Proudhon elabora um modelo de autogestão operária da produção. Os princípios sobre os quais se funda este modelo são os seguintes: todos os operários são co-proprietários; todas as funções são electivas e as regulamentações são submetidas à aprovação dos associados; todos têm o direito de preencher todas as funções; os salários são apropriados à natureza da função.
Quanto à agricultura, Proudhon opta pela propriedade individual e pela formação de comunas rurais, encarregadas de repartir a terra entre aqueles que a cultivam e de a reunir em vista da cooperação e em função da utilidade social. Os trabalhadores associados nas unidades produtivas de base (empresas autogeridas, comunas rurais) constituem as células de base da federação agrícola-industrial, onde a propriedade dos meios de produção é devolvida por sua vez à organização da sociedade económica no seu conjunto, a cada região, a cada associação de trabalhadores e a cada trabalhador. A federação agrícola-industrial permite deste modo reorganizar as estruturas produtivas sob o controle dos trabalhadores associados, numa pluralidade de reagrupamentos autónomos de base, solidários pelo laço federal. Este tipo de organização da economia e da sociedade permite realizar aquilo que chamamos hoje em dia uma planificação democrática descentralizada, quer dizer fundada sobre as necessidades das comunidades territoriais e funcionais. Com efeito, se a planificação é decidida no centro sem relação efectiva com as comunidades e com as exigências que elas exprimem, não somente ela apresenta um carácter autoritário, mas é ineficaz, porque não se funda nas necessidades reais dos homens.
Esta organização federalista da sociedade está na linha das lutas sociais passadas e presentes contra o abuso do direito de propriedade, contra o direito “d`aubaine” (93) como repartição arbitrária (quer dizer segundo a relação de forças, por conseguinte imposta em última análise, por uma relação de força) dos frutos do trabalho de todos; logo não somente da luta clássica dos sindicatos por uma repartição equitativa dos frutos do trabalho ou da denúncia do rendimento parasitário; mas também, e sobretudo, da tendência social e política de fundo, em direcção uma planificação democrática, articulada e descentralizada, da economia, dos recursos e do meio ambiente (do trabalho e da vida). Ela oferece uma fórmula que permite escapar ao duplo perigo que representa aqui a dominação arbitrária dos grupos capitalistas e também a arbitrariedade dos grupos dominantes que justificam o seu poder em nome do comunismo.
Este tipo de planificação e autogestão oferecem aos trabalhadores a forma de associação capaz de subtrair aos grupos dominantes, os instrumentos de direcção política, económica e ideológica da sociedade e de libertar as energias sociais necessárias para submeter o capital ao trabalho. Com efeito, em todos os modos de produção da idade industrial (capitalista, etatista ou mista), o problema da propriedade continua colocado. A aparição de formas consistentes (ou generalizadas) de propriedade de Estado não trouxe solução, nem eliminou as tensões que se manifestam a propósito do controle da produção. O sindicato, se é livre, opõe-se ao Estado-proprietário, da mesma maneira que ao proprietário capitalista. E a política do plano deveria disciplinar a propriedade pública do mesmo modo que a propriedade capitalista. Por outro lado, onde o movimento histórico vem à superfície porque as forças sociais e as formações políticas não são tanto comprimidas por Estados ditatoriais, manifestam-se doravante, abertamente, à esquerda e entre aderentes de esquerda, a polémica teórica e prática entre a nacionalização (e, em geral, a propriedade pública) e a autogestão. Para apreciar a importância destes desenvolvimentos, é preciso compreender que a autogestão é uma condição prévia indispensável da planificação democrática. Ela é, em primeiro lugar, porque atribui aos indivíduos que trabalham os meios de produção que eles utilizam, transformando-os de indivíduos condicionados em indivíduos condicionantes. Ela é, em segundo lugar, e mais geralmente, porque ela coloca a planificação (a coisa de todos) na esfera do político e a propriedade (a coisa de cada um) na esfera do social. O debate contemporâneo sobre a autogestão, que em termos de propriedade é precisamente a propriedade sem direito de “ aubaine”, a propriedade daquele que trabalha, lança uma luz nova sobre a questão da propriedade, obscurecida até aí pela ideia de abolição da propriedade privada, que confunde duas coisas diferentes (uma forma histórica de propriedade, e o inevitável aspecto individual, privado, da propriedade) e propõe esta alternativa inexistente: propriedade privada ou propriedade pública (na realidade privada, mas com carácter político).
Entretanto, procurando representar concretamente a sociedade do futuro, liberdade da dominação e da exploração, Proudhon descreve-a, conforme à situação do seu tempo, como uma sociedade de operários e de camponeses, que teriam tomado o controle dos meios de produção e eliminado as classes dominantes, cujos privilégios eram fundados sobre o lucro e a renda. O limite desta perspectiva consiste na impossibilidade de libertar o homem e de criar relações sociais comunitárias sem transformar profundamente a estrutura da sociedade, eliminando os papéis do camponês e do operário, o que Marx havia já compreendido. Permitindo reduzir constantemente a quantidade de trabalho necessário à reprodução física do homem e logo de reduzir massivamente o trabalho manual e, ao mesmo tempo de eliminar a raridade dos bens materiais e, com ela, a competição para o necessário, a automatização da produção permite visualizar a eliminação progressiva da divisão do trabalho e do trabalho alienado como uma possibilidade concreta. O alcance actual do pensamento de Proudhon é por conseguinte, em todo o caso, matéria de um debate, que os jovens de Maio de 68 contribuíram a relançar reclamando-se deste grande revolucionário.
NOTAS
93- “O direito “d’aubaine” era o direito que tinha o senhor feudal de ficar com os bens de um forasteiro falecido nas suas terras.
Quanto à agricultura, Proudhon opta pela propriedade individual e pela formação de comunas rurais, encarregadas de repartir a terra entre aqueles que a cultivam e de a reunir em vista da cooperação e em função da utilidade social. Os trabalhadores associados nas unidades produtivas de base (empresas autogeridas, comunas rurais) constituem as células de base da federação agrícola-industrial, onde a propriedade dos meios de produção é devolvida por sua vez à organização da sociedade económica no seu conjunto, a cada região, a cada associação de trabalhadores e a cada trabalhador. A federação agrícola-industrial permite deste modo reorganizar as estruturas produtivas sob o controle dos trabalhadores associados, numa pluralidade de reagrupamentos autónomos de base, solidários pelo laço federal. Este tipo de organização da economia e da sociedade permite realizar aquilo que chamamos hoje em dia uma planificação democrática descentralizada, quer dizer fundada sobre as necessidades das comunidades territoriais e funcionais. Com efeito, se a planificação é decidida no centro sem relação efectiva com as comunidades e com as exigências que elas exprimem, não somente ela apresenta um carácter autoritário, mas é ineficaz, porque não se funda nas necessidades reais dos homens.
Esta organização federalista da sociedade está na linha das lutas sociais passadas e presentes contra o abuso do direito de propriedade, contra o direito “d`aubaine” (93) como repartição arbitrária (quer dizer segundo a relação de forças, por conseguinte imposta em última análise, por uma relação de força) dos frutos do trabalho de todos; logo não somente da luta clássica dos sindicatos por uma repartição equitativa dos frutos do trabalho ou da denúncia do rendimento parasitário; mas também, e sobretudo, da tendência social e política de fundo, em direcção uma planificação democrática, articulada e descentralizada, da economia, dos recursos e do meio ambiente (do trabalho e da vida). Ela oferece uma fórmula que permite escapar ao duplo perigo que representa aqui a dominação arbitrária dos grupos capitalistas e também a arbitrariedade dos grupos dominantes que justificam o seu poder em nome do comunismo.
Este tipo de planificação e autogestão oferecem aos trabalhadores a forma de associação capaz de subtrair aos grupos dominantes, os instrumentos de direcção política, económica e ideológica da sociedade e de libertar as energias sociais necessárias para submeter o capital ao trabalho. Com efeito, em todos os modos de produção da idade industrial (capitalista, etatista ou mista), o problema da propriedade continua colocado. A aparição de formas consistentes (ou generalizadas) de propriedade de Estado não trouxe solução, nem eliminou as tensões que se manifestam a propósito do controle da produção. O sindicato, se é livre, opõe-se ao Estado-proprietário, da mesma maneira que ao proprietário capitalista. E a política do plano deveria disciplinar a propriedade pública do mesmo modo que a propriedade capitalista. Por outro lado, onde o movimento histórico vem à superfície porque as forças sociais e as formações políticas não são tanto comprimidas por Estados ditatoriais, manifestam-se doravante, abertamente, à esquerda e entre aderentes de esquerda, a polémica teórica e prática entre a nacionalização (e, em geral, a propriedade pública) e a autogestão. Para apreciar a importância destes desenvolvimentos, é preciso compreender que a autogestão é uma condição prévia indispensável da planificação democrática. Ela é, em primeiro lugar, porque atribui aos indivíduos que trabalham os meios de produção que eles utilizam, transformando-os de indivíduos condicionados em indivíduos condicionantes. Ela é, em segundo lugar, e mais geralmente, porque ela coloca a planificação (a coisa de todos) na esfera do político e a propriedade (a coisa de cada um) na esfera do social. O debate contemporâneo sobre a autogestão, que em termos de propriedade é precisamente a propriedade sem direito de “ aubaine”, a propriedade daquele que trabalha, lança uma luz nova sobre a questão da propriedade, obscurecida até aí pela ideia de abolição da propriedade privada, que confunde duas coisas diferentes (uma forma histórica de propriedade, e o inevitável aspecto individual, privado, da propriedade) e propõe esta alternativa inexistente: propriedade privada ou propriedade pública (na realidade privada, mas com carácter político).
Entretanto, procurando representar concretamente a sociedade do futuro, liberdade da dominação e da exploração, Proudhon descreve-a, conforme à situação do seu tempo, como uma sociedade de operários e de camponeses, que teriam tomado o controle dos meios de produção e eliminado as classes dominantes, cujos privilégios eram fundados sobre o lucro e a renda. O limite desta perspectiva consiste na impossibilidade de libertar o homem e de criar relações sociais comunitárias sem transformar profundamente a estrutura da sociedade, eliminando os papéis do camponês e do operário, o que Marx havia já compreendido. Permitindo reduzir constantemente a quantidade de trabalho necessário à reprodução física do homem e logo de reduzir massivamente o trabalho manual e, ao mesmo tempo de eliminar a raridade dos bens materiais e, com ela, a competição para o necessário, a automatização da produção permite visualizar a eliminação progressiva da divisão do trabalho e do trabalho alienado como uma possibilidade concreta. O alcance actual do pensamento de Proudhon é por conseguinte, em todo o caso, matéria de um debate, que os jovens de Maio de 68 contribuíram a relançar reclamando-se deste grande revolucionário.
NOTAS
93- “O direito “d’aubaine” era o direito que tinha o senhor feudal de ficar com os bens de um forasteiro falecido nas suas terras.
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