"La notion d'intencionalité est au centre de la pensée hussurlienne. Tant de textes nous l'assurent, tant de commentateurs le répètent qu'on risque de la considérer comme um point de départ facile et évident, quand il s'agit là plutôt d'une doctrine qui ne peut ètre soutenue que dans le cadre d'une théorie complète touchant les rapports de la conscience et du réel (...)".
De Walheus - "L'idée Phénoménologique d'intentionalité" in Husserl et la pensée moderne, pág. 115 - (sublinhados meus) Colloque International de Phénoménologie II, Krefeld, La Haye, 1959.
"La proposition célèbre que "toute conscience est conscience de quelque chose" ou encore, que l'intentionalité caractérise essentiellement la conscience - résume la Théorie husserlienne de la vie spirituelle: toute perception est perception d'un perçu tout jugement, jugement d'un état de choses jugé, tout désir, désir d'un désiré. Ce n'est pas une corrélation de mots, mais une description de phénomènes. A tous les niveaux de la vie spirituelle - que ce soit au stade de la sensation ou de la pensée mathématique - la pensée est visée et intention".
"Le pensé est idéalement présent dans la pensée. Cette manière pour la pensée de contenir idéalement autre chose qu'elle - constitue l'intentionalité. Ce n'ést pas le fait qu'un objet extérieur entre en relation avec la conscience ni que dans la conscience même un rapport s'établit entre deux contenues psychiques - emboîtés l'un dans l'autre. Le rapport de l'intentionalité n'a rien des rapports entre objets réels. Il est essentiellement l'acte de prêter un sens (la Sinngebung). L'extérioté de l'objet représente l'extériorité même de ce qui est pensé par rapport à la pensée qui le vise. L'objet constitue ainsi un moment inéluctable du phénomène même du sens".
Lévinas - En découvrant l'existence avec Husserl et Heidegger, Librairie Philosophique J. Vrin, Paris, 1967, págs. 21-22. (sublinhados meus).
Ainsi, tout état de conscience en général est, en lui-même, conscience de quelque chose, quoi qu'il en soit de l'existence réelle de ce objet et quelque abstention que se fasse, dans l'attitude transcendentale qui est mienne, de la position de, cette existence et de tous les actes de l'attitude naturelle".
"Le mot intentionalité ne signifie rien d'autre que cette particularité foncière et générale qu'a la conscience d'être conscience de quelque chose, de porter, en sa qualité de cogito, son cogitatum en elle-même".
Husserl, Edmund - Meditations Cartésiennes, Librairie Philosophique J. Vrin, Paris, 1947, pág. 28. (sublinhados meus).
"... a intencionalidade husserliana não é apenas uma propriedade do acto ou vivência, como em Brentano que não fala ainda de "consciência intencional". Segundo Husserl, a intencionalidade vivifica a vivência, tornando-a designativa do objecto, em virtude dum processo mais radical, inerente à própria consciência. Não se trata duma mera característica possuída pelo acto, em virtude do qual esta adquire um carácter referencial".
"A intencionalidade husserliana é portanto como um raio luminoso projectado entre dois polos imanentes, - "eu" e "objecto". Esta irradiação, proveniente do "eu", encontra porém um substrato que há-de ser a explicação da diversidade dos objectos de que tenho consciêcia".
FRAGATA, Júlio - A Fenomenologia de Husserl como fundamento da Filosofia, Livraria Cruz, Braga, 1983, págs. 131-132. (sublinhados meus).
Breve introdução ao conceito de intencionalidade
Por aquilo que conhecemos da obra de Husserl e segundo as opiniões dos mais competentes comentadores do mesmo, podemos seguramente afirmar duas teses. Primeira, que o conceito de intencionalidade de que trata este trabalho é dos conceitos mais importantes dentro da fenomenologia husserliana. Segunda, que o conceito de intencionalidade influenciou os discípulos de Husserl tais como Sartre e Merleau-Ponty levando outros comentadores a afirmar que o conceito de intencionalidade foi totalmente deturpado por eles e que o que eles defenderam não é a intencionalidade em Husserl, mas o seu próprio conceito de intencionalidade. Vejamos um só exemplo para não nos alongarmos demasiado. Na tese de Doutoramento em Filosofia, da Prof. Maria Manuela Saraiva podemos ler o seguinte em relação a esta questão: "Par ailleurs, il présente souvent une version personelle de Husserl, que les esprits non prévenus ont tendence à prendre pour une exegèse valable. L'exemple le plus typique est le petit article que Sartre a publié en 1939 dans la Nouvelle revue Française et repris plus tard dans Situations I, une idée fondamentalle de la phénoménologie de Husserl: l'intentionnalité. En fait, il y dévellope plutôt son idée à lui de l'intentionnalité - mais jusqu'à nos jours aucune étude n'a ilucidé de manière exhaustive les rapports entre HUSSERL et SARTRE. Si Merleau-Ponty, continuateur du dernier Husserl, est généralement plus objectif que l'auteur de L'être et le néant, il n'en est pas moins responsable d'avoir dans une certaine mesure, "deformé" la pensée husserlienne".(1) Tudo isto só apoia a nossa tese de que o conceito de intencionalidade é um conceito muito rico e não é um conceito fácil de tratar. É nossa intenção seguir o máximo que pudermos a V Investigação das Investigações Lógicas e como achega a II Meditação das Meditações Cartesianas.
A consciência como vivência intencional da intencionalidade
O conceito de intencionalidade está intimamente ligado quer ao conceito de epoché quer ao conceito de consciência. Poderíamos ir ainda mais longe e dizer que a intencionalidade tem tudo a ver com a vivência, a temporalidade, o objecto. Aliás basta irmos à V Investigação que serve de base ao nosso estudo sobre a intencionalidade e vermos que o primeiro parágrafo trata da plurinocidade do termo de consciência e nas páginas seguintes, temos a explicação dos três conceitos de consciência: 1º a consciência como unidade fenomenológica real das vivências do eu empírico (parágrafo 2); 2º a consciência como percepção interna (parágrafo 5); 3º a consciência como acto psíquico ou vivência intencional (parágrafo 9 e seguintes). Como estamos a ver, e dando razão ao que dissemos atrás, este terceiro conceito de consciência é que nos interessa e é o que iremos aprofundar. [Aliás noutro texto, Husserl disse o seguinte: "é a intencionalidade que caracteriza a consciência no sentido pleno e que, ao mesmo tempo, permite considerar o fluxo da vivência como fluxo consciente e como unidade de uma consciência".(2)] Em relação à epoché [Termo de Husserl para denominar o método fenomenológico e é no terreno deste que a ciência rigorosa da filosofia se estabelece](3) é um passo decisivo na criação de uma nova atitude filosófica - a atitude fenomenológica. É o mundo no seu todo, posto em conformidade com a atitude natural, que fica desvalorizado. A epoché neutraliza-o, ficando ele sem ser afirmado nem negado. O fim da suspensão não é mais do que alcançar uma nova região do ser - a região da consciência pura - onde trataremos da intencionalidade.(4)
A proposição "Toda a consciência é consciência de alguma coisa" é idêntica a esta outra: "Toda a consciência é consciência intencional"; a intencionalidade caracteriza essencialmente a consciência.
Esta ideia de intencionalidade, derivada da Escolástica foi recolhida por Husserl através de Franz Brentano, que a empregou num registo simplesmente psicológico, para caracterizar a essência dos fenómenos ou actos psíquicos em contraposição aos fenómenos físicos.(5)) A Escolástica utilizou a palavra intencionalidade para indicar o carácter representativo do objecto imanente em relação ao objecto exterior e portanto para designar a consciência como tendo um sentido relativamente a esse objecto. Brentano aproveitou esta doutrina a propósito dos actos psicológicos(6) e acerca disto escreveu a seguinte frase que Husserl citou nas suas Investigações Lógicas: "Tout phénomène psychique est caractérisé par ce que les scholastiques du Moyen Age ont appelé l'existence(7) intencionelle (ou encore mentale) d'un objet, et ce que nous pourrions appeler, bien qu'avec des expressions quelque peu équivoques, la relation à un contenu, l'orientation vers un objet (par quoi il ne faut pas entendre une réalité) ou l'objectité immanente"(8). Husserl vai conservar o sentido primordial desta intencionalidade, relativamente às vivências cognitivas(9). Quer dizer, na percepção é percebido algo; na representação, representado algo; no ódio, odiado algo, e por aí adiante.
Há necessidade de elucidar convenientemente a referência intencional ou seja, o modo de presença na consciência do objecto a que ele se refere. Na realidade, estamos perante o cerne do problema e para muitos a questão central da fenomenologia. Éarriscado e por vezes erróneo dizer que os objectos percebidos, fantasiados, julgados, desejados, etc. na forma perceptiva, representativa, ou outra qualquer, entram na consciência. Inversamente que a consciência entra em relação com eles de qualquer modo e os recebe. O mesmo se diga da afirmação "toda a vivência intencional contém em si algo como objecto"(10).
A intencionalidade da consciência não significa uma referência real ou um processo real que tenha lugar entre a consciência por um lado e a coisa consciente por outro. Nem tão pouco consiste numa relação entre duas coisas que se encontram da mesma maneira, realmente, na consciência, um estado psíquico e um objecto intencional, dois conteúdos da consciência encaixados um no outro. Que existe uma relação é verdade; mas que não pode ser interpretada de modo falso, como se fosse uma relação real psicológica ou relação imanente do conteúdo real da vivência. Só uma coisa é presente: a vivência (11) intencional "dont le caractère descriptif essenciel est précisément l'intention relative à l'objet. C'est cette intention qui selon sa spécification particulière, constitue totalment et à elle seule la représentation ou le jugement de cet objet, etc. Si ce vécu est présent, alors eo ipso conformément, je le souligne, àl'essence propre de ce vécu, "la relation intentionelle à un object" est réalisée, et eo ipso un objet est "présent intentionellement", car l'un et l'autre veulent dire exactement la même chose"(12). Contudo esse objecto pode não existir; ésimplesmente visado consistindo a vivência no acto de o visar. Assim, tomemos como exemplo a vivência da quimera. Esta é o objecto representado, "presente imanentemente", no acto de representar. Na consciência verifica-se a representação da quimera, mas a análise descritiva dessa vivência intencional nada encontra na consciência que se pareça com esse ser fantástico. Nem tão pouco a quimera existirá extra mente. Não existe simplesmente. O que se poderá afirmar é que essa vivência é de tal indole que quem a experimenta pode afirmar ter-se-lhe representado a figura mitológica referida. No caso do objecto intencional existir, nada é alterado sob o aspecto fenomenológico. A consciência, como já se disse, é sempre consciência de alguma coisa, seja esta real, fictícia ou mesmo um contra senso. "Je ne me répresente pas Jupiter autrement que Bismarck, la tour de Babel autrement que la cathédrale de Cologne, un chiliogone régulier autrement qu'un millièdre régulier"(13).
Tudo o que se pode afirmar das representações é válido para as demais vivências intencionais nelas baseadas. Contemplar a beleza de uma pintura famosa desejar admirá-la, discutir o seu valor, são vivências fundadas na representação dessa tela famosa, cada uma caracterizada de um modo fenomenologicamente novo. Mas todas elas têm de comum serem modos de intenção objectiva que não se podem exprimir normalmente de outra maneira que não seja dizendo ser a pintura percebia, desejada, valorada, etc.
Também não devemos supor que a relação intencional consiste numa contraposição entre o eu ou consciência por um lado e a coisa consciente por outro. A consciência não existe como substância, possuindo entre outros atributos, a intencionalidade que lhe permitiria entrar em contacto com uma outra realidade a seu lado. O sujeito ou consciência consiste nessa intencionalidade. A substância desta é o seu transcender-se, o seu referir-se a... (14) Husserl, ultrapassando o conceito substancialista de existência, pode demonstrar que o sujeito não é uma coisa que exista primeiro e em seguida se reporte ao objecto. A relação sujeito-objecto constitui o fenómeno verdadeiramente primeiro e é nele que os chamados objectos se dão. A essência mesma da consciência é visar outra coisa diferente dela; nisso reside a sua vida própria. A concepção husserliana põe no coração do ser da consciência o contacto com o mundo. Podemos então dizer: a consciência é essencialmente intencionalidade, pois que sem intencionalidade, a consciência desapareceria com o mundo. Mas esta intencionalidade tem um sentido novo mais profundo. Não é mais o facto psicológico de Brentano como já o dissemos. É a consciência, a própria subjectividade.
Na V Investigação viu Husserl a substancialidade da consciência na intencionalidade. Por isso se opõe à ideia do eu como substância da consciência, no receio de se poder interpretar a intencionalidade como um acidente desse eu substância(15). Só nas Ideias I chega a conciliar o carácter pessoal da consciência com a intencionalidade, aparecendo o eu como elemento irreductível da vida consciente. O eu puro não será uma vivência como as outras, mas parte constituitiva de vivência. Os actos saem, por assim dizer,do eu que vive nesses actos(16).
O Conteúdo Intencional
Na obra de Quentin Lauer Phénoménologie de Husserl podemos ler o seguinte: Au § 16 de la Ve Recherche Logique, Husserl introduit une transition, dont l'importance est démentie par le manque de relief avec laquel il la traite. En realité ce n'est pas simplement une transition à une nouvelle expression de la pensée. Il déclare que la notion de "phénoménologie" présentée jusqu'ici a été complètement insuffisante et qu'elle doit être formulée de nouveau"(17). Na realidade o parágrafo 16 surge como fundamental no conjunto da V Investigação e vai determinar o rumo da pesquisa efectuada por Husserl.
O parágrafo 16 começa por introduzir uma distinção fenomenológica fundamental "Aprés avoir ainsi garanti notre conception de l'essence des actes contres des objections et avoir reconnu aux actes dans le caractère de l'intention (dans l'avoir conscience au seul sens desèriptif) une unité générique essencielle, nous allons introduire une distinction phénoménologique importante qui, après ce que nous avons exposé jusqu'ici, se comprendra sans autres explications, à savoir la distinction entre le contenu réel (contenu réel ou phénoménologique - desèriptif phénoménologique) d'un acte et son contenu intentionnel."(18) E a seguir Husserl vai definir conteúdo real da seguinte maneira: "Par contenu phénoménologique réel d'un acte, nous entendons la totalité intégrale de ses partes, peu importe qu'elles soient concrètes ou abstraites, en d'autres termes la totalité intégrale des vécus partiels dont il se compose réelement". A diferença que Husserl apresenta no parágrafo 16 entre a descrição fenomenológica e a análise psicológica é que esta última estaria encarregada de descobrir e de descrever estas partes. Husserl vai acabar o parágrafo 16 dizendo que quando se fala de conteúdo no sentido real não fazemos mais do que aplicar o conceito de conteúdo mais geral, válido em todos os domínios às vivências interiores, mas quando, por outro lado, opomos ao conteúdo real o conteúdo intencional isto só indica o carácter próprio das vivências ou actos intencionais que deve entrar em linha de conta. [Husserl distingue três conceitos do conteúdo intencional que vai orientar os seguintes parágrafos; o objecto intencional do acto, a sua matéria intencional por oposição à sua qualidade intencional, e a sua essência intencional.(20)]
René Schérer na obra La Phénoménologie des Recherches Logiques de Husserl vai dizer o seguinte que consideramos importante: "Comme c'est celui-ci (refere-se ao conteúdo intencional) qui constitue le propre des vécus intentionnels, c'est à lui qu'est consacrée la suite de la recherche. La plurinocité du mot de contenu exige, en effet, des précisions supplémentaires. Car le contenu peut être l'objet, ou le sens, ou la modalité de l'intention (matière et qualité), ou l'essence complète de l'acte intentionnel."(21)
[A análise do conteúdo intencional como objecto faz intervir uma distinção entre o objecto tal e qual é visado e o objecto que é visado.] "En ce qui concerne le contenu intentionnel entendu comme objet de l'acte il faut faire la distinction suivante: l'objet tel qu'il est visé, et, d'autre part, tout simplement l'objet qui est visé."(22) Como é bom de ver por aquilo que já dissemos é a primeira expressão que designa o conteúdo intencional, o correlativo intencional do acto. Uma extensão desta propriedade aos actos complexos faz ser evidente que o correlativo é, desta vez, não os objectos parciais, mas o estado de coisas sobre as quais é inscrito o acto completo.
Com o exemplo dado pelo próprio Husserl é mais significativo. Na expressão "a faca está sobre a mesa", o acto nominal relaciona-se ao estado de coisas "a faca como estando precisamente sobre a mesa" a título de objecto. "Par exemple, l'acte qui correspond à cette expression nominale: le couteau sur la table est manifestament composé. L'objet de l'acte total est un couteau, l'objet d'un acte partiel est une table."(23) [Por isso Husserl vai dizer que "En raison de l'ambiguité de cette expression (conteúdo intencional) mieux vaut, dans tous les cas où l'on vise l'objet intentionnel, ne pas parler du tout de contenu intentionnel, mais précisément d'objet intentionnel de l'acte dont il s'agit".(24)]
Para uma conclusão - O retomar do problema
Para terminar este trabalho gostaria de citar uma frase que me parece significativa de René Schérer: "... l'essentiel de la Recherche V ne réside pas dans la découverte de l'intentionalité, mais dans une modification de ce concept brentanien, propre à le stucturer en fonction des fins de la logique et de la connaissance."(25)
Por aquilo que estudamos das Investigações Lógicas estamos em condições de dizer que Husserl apresenta uma fenomenologia não especulativa e neutra relativamente a qualquer teoria explicativa pois a fenomenologia é aí apresentada como sabemos como "psicologia descritiva de experiência interna". Todavia, o sentido desta expressão limitativa encontra-se profundamente modificado. Não se trata de circunscrever a descrição ao exame de um campo fenomenal no qual, de algum modo, a consciência se encontra encerrada. A prudência do empirismo psicológico, que lhe interdita constituir-se como ciência e enunciar o que quer que seja de válido para uma teoria do conhecimento em geral, assenta numa inexacta compreensão do que são o fenómeno e a consciência.(26) O objecto não está contido na consciência a título de fenómeno, não é uma parte imanente desta. Se a consciência ébem, como definiu Brentano, uma intenção dirigida para o objecto, é o próprio ser e não a aparência do objecto que é dado para a consciência. A consciência pode portanto pronunciar-se sobre este ser segundo a maneira como ele se apresenta, elucidando o modo pelo qual ela o visa. Para isto, não tem necessidade de sair de si própria, tarefa contraditória com a qual esbarrava qualquer teoria do conhecimento e que a votava quer ao idealismo, quer ao cepticismo; ela não tem senão que proceder ao exame destes modos de intenção. É o que faz a fenomenologia husserliana nos textos que acabamos de analisar.
Notas:
(1)SARAIVA, Maria Manuela - L'imagination selon Husserl, La Haye, Highoff, 1970, pág. VIII do Avant-Propos.
Apesar desta tese de doutoramento ser sobre a questão da imaginação em Husserl o capítulo I tem uma certa importância para o nosso estudo visto que trata do problema que nos interessa - a intencionalidade nomeadamente o primeiro parágrafo chama-se "Les notions de vécu intentionnel ou acte et objet intentionnel. Le rôle des sensations et des caractères d'actes dans la constitution des vécus intentionnels." Este parágrafo segue a V Investigação das Investigações Lógicas.
(2)HUSSERL - Ideen I, parágrafo 84, pág. 203. As Ideias I não constitui obra de estudo. Esta citação foi retirada da obra do Prof. Júlio FRAGATA A Fenomenologia de Husserl como Fundamento da Filosofia, Livraria Cruz, Braga, 1983.
(3)Ver Júlio FRAGATA o capítulo III da segunda parte intitulado A Atitude Transcendental.
(4)O nosso trabalho não trata da teoria da epoché mas para ver melhor este tema, o capítulo A Atitude Transcendental a alínea Epoché ou redução págs. 87-94.
(5)Ver no livro de Júlio FRAGATA no quarto capítulo da segunda parte intitulado A Consciência pura a alínea 2 A unificação estrutural da vivência pág. 128. Ver também, claro está, o parágrafo 9 da V Investigação págs. 165-167 intitulado La Signification de la Définition des "Phénomènes psychiques" chez Brentano.
(6)Ver a obra de Brentano Psicologia sob o ponto de vista empírico, trad. espanhola, Madrid, "Revista Ocidente".
(7)O tradutor chama a nossa atenção nesta passagem com a seguinte nota: "Littéralement in-existence (Inexistenz). Por isso Fragata vai traduzir pura e simplesmente por "inexistência intencional" segunda parte, capítulo IV, alínea 2, pág. 129.
(8)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 10, pág. 168.
(9)Por isso é que Husserl vai dizer nas Meditações Cartesianas, parágrafo 14, pág 28. "Le mot intentionalité ne signifie rien d'autre que cette particularité foncière et générale qu'a la conscience d'être conscience de quelque chose de porter en sa qualité de cogito, son cogitatum en elle-même".
(10)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 11, pág. 173.
(11)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 11, págs. 173-174.
(12)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 11, págs. 174-175.
(13)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 11, pág. 176.
(14)A mesma coisa que a nota 9. Meditações Cartesianas, parágrafo 14, pág. 28.
(15)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 8, págs. 159-163.
(16)Ideen I, trad. Ricoeur, pág. 189. Ver a segunda parte da obra de Fragata.
(17)LAUER, Quentin - Phénoménologie de Husserl essai sur la génese de l'intentionalité, PUF, Paris, 1954, pág. 94.
(18)V Investigações das Investigações Lógicas, parágrafo 16, págs. 201-202.
(19)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 16, pág. 202.
(20)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 16, pág. 204.
(21)SCHÉRER, René - La Phénoménologie des Recherches Logiques de Husserl, PUF, Paris 1967, Pág. 268.
(22)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 17, pág. 205.
(23)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 17, pág. 207.
(24)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 17, pág. 208.
(25)SCHÉRER, René - La Phénoménologie des Recherches Logiques de Husserl, PUF, Paris, 1967, págs. 273-274.
(26)Ter sempre presente que as Investigações Lógicas surgem como um ataque ao empirismo psicológico mais conhecido como psicologismo.
De Walheus - "L'idée Phénoménologique d'intentionalité" in Husserl et la pensée moderne, pág. 115 - (sublinhados meus) Colloque International de Phénoménologie II, Krefeld, La Haye, 1959.
"La proposition célèbre que "toute conscience est conscience de quelque chose" ou encore, que l'intentionalité caractérise essentiellement la conscience - résume la Théorie husserlienne de la vie spirituelle: toute perception est perception d'un perçu tout jugement, jugement d'un état de choses jugé, tout désir, désir d'un désiré. Ce n'est pas une corrélation de mots, mais une description de phénomènes. A tous les niveaux de la vie spirituelle - que ce soit au stade de la sensation ou de la pensée mathématique - la pensée est visée et intention".
"Le pensé est idéalement présent dans la pensée. Cette manière pour la pensée de contenir idéalement autre chose qu'elle - constitue l'intentionalité. Ce n'ést pas le fait qu'un objet extérieur entre en relation avec la conscience ni que dans la conscience même un rapport s'établit entre deux contenues psychiques - emboîtés l'un dans l'autre. Le rapport de l'intentionalité n'a rien des rapports entre objets réels. Il est essentiellement l'acte de prêter un sens (la Sinngebung). L'extérioté de l'objet représente l'extériorité même de ce qui est pensé par rapport à la pensée qui le vise. L'objet constitue ainsi un moment inéluctable du phénomène même du sens".
Lévinas - En découvrant l'existence avec Husserl et Heidegger, Librairie Philosophique J. Vrin, Paris, 1967, págs. 21-22. (sublinhados meus).
Ainsi, tout état de conscience en général est, en lui-même, conscience de quelque chose, quoi qu'il en soit de l'existence réelle de ce objet et quelque abstention que se fasse, dans l'attitude transcendentale qui est mienne, de la position de, cette existence et de tous les actes de l'attitude naturelle".
"Le mot intentionalité ne signifie rien d'autre que cette particularité foncière et générale qu'a la conscience d'être conscience de quelque chose, de porter, en sa qualité de cogito, son cogitatum en elle-même".
Husserl, Edmund - Meditations Cartésiennes, Librairie Philosophique J. Vrin, Paris, 1947, pág. 28. (sublinhados meus).
"... a intencionalidade husserliana não é apenas uma propriedade do acto ou vivência, como em Brentano que não fala ainda de "consciência intencional". Segundo Husserl, a intencionalidade vivifica a vivência, tornando-a designativa do objecto, em virtude dum processo mais radical, inerente à própria consciência. Não se trata duma mera característica possuída pelo acto, em virtude do qual esta adquire um carácter referencial".
"A intencionalidade husserliana é portanto como um raio luminoso projectado entre dois polos imanentes, - "eu" e "objecto". Esta irradiação, proveniente do "eu", encontra porém um substrato que há-de ser a explicação da diversidade dos objectos de que tenho consciêcia".
FRAGATA, Júlio - A Fenomenologia de Husserl como fundamento da Filosofia, Livraria Cruz, Braga, 1983, págs. 131-132. (sublinhados meus).
Breve introdução ao conceito de intencionalidade
Por aquilo que conhecemos da obra de Husserl e segundo as opiniões dos mais competentes comentadores do mesmo, podemos seguramente afirmar duas teses. Primeira, que o conceito de intencionalidade de que trata este trabalho é dos conceitos mais importantes dentro da fenomenologia husserliana. Segunda, que o conceito de intencionalidade influenciou os discípulos de Husserl tais como Sartre e Merleau-Ponty levando outros comentadores a afirmar que o conceito de intencionalidade foi totalmente deturpado por eles e que o que eles defenderam não é a intencionalidade em Husserl, mas o seu próprio conceito de intencionalidade. Vejamos um só exemplo para não nos alongarmos demasiado. Na tese de Doutoramento em Filosofia, da Prof. Maria Manuela Saraiva podemos ler o seguinte em relação a esta questão: "Par ailleurs, il présente souvent une version personelle de Husserl, que les esprits non prévenus ont tendence à prendre pour une exegèse valable. L'exemple le plus typique est le petit article que Sartre a publié en 1939 dans la Nouvelle revue Française et repris plus tard dans Situations I, une idée fondamentalle de la phénoménologie de Husserl: l'intentionnalité. En fait, il y dévellope plutôt son idée à lui de l'intentionnalité - mais jusqu'à nos jours aucune étude n'a ilucidé de manière exhaustive les rapports entre HUSSERL et SARTRE. Si Merleau-Ponty, continuateur du dernier Husserl, est généralement plus objectif que l'auteur de L'être et le néant, il n'en est pas moins responsable d'avoir dans une certaine mesure, "deformé" la pensée husserlienne".(1) Tudo isto só apoia a nossa tese de que o conceito de intencionalidade é um conceito muito rico e não é um conceito fácil de tratar. É nossa intenção seguir o máximo que pudermos a V Investigação das Investigações Lógicas e como achega a II Meditação das Meditações Cartesianas.
A consciência como vivência intencional da intencionalidade
O conceito de intencionalidade está intimamente ligado quer ao conceito de epoché quer ao conceito de consciência. Poderíamos ir ainda mais longe e dizer que a intencionalidade tem tudo a ver com a vivência, a temporalidade, o objecto. Aliás basta irmos à V Investigação que serve de base ao nosso estudo sobre a intencionalidade e vermos que o primeiro parágrafo trata da plurinocidade do termo de consciência e nas páginas seguintes, temos a explicação dos três conceitos de consciência: 1º a consciência como unidade fenomenológica real das vivências do eu empírico (parágrafo 2); 2º a consciência como percepção interna (parágrafo 5); 3º a consciência como acto psíquico ou vivência intencional (parágrafo 9 e seguintes). Como estamos a ver, e dando razão ao que dissemos atrás, este terceiro conceito de consciência é que nos interessa e é o que iremos aprofundar. [Aliás noutro texto, Husserl disse o seguinte: "é a intencionalidade que caracteriza a consciência no sentido pleno e que, ao mesmo tempo, permite considerar o fluxo da vivência como fluxo consciente e como unidade de uma consciência".(2)] Em relação à epoché [Termo de Husserl para denominar o método fenomenológico e é no terreno deste que a ciência rigorosa da filosofia se estabelece](3) é um passo decisivo na criação de uma nova atitude filosófica - a atitude fenomenológica. É o mundo no seu todo, posto em conformidade com a atitude natural, que fica desvalorizado. A epoché neutraliza-o, ficando ele sem ser afirmado nem negado. O fim da suspensão não é mais do que alcançar uma nova região do ser - a região da consciência pura - onde trataremos da intencionalidade.(4)
A proposição "Toda a consciência é consciência de alguma coisa" é idêntica a esta outra: "Toda a consciência é consciência intencional"; a intencionalidade caracteriza essencialmente a consciência.
Esta ideia de intencionalidade, derivada da Escolástica foi recolhida por Husserl através de Franz Brentano, que a empregou num registo simplesmente psicológico, para caracterizar a essência dos fenómenos ou actos psíquicos em contraposição aos fenómenos físicos.(5)) A Escolástica utilizou a palavra intencionalidade para indicar o carácter representativo do objecto imanente em relação ao objecto exterior e portanto para designar a consciência como tendo um sentido relativamente a esse objecto. Brentano aproveitou esta doutrina a propósito dos actos psicológicos(6) e acerca disto escreveu a seguinte frase que Husserl citou nas suas Investigações Lógicas: "Tout phénomène psychique est caractérisé par ce que les scholastiques du Moyen Age ont appelé l'existence(7) intencionelle (ou encore mentale) d'un objet, et ce que nous pourrions appeler, bien qu'avec des expressions quelque peu équivoques, la relation à un contenu, l'orientation vers un objet (par quoi il ne faut pas entendre une réalité) ou l'objectité immanente"(8). Husserl vai conservar o sentido primordial desta intencionalidade, relativamente às vivências cognitivas(9). Quer dizer, na percepção é percebido algo; na representação, representado algo; no ódio, odiado algo, e por aí adiante.
Há necessidade de elucidar convenientemente a referência intencional ou seja, o modo de presença na consciência do objecto a que ele se refere. Na realidade, estamos perante o cerne do problema e para muitos a questão central da fenomenologia. Éarriscado e por vezes erróneo dizer que os objectos percebidos, fantasiados, julgados, desejados, etc. na forma perceptiva, representativa, ou outra qualquer, entram na consciência. Inversamente que a consciência entra em relação com eles de qualquer modo e os recebe. O mesmo se diga da afirmação "toda a vivência intencional contém em si algo como objecto"(10).
A intencionalidade da consciência não significa uma referência real ou um processo real que tenha lugar entre a consciência por um lado e a coisa consciente por outro. Nem tão pouco consiste numa relação entre duas coisas que se encontram da mesma maneira, realmente, na consciência, um estado psíquico e um objecto intencional, dois conteúdos da consciência encaixados um no outro. Que existe uma relação é verdade; mas que não pode ser interpretada de modo falso, como se fosse uma relação real psicológica ou relação imanente do conteúdo real da vivência. Só uma coisa é presente: a vivência (11) intencional "dont le caractère descriptif essenciel est précisément l'intention relative à l'objet. C'est cette intention qui selon sa spécification particulière, constitue totalment et à elle seule la représentation ou le jugement de cet objet, etc. Si ce vécu est présent, alors eo ipso conformément, je le souligne, àl'essence propre de ce vécu, "la relation intentionelle à un object" est réalisée, et eo ipso un objet est "présent intentionellement", car l'un et l'autre veulent dire exactement la même chose"(12). Contudo esse objecto pode não existir; ésimplesmente visado consistindo a vivência no acto de o visar. Assim, tomemos como exemplo a vivência da quimera. Esta é o objecto representado, "presente imanentemente", no acto de representar. Na consciência verifica-se a representação da quimera, mas a análise descritiva dessa vivência intencional nada encontra na consciência que se pareça com esse ser fantástico. Nem tão pouco a quimera existirá extra mente. Não existe simplesmente. O que se poderá afirmar é que essa vivência é de tal indole que quem a experimenta pode afirmar ter-se-lhe representado a figura mitológica referida. No caso do objecto intencional existir, nada é alterado sob o aspecto fenomenológico. A consciência, como já se disse, é sempre consciência de alguma coisa, seja esta real, fictícia ou mesmo um contra senso. "Je ne me répresente pas Jupiter autrement que Bismarck, la tour de Babel autrement que la cathédrale de Cologne, un chiliogone régulier autrement qu'un millièdre régulier"(13).
Tudo o que se pode afirmar das representações é válido para as demais vivências intencionais nelas baseadas. Contemplar a beleza de uma pintura famosa desejar admirá-la, discutir o seu valor, são vivências fundadas na representação dessa tela famosa, cada uma caracterizada de um modo fenomenologicamente novo. Mas todas elas têm de comum serem modos de intenção objectiva que não se podem exprimir normalmente de outra maneira que não seja dizendo ser a pintura percebia, desejada, valorada, etc.
Também não devemos supor que a relação intencional consiste numa contraposição entre o eu ou consciência por um lado e a coisa consciente por outro. A consciência não existe como substância, possuindo entre outros atributos, a intencionalidade que lhe permitiria entrar em contacto com uma outra realidade a seu lado. O sujeito ou consciência consiste nessa intencionalidade. A substância desta é o seu transcender-se, o seu referir-se a... (14) Husserl, ultrapassando o conceito substancialista de existência, pode demonstrar que o sujeito não é uma coisa que exista primeiro e em seguida se reporte ao objecto. A relação sujeito-objecto constitui o fenómeno verdadeiramente primeiro e é nele que os chamados objectos se dão. A essência mesma da consciência é visar outra coisa diferente dela; nisso reside a sua vida própria. A concepção husserliana põe no coração do ser da consciência o contacto com o mundo. Podemos então dizer: a consciência é essencialmente intencionalidade, pois que sem intencionalidade, a consciência desapareceria com o mundo. Mas esta intencionalidade tem um sentido novo mais profundo. Não é mais o facto psicológico de Brentano como já o dissemos. É a consciência, a própria subjectividade.
Na V Investigação viu Husserl a substancialidade da consciência na intencionalidade. Por isso se opõe à ideia do eu como substância da consciência, no receio de se poder interpretar a intencionalidade como um acidente desse eu substância(15). Só nas Ideias I chega a conciliar o carácter pessoal da consciência com a intencionalidade, aparecendo o eu como elemento irreductível da vida consciente. O eu puro não será uma vivência como as outras, mas parte constituitiva de vivência. Os actos saem, por assim dizer,do eu que vive nesses actos(16).
O Conteúdo Intencional
Na obra de Quentin Lauer Phénoménologie de Husserl podemos ler o seguinte: Au § 16 de la Ve Recherche Logique, Husserl introduit une transition, dont l'importance est démentie par le manque de relief avec laquel il la traite. En realité ce n'est pas simplement une transition à une nouvelle expression de la pensée. Il déclare que la notion de "phénoménologie" présentée jusqu'ici a été complètement insuffisante et qu'elle doit être formulée de nouveau"(17). Na realidade o parágrafo 16 surge como fundamental no conjunto da V Investigação e vai determinar o rumo da pesquisa efectuada por Husserl.
O parágrafo 16 começa por introduzir uma distinção fenomenológica fundamental "Aprés avoir ainsi garanti notre conception de l'essence des actes contres des objections et avoir reconnu aux actes dans le caractère de l'intention (dans l'avoir conscience au seul sens desèriptif) une unité générique essencielle, nous allons introduire une distinction phénoménologique importante qui, après ce que nous avons exposé jusqu'ici, se comprendra sans autres explications, à savoir la distinction entre le contenu réel (contenu réel ou phénoménologique - desèriptif phénoménologique) d'un acte et son contenu intentionnel."(18) E a seguir Husserl vai definir conteúdo real da seguinte maneira: "Par contenu phénoménologique réel d'un acte, nous entendons la totalité intégrale de ses partes, peu importe qu'elles soient concrètes ou abstraites, en d'autres termes la totalité intégrale des vécus partiels dont il se compose réelement". A diferença que Husserl apresenta no parágrafo 16 entre a descrição fenomenológica e a análise psicológica é que esta última estaria encarregada de descobrir e de descrever estas partes. Husserl vai acabar o parágrafo 16 dizendo que quando se fala de conteúdo no sentido real não fazemos mais do que aplicar o conceito de conteúdo mais geral, válido em todos os domínios às vivências interiores, mas quando, por outro lado, opomos ao conteúdo real o conteúdo intencional isto só indica o carácter próprio das vivências ou actos intencionais que deve entrar em linha de conta. [Husserl distingue três conceitos do conteúdo intencional que vai orientar os seguintes parágrafos; o objecto intencional do acto, a sua matéria intencional por oposição à sua qualidade intencional, e a sua essência intencional.(20)]
René Schérer na obra La Phénoménologie des Recherches Logiques de Husserl vai dizer o seguinte que consideramos importante: "Comme c'est celui-ci (refere-se ao conteúdo intencional) qui constitue le propre des vécus intentionnels, c'est à lui qu'est consacrée la suite de la recherche. La plurinocité du mot de contenu exige, en effet, des précisions supplémentaires. Car le contenu peut être l'objet, ou le sens, ou la modalité de l'intention (matière et qualité), ou l'essence complète de l'acte intentionnel."(21)
[A análise do conteúdo intencional como objecto faz intervir uma distinção entre o objecto tal e qual é visado e o objecto que é visado.] "En ce qui concerne le contenu intentionnel entendu comme objet de l'acte il faut faire la distinction suivante: l'objet tel qu'il est visé, et, d'autre part, tout simplement l'objet qui est visé."(22) Como é bom de ver por aquilo que já dissemos é a primeira expressão que designa o conteúdo intencional, o correlativo intencional do acto. Uma extensão desta propriedade aos actos complexos faz ser evidente que o correlativo é, desta vez, não os objectos parciais, mas o estado de coisas sobre as quais é inscrito o acto completo.
Com o exemplo dado pelo próprio Husserl é mais significativo. Na expressão "a faca está sobre a mesa", o acto nominal relaciona-se ao estado de coisas "a faca como estando precisamente sobre a mesa" a título de objecto. "Par exemple, l'acte qui correspond à cette expression nominale: le couteau sur la table est manifestament composé. L'objet de l'acte total est un couteau, l'objet d'un acte partiel est une table."(23) [Por isso Husserl vai dizer que "En raison de l'ambiguité de cette expression (conteúdo intencional) mieux vaut, dans tous les cas où l'on vise l'objet intentionnel, ne pas parler du tout de contenu intentionnel, mais précisément d'objet intentionnel de l'acte dont il s'agit".(24)]
Para uma conclusão - O retomar do problema
Para terminar este trabalho gostaria de citar uma frase que me parece significativa de René Schérer: "... l'essentiel de la Recherche V ne réside pas dans la découverte de l'intentionalité, mais dans une modification de ce concept brentanien, propre à le stucturer en fonction des fins de la logique et de la connaissance."(25)
Por aquilo que estudamos das Investigações Lógicas estamos em condições de dizer que Husserl apresenta uma fenomenologia não especulativa e neutra relativamente a qualquer teoria explicativa pois a fenomenologia é aí apresentada como sabemos como "psicologia descritiva de experiência interna". Todavia, o sentido desta expressão limitativa encontra-se profundamente modificado. Não se trata de circunscrever a descrição ao exame de um campo fenomenal no qual, de algum modo, a consciência se encontra encerrada. A prudência do empirismo psicológico, que lhe interdita constituir-se como ciência e enunciar o que quer que seja de válido para uma teoria do conhecimento em geral, assenta numa inexacta compreensão do que são o fenómeno e a consciência.(26) O objecto não está contido na consciência a título de fenómeno, não é uma parte imanente desta. Se a consciência ébem, como definiu Brentano, uma intenção dirigida para o objecto, é o próprio ser e não a aparência do objecto que é dado para a consciência. A consciência pode portanto pronunciar-se sobre este ser segundo a maneira como ele se apresenta, elucidando o modo pelo qual ela o visa. Para isto, não tem necessidade de sair de si própria, tarefa contraditória com a qual esbarrava qualquer teoria do conhecimento e que a votava quer ao idealismo, quer ao cepticismo; ela não tem senão que proceder ao exame destes modos de intenção. É o que faz a fenomenologia husserliana nos textos que acabamos de analisar.
Notas:
(1)SARAIVA, Maria Manuela - L'imagination selon Husserl, La Haye, Highoff, 1970, pág. VIII do Avant-Propos.
Apesar desta tese de doutoramento ser sobre a questão da imaginação em Husserl o capítulo I tem uma certa importância para o nosso estudo visto que trata do problema que nos interessa - a intencionalidade nomeadamente o primeiro parágrafo chama-se "Les notions de vécu intentionnel ou acte et objet intentionnel. Le rôle des sensations et des caractères d'actes dans la constitution des vécus intentionnels." Este parágrafo segue a V Investigação das Investigações Lógicas.
(2)HUSSERL - Ideen I, parágrafo 84, pág. 203. As Ideias I não constitui obra de estudo. Esta citação foi retirada da obra do Prof. Júlio FRAGATA A Fenomenologia de Husserl como Fundamento da Filosofia, Livraria Cruz, Braga, 1983.
(3)Ver Júlio FRAGATA o capítulo III da segunda parte intitulado A Atitude Transcendental.
(4)O nosso trabalho não trata da teoria da epoché mas para ver melhor este tema, o capítulo A Atitude Transcendental a alínea Epoché ou redução págs. 87-94.
(5)Ver no livro de Júlio FRAGATA no quarto capítulo da segunda parte intitulado A Consciência pura a alínea 2 A unificação estrutural da vivência pág. 128. Ver também, claro está, o parágrafo 9 da V Investigação págs. 165-167 intitulado La Signification de la Définition des "Phénomènes psychiques" chez Brentano.
(6)Ver a obra de Brentano Psicologia sob o ponto de vista empírico, trad. espanhola, Madrid, "Revista Ocidente".
(7)O tradutor chama a nossa atenção nesta passagem com a seguinte nota: "Littéralement in-existence (Inexistenz). Por isso Fragata vai traduzir pura e simplesmente por "inexistência intencional" segunda parte, capítulo IV, alínea 2, pág. 129.
(8)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 10, pág. 168.
(9)Por isso é que Husserl vai dizer nas Meditações Cartesianas, parágrafo 14, pág 28. "Le mot intentionalité ne signifie rien d'autre que cette particularité foncière et générale qu'a la conscience d'être conscience de quelque chose de porter en sa qualité de cogito, son cogitatum en elle-même".
(10)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 11, pág. 173.
(11)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 11, págs. 173-174.
(12)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 11, págs. 174-175.
(13)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 11, pág. 176.
(14)A mesma coisa que a nota 9. Meditações Cartesianas, parágrafo 14, pág. 28.
(15)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 8, págs. 159-163.
(16)Ideen I, trad. Ricoeur, pág. 189. Ver a segunda parte da obra de Fragata.
(17)LAUER, Quentin - Phénoménologie de Husserl essai sur la génese de l'intentionalité, PUF, Paris, 1954, pág. 94.
(18)V Investigações das Investigações Lógicas, parágrafo 16, págs. 201-202.
(19)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 16, pág. 202.
(20)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 16, pág. 204.
(21)SCHÉRER, René - La Phénoménologie des Recherches Logiques de Husserl, PUF, Paris 1967, Pág. 268.
(22)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 17, pág. 205.
(23)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 17, pág. 207.
(24)V Investigação das Investigações Lógicas, parágrafo 17, pág. 208.
(25)SCHÉRER, René - La Phénoménologie des Recherches Logiques de Husserl, PUF, Paris, 1967, págs. 273-274.
(26)Ter sempre presente que as Investigações Lógicas surgem como um ataque ao empirismo psicológico mais conhecido como psicologismo.
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