaneio religioso lançando-se num futuro fantástico em lugar de compreender a realidade que o esmaga.” (48)
Para atenuar esta insuficiência teórica, o único recurso dos “socialistas utópicos” era apelar ao Homem, à moral, à religião e enfim ao autoritarismo (49). Se Proudhon só pode sentir-se solidário da sua condenação moral da sociedade, não pode, pelo contrário, desculpar nem o seu humanismo místico, nem a sua falência científica:
“Para mim, desgosta-me dizê-lo, pois sinto que uma tal declaração separa-me da parte mais inteligente do socialismo, é-me impossível, por mais que pense, subscrever esta deificação da nossa espécie, que é no fundo, nos novos ateus, um último eco dos terrenos religiosos; que sob o nome de humanismo reabilitando e consagrando o misticismo, restabelece na ciência o preconceito, na moral o hábito, na economia social a comunidade, quer dizer, a atonia e a miséria...” (50)
Humanismo negador de espontaneidade social, de fantasia, de arte, de vida...; não se vê, com efeito, porque é que “ em Ícaro existiria mais que um homem, mais que um casal, o bom homem Cabet e a sua mulher.” (51)
O comunismo passando das coisas para as pessoas (52), é necessário que o Homem se conforme à Ideia:
“A revolução social, não é concebida pelo Sr. Cabet como efeito possível do desenvolvimento das instituições e do concurso das inteligências... É preciso um HOMEM. Após ter suprimido todas as vontades individuais, concentra-as numa individualidade suprema, que exprime o pensar colectivo, e como o motor imóvel de Aristóteles, dá o impulso a todas as actividades subalternas. Assim, somente pelo desenvolvimento da Ideia, somos invencivelmente levados a concluir que o ideal da comunidade é o absolutismo. (53)
O comunismo, tal como existia na época, no que respeita à projecção dum ideal estático baseado sobre uma ontologia redutora, pode só dar lugar à ditadura e à miséria. (54) O que aparece por conseguinte além do humanismo ou da religiosidade dos comunistas, é a reabilitação mesma dos desvios e das contradições do regime capitalista através do monopólio de Estado (55).
Proudhon, vemo-lo, argumenta então uma crítica ultrapassando o quadro dos “socialistas utópicos” para analisar o próprio princípio do comunismo. O comunismo, querendo-se negação da propriedade, não resolve nenhuma contradição do capitalismo, não é mais que “negação da negação” (para retomar Hegel): “o não ser, dizia um filósofo (56), é o ser que se objectiva, que se opõe a ele mesmo e que se toma por outro; o sujeito e o objecto são idênticos, A igual a A”. (57)
O que significa que o Estado, se procura gerar o mercado para eliminar as imperfeições e os antagonismos, encontrar-se-à confrontado, e isto, mais violentamente ainda às mesmas contradições. É assim que o comunismo, aparecendo para fazer contratempo à propriedade, reproduz, “mas sobre um plano inverso, todas as contradições da economia política. O seu segredo consiste em substituir o homem colectivo ao indivíduo em cada uma das funções sociais, produção, troca, consumo, educação, família. E como esta nova evolução não concilia e não muda nunca nada, termina fatalmente de facto como as precedentes, em iniquidade e em miséria.
Assim o destino do socialismo é de todo negativo: a utopia comunista, saída dos fundamentos económicos do Estado, é a contraprova da rotina egoísta e proprietária!” (58)
Proudhon, bem longe de se livrar a uma simples anatema-tização dos socialistas do seu tempo, elabora assim uma verdadeira crítica filosófica do próprio princípio de Comunidade desenvolvendo as contradições políticas mas também, e sobretudo, económicas que ele esconde, e daí, as ameaças que implica para as liberdades individuais, políticas e económicas (59). Destruir o mercado não é destruir a propriedade, negar as leis económicas não é domesticá-las.
“Qualquer que seja a abundância dos valores criados e a proporção na qual mudam, para que mudemos os nossos produtos, é preciso se vós sois questionador que o meu produto vos convenha, e se sois oferente que aceite o vosso. Pois ninguém tem o direito de impor a outrem a sua própria mercadoria: o único juiz da utilidade ou, o que vem a dar no mesmo, da necessidade é o comprador. Por conseguinte, no primeiro caso, sois árbitro da conveniência; no segundo, sou eu. Suprime-se a liberdade recíproca, e a troca não é mais o exercício da solidariedade industrial: é uma espoliação. O comunismo, podemos dizê-lo, nunca triunfará desta dificuldade.
Mas, com a liberdade, a produção permanece necessaria-mente indeterminada, quer em quantidade, quer em qualidade; de modo que do ponto de vista do progresso económico, como ao da conveniência dos consumidores, a avaliação permanece eternamente arbitrária, e sempre o preço das mercadorias flutuará. Suponhamos por um momento que todos os produtores vendem a preço fixo: haverá quem produza melhor mercado ou produzindo melhor, ganharão muito, enquanto que os outros não ganharão nada. De qualquer maneira o equilíbrio está quebrado.
Queremos a fim de parar até à estagnação do comércio, limitar a produção ao justo e necessário? É violar a liberdade: pois, em suprimindo a faculdade de escolher, condenam-me a pagar um máximo; destrói-se a concorrência, única garantia do bom mercado, e provoca-se o contrabando. Assim, para impedir o arbitrário comercial, lançais-vos no arbitrário administrativo; para criar a igualdade, destruís a liberdade: o que é a negação da própria liberdade. - Juntareis os produtores numa única oficina, suponho que possuis este segredo? Isso não é ainda suficiente: será necessário agrupar os consumidores numa direcção comum: mas então descuramos a questão. Não se trata de abolir a ideia de valor, que é tão impossível de abolir como a ideia de trabalho, mas de a socializar.
Ora, está provado que é o livre arbítrio do homem que dá lugar à oposição entre o valor útil e o valor em mudança: como resolver esta oposição, de tal modo que subsistirá o livre arbítrio? E como sacrificar este, sem sacrificar o homem?” (60)
O comunismo é, no limite, consagrado, por Proudhon, a governar, tanto politicamente como economicamente, duma maneira absoluta; quer dizer gerir uma nação povoada por milhões de homens a quem roubaram a possessão deles próprios da mesma maneira que se gere a economia: como uma imensa contabilidade exante internável por natureza. (61) Confrontados com esta imensa máquina, esta burocracia prodigiosa com as suas legiões de funcionários, tende-se invariavelmente para o totalitarismo: “ditadura da indústria, ditadura do comércio, ditadura do pensamento, ditadura na vida social e na vida privada, ditadura em todo o lado.” (62)
Proudhon fixa-se assim com o fim de conceber uma sociedade fora da propriedade como da comunidade. A comunidade sistemática, “negação reflectida da propriedade”, é na sua concepção, uma construção na qual a influência directa do “preconceito de propriedade” é omnipresente. Só a comunidade primitiva, poderia pretender ser isenta; mas tendo-se desenvolvido a sua antítese, a concepção comunitária não pode erguer-se a não ser duma utopia reaccionária dobrada duma ilusão económica consistindo em acreditar que o comunismo resolve as contradições proprietárias precisamente onde as generaliza e as amplifica. O comunismo não é portanto uma síntese, mas a tese da qual a antítese é a propriedade; Sejam quais forem as manipulações que elas sofram, nenhum destes termos poderá erigir-se em síntese, conterão sempre em germe, nos seus próprios fundamentos, as razões da sua falência.


NOTAS


44- E.Dolleans - “Le caractère religieux du socialisme”, Paris, revue d`économie politique, 1906.
45- O Ícaro de Cabet, a Utopia de Leroux, o Falanstério de Fourier...
46- Proudhon - “Qu`est-ce que la propriété”. Problemática que percorre todo o livro...
47- “lien dialectique qui existe entre la pratique économique du groupe et les idées et valeurs qu`il secrète, à partir se son activité économique”
J.Langlois - “Défense et actualité de Proudhon”, Paris, Payot, 1976, p.60.
48- “L`erreur du socialisme a été jusqu`ici de perpétuer la rêverie religieuse en se lançant dans un avenir fantastique au lieu de saisir la réalité qui l`écrase.”
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed.Riviere, t.II, p.291.
49- O papel jogado pelo sentimento, a afectividade (Fourier); a fraternidade, o trabalho atraente (Cabet); a moral e a autoridade (Leroux), o amor e a hierarquia neo-clarical (Enfantin)...
Fourier tem todavia um lugar à parte neste panorama das “vítimas” de Proudhon, pois se ele o atacou muito, foi, no entanto, bastante marcado pela sua obra. ( J.P.Thomas - “Proudhon, lecteur de Fourier”, Paris, Travaux de l`atelier Proudhon, E.H.E.S.S.)
50- “Pour moi, je regrette de le dire, car je sens qu`une telle déclaration me sépare de la partie la plus intelligente du socialisme, il m`est impossible, plus j`y pense, de souscrire à cette déification de notre espèce, qui n`est au fond, chez les nouveaux athées, qu`un dernier écho des terreurs religieuses; qui sous le nom d`humanisme réhabilitant et consacrant le mysticisme, ramène dans la science le préjugé, dans la morale l`habitude, dans l`économie sociale la communauté, c`est-à-dire l`atonie et la misère...”
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed.Riviere, t.II, p.174.
51- “en Icarie il existerait plus d`un homme, plus d`un couple, le bonhomme Cabet et sa femme.”
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed.Riviere. 1923, t.II, p.300.
52- J.Bancal - “Proudhon, pluralisme et autogestion”,Paris, Aubier-montaigne, 1970, t.I, p.166.
53- “La révolution sociale, M.Cabet ne la conçoit pas comme effet possible du développement des institutions et du concours des intelligences... Il lui faut un HOMME. Après avoir supprimé toutes les volontés individuelles, il les concentre dans une individualité suprême, qui exprime la pensée collective, et, comme le moteur immobile d`Aristote, donne l`essor à toutes les activités subalternes. Ainsi, par le seul développement de l`Idée, l`on est invinciblement amené à conclure que l`idéal de la communauté est l`absolutisme.”
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed.Riviere, 1923, t.II, p.301.
54- Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed.Riviere, 1923, t.II, p.301: “O comunismo, empréstimo infeliz feito à rotina proprietária, é o desgosto do trabalho, o aborrecimento da vida, a supressão do pensamento, a morte do eu, a afirmação do nada. O comunismo, na ciência como na natureza é sinónimo de niilismo, de indivisão, de imobilidade, de noite, de silêncio...”
“Le communisme, emprunt malheureux fait à la routine propriétaire, est le dégoût du travail, l`ennui de la vie, la supression de la pensée, la mort du moi, l`affirmation du néant. Le communisme, dans la science comme dans la nature est synonyme de nihilisme, d`indivision, d´immobilité, de nuit, de silence...”
55- Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed.Riviere, 1923, t.II, p.300:
“Com efeito, tudo pertence à comunidade, ninguém tem nada seu, a impressão dum livro não autorizado é impossível. Por outro lado que podemos dizer? Toda ideia revoltosa se encontra presa na sua origem, e não temos nunca delitos de emprensa: é o ideal da polícia preventiva. Assim o comunismo é conduzido pela lógica da intolerância das ideias. Mas, misericórdia! A intolerância das ideias é como a intolerância das pessoas: é a exclusão, é a propriedade!...”
“En effet, tout appartient à la communauté, personne n`ayant rien en propre, l`impression d`un livre non autorisé est impossible. D`ailleurs qu`aurait-on à dire? Toute idée factieuse se trouve arrêtée dans sa source, et nous n`avons jamais de délits de presse: c`est l`idéal de la police préventive. Ainsi le communisme est conduit par la logique à l`intolérance des idées. Mais, miséricorde! l`intolérance des idées est comme l`intolérance des personnes: c`est l`exclusion, c`est la propriété!...”
56- Trata-se de Fichte.
57- “le non-moi, disait un philosophe, est le moi qui s`objective, qui s`oppose à lui-même et qui prend pour autre; le sujet et l`objet sont identiques, A égal A”.
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed.Riviere, 1923, t.III, p.288.
58- “mais sur un plan inverse, toutes les contradictions de l`économie politique. Son secret consiste à substituer l`homme collectif à l`individu dans chacune des fonctions sociales, production, échange, consommation, éducation, famille. Et comme cette nouvelle évolution ne concilie et ne résout toujours rien, elle aboutit fatalement aussi bien que les précédentes, à l`iniquité et à la misère.
Ainsi la destinée du socialisme est toute negative: l‘utopie communiste, sortie de la donnée économique de l‘État, est la contreéprouve de la routine égoiste et propriétaire!”
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed.Riviere, 1923, t.II, p.259.
59- Proudhon - “De la capacité politique des classes ouvrières”, Paris, Ed.Riviere, pp.113-115:
“O sistema político (...) pode definir-se: uma democracia compacta fundada em aparência sobre a ditadura das massas, mas onde as massas só têm poder para assegurar a servidão universal”.
“Le système politique (...) peut se définir: une démocratie compacte fondée en apparence sur la dictature des masses, mais où les masses n`ont de pouvoir que ce qu`il faut pour assurer la servitude universelle.”
60- “Quelle que soit l`abondance des valeurs crées et la proportion dans laquelle elles s`échangent, pour que nous échangions nos produits, il faut si vous êtes demandeur, que mon produit vous convienne, et si vous êtes offrant, que j`agrée le votre. Car nul n`a le droit d`imposer à autrui sa propre marchandise: le seul juge de l`utilité, ou, ce qui, revient au même, du besoin, est l`acheteur. Donc, dans le premier cas, vous êtes arbitre de la convenance; dans le second, c`est moi. Otez la liberté réciproque, et l`échange n`est plus l`exercice de la solidarité industrielle: c`est une spoliation. Le communisme, pour le dire en passant, ne triomphera jamais de cette difficulté.
Mais, avec la liberté, la production reste nécessairement indéterminée, soit en quantité, soit en qualité; si bien qu‘au point de vue du progrès économique, comme à celui de la convenance des consommateurs, l‘estimation demeure éternellement arbitraire, et toujours le prix des marchandises flottera. Supposons pour un moment que tous les producteurs vendent à prix fixe: il y en aura qui, produisant meilleur marché ou produisant mieux, gagneront beaucoup, pendant que les autres ne gagneront rien. De toute manière l‘équilibre est rompu.
Veut-on, afin de parer à la stagnation du commerce, limiter la production au juste nécessaire? C‘est violer la liberté: car, en m‘ôtant la faculté de choisir, vous me condamnez à payer un maximum; vous détruissez la concurrence, seule garantie du bon marché, et provoquez à la contrebande. Ainsi, pour empêcher l‘arbitraire commercial, vous vous jetterez dans l‘arbitraire administratif; pour créer l‘égalité, vous détruisez la liberté: ce qui est la négation de l‘égalité même. - Grouperez vous les producteurs en un atelier unique, je suppose que vous possédiez ce secret? Cela ne suffit point encore: il vous faudra aussi grouper les consommateurs en un ménage commun: mais alors vous désertez la question. Il ne s‘agit pas dàbolir l‘idée de valeur, ce qui est aussi impossible que d‘abolir l‘idée de travail, mais de la socialiser. Or, il est prouvé que c‘est le libre arbitre de l‘homme qui donne lieu à l‘opposition entre la valeur utile et la valeur en échange: comment résoudre cette opposition, tant que subsistera le libre arbitre? Et comment sacrifier celui-ci, à moins de sacrifier l‘homme?”
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed.Riviere, 1923, t.I, pp.96-97.
61- Proudhon - “De la Création de l`Ordre dans l`Humanité ou principes d`organisation politique”, Ed.Riviere, Paris, 1927, p.347:
“Aí sobretudo é a fraqueza da comunidade: a comunidade abolindo o salário por ódio da opressão industrial do qual é hoje o instrumento, suprime com o mesmo golpe a responsabili-dade do operário, a liberdade das pessoas, e aniquila a justiça distributiva. A comunidade esperando dedicação e abnegação o que deve resultar naturalmente da necessidade do trabalho, quero dizer, o zelo e a actividade, será forçada cedo a empregar a chibata para os indolentes, e a prisão para aqueles que a iniquidade dum tal regime reconduziria à propriedade e ao isolamento.”
“Là surtout est le faible de la communauté: la communauté abolissant le salaire en haine de l`opression industrielle dont il est aujourd`hui l`instrument, supprime du même coup la responsabilité de l`ouvrier, la liberté des personnes, et anéantit la justice distributive. La communauté attendant du dévouement et de l`abnégation ce qui doit résulter naturellement de la nécessité du travail, je veux dire le zèle et l`activité, serait bientôt forcée d`employer les verges pour les lâches, et la prison pour ceux que l`iniquité d`un pareil régime ramènerait à la propriété et à l`isolement.”
62- “dictature de l`industrie, dictature du commerce, dictature de la pensée, dictature dans la vie sociale et la vie privée, dictature partout.”
Proudhon - “Système des contradictions économiques”, Paris, Ed.Riviere, 1923, t.II, p.301.

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