quarta-feira, novembro 23, 2005

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Para os Gregos da Antiguidade o importante não era a democracia mas sim a participação activa dos cidadãos nessa democracia. Mas há uma questão que se mantém. Que futuro político estará reservado para os cidadãos comuns à medida que a sociedade se vai tornando ainda mais centralizada e complexa?
A democracia de massas nunca inspirou grande confiança aos pensadores gregos da Antiguidade. Não acreditavam que pudesse funcionar. Mas, mais tarde, com Jefferson e sob a influência das grandes figuras das Luzes a América tentou conciliar o ideal de uma verdadeira democracia de massas com o de uma verdadeira cultura de debate, liberdade e tolerância no discurso da lei, dos assuntos públicos e do governo. Mas esses dois ideais não se adaptaram bem. O sonho de Jefferson de que o ideal da Atenas da Antiguidade pudesse expandir-se a uma escala continental revelou-se ilusório.
O meu trabalho não se dirige aos intelectuais e aos políticos. Dirige-se ao homem não ideologicamente comprometido. E o que espero dele é exactamente o que ele é. Que tente compreender o mundo e que aja de acordo com os seus bons impulsos. Que tente melhorar o mundo. E há muita gente disposta a fazê-lo mas tem de compreender. Nestas coisas, a minha vontade é tão só ajudar as pessoas a desenvolver procedimentos de autodefesa intelectual. O que quero dizer com isso é o seguinte: Não me refiro a ir à escola, porque lá não se obtém isso. Significa que temos de desenvolver uma mente independente e de a trabalhar. E é extremamente difícil fazê-lo sozinho. A perfeição do nosso sistema consiste em isolar todos. Cada qual está sentado sozinho em frente do aparelho de televisão. É muito difícil ter ideias ou pensamentos nessas condições. Não se pode lutar contra o mundo sozinho. Há quem consiga, mas é muito raro. A maneira de o fazer é por meio da organização de modo que as acções de autodefesa intelectual se insiram num contexto de organização política, ou outra.
Faz sentido ver o que as instituições estão a tentar fazer e ver aí como que uma chave. O que elas tentam fazer é o que nós procuramos combater. Se elas procuram manter as pessoas isoladas e separadas, nós procuraremos fazer o contrário. Procuraremos juntá-las. Portanto, na nossa comunidade local precisamos de fontes de acção alternativa. De gente com preocupações paralelas talvez com perspectivas diferentes mas, no fundo com valores semelhantes. E com um mesmo interesse por ajudar as pessoas a aprender a defenderem-se do poder exterior, a assumir o controlo das suas vidas e a ajudar quem precise. É esta a lista comum das preocupações. Podemos informar-nos acerca dos nossos valores e imaginar um modo de nos defendermos, em conjunto.
Nos serviços de imigração de Chicago é possível assistir a um diálogo semelhante ao que se reproduz a seguir para quem tenha as condições e queira pedir a cidadania norte americana:
- Acredita na Constituição e na forma de governo dos Estados Unidos?
- Sim, acredito.
- Está disposto a jurar fidelidade total aos Estados Unidos?
- Sim, estou.
- Qual a forma de governo dos Estados Unidos?
- Os Estados Unidos são uma república e uma democracia.
- Que quer isso dizer?
- Numa democracia o povo elege representantes que agem por ele.
- Muito bem.
Em relação à liberdade de expressão é fundamental ter presente a diferença entre defender o direito de alguém a exprimir opiniões e defender as opiniões expressas. Se se acredita na liberdade de expressão acredita nela também para as opiniões de que não gosta. Os ditadores são a favor da liberdade de expressão mas para as opiniões de que gostam. Se somos a favor da liberdade de expressão isso significa que o somos precisamente para as opiniões que desprezamos, caso contrário não somos a favor da liberdade de expressão.
Há duas posições possíveis sobre a liberdade de expressão e pode-se decidir qual a posição que queremos tomar.
Quanto a defender pessoas que exprimem opiniões ofensivas, não tenho a mínima dúvida de que todos dizem: “Está a defender as opiniões daquela pessoa”. Não, não estou. Defendo o seu direito a exprimi-las. É uma diferença crucial, que foi bem entendida em certos meios desde o século XVIII.
A doutrinação é a essência da democracia representativa. Num estado totalitário não importa o que as pessoas pensam porque uma moca ameaça constantemente as suas cabeças e se pode assim controlar o que elas fazem. Mas quando o Estado deixa de ter a moca ou, melhor dizendo, quando já não a utiliza do mesmo modo, quando já não se pode controlar as pessoas pela força e a voz do povo pode ser ouvida o problema surge. As pessoas podem tornar-se tão curiosas e tão arrogantes que não têm a humildade de se submeter ao poder civil e por isso é preciso controlar o que as pessoas pensam. E a maneira mais vulgar de o fazer é recorrer ao que em tempos de maior franqueza se chamava propaganda. Várias maneiras de ou marginalizar o público em geral, ou o reduzir a alguma forma de apatia.
E qual esperam que seja o ponto de vista resultante disto? Sem outros pressupostos prevê-se que resulta daí uma imagem do mundo, uma percepção do mundo que satisfaz as necessidades, os interesses e as percepções dos vendedores, dos compradores e do produto numa palavra da sociedade capitalista. E há outros factores a empurrar na mesma direcção.
A forma de acção política mais eficaz ao alcance de um cidadão responsável e atento era a acção que envolve a resistência directa, a recusa de fazer parte do que vejo como crimes de guerra através da não participação, do apoio aos que se recusam a participar.
São claramente visíveis alguns defeitos e falhas graves na nossa sociedade, no nosso nível de cultura, nas nossas instituições, que têm de ser corrigidos através da acção fora da estrutura correntemente aceite. Penso que temos de encontrar novas formas de acção política.
Há um aspecto assustador da nossa sociedade é a equanimidade e a indiferença com que pessoas sãs, razoáveis e sensíveis conseguem assistir aos acontecimentos. Acho mais terrível que um Hitler ou um Salazar que possa surgir. Eles não poderiam agir se não fosse a apatia e equanimidade. Por isso, em certo sentido cabe às pessoas sãs e tolerantes uma parte do pesado fardo de culpa, que elas facilmente atiram para os ombros daqueles que parecem mais violentos.
Houve homens na História que morreram para que a verdade sobrevivesse. Já o filósofo de Salamanca Miguel de Unamuno dizia “Antes a verdade que a paz”. Para Platão essa verdade vive nas profundezas do nosso subconsciente. Será possível que a nossa obsessão pela saúde, pela fama, pelo poder, tenha substituído a busca da verdade? É uma pergunta a que cada um de nós terá de dar resposta.

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