Para Proudhon, o federalismo económico e social não se identifica com a abolição da propriedade. Sabemos que Proudhon antecipando os limites do colectivismo centralizador fundado sobre a propriedade de Estado dos meios de produção, concluiu que era impossível eliminar na propriedade o seu carácter individual que consiste sempre, em última análise, atribuir meios de produção a qualquer um.
Deste ponto de vista, compreende-se que Proudhon definisse nestes termos a função principal da propriedade no sistema político: “servir de contrapeso ao poder público, balançar o Estado, por este meio assegurar a liberdade individual”. (94)
Com efeito, “para que uma força possa conter em respeito uma outra força, é preciso que elas sejam independentes uma da outra” (95). O direito de propriedade aparece então, como a condição da autonomia individual e da atribuição a cada um dos frutos do seu trabalho. A propriedade deve ser estudada no quadro das relações dialécticas entre sociedade e Estado. O seu papel é o de assurar a autonomia da vida económica e social em relação ao Estado. “O poder do Estado é um poder de concentração; dai-lhe livre curso, e toda a individualidade desaparecerá cedo, absorvida na colectividade... a propriedade ao revés é um poder de descentralização”.
“Pela função essencialmente política que lhe é reservada, a propriedade, precisamente porque o seu absolutismo deve opor-se ao Estado, coloca-se no sistema social como liberal, federativa.” (96)
Proudhon toma em consideração a existência dos egoísmos individuais, aos quais reconhece apesar de tudo, um aspecto positivo e, em todo o caso, não alimenta a ilusão de poder eliminá-los. Mas, ao mesmo tempo, aborda o problema da eliminação do privilégio e, em particular, do aspecto negativo das relações sociais fundadas sobre a propriedade. A propriedade apresenta vários aspectos intrínsecos, imutáveis. É um facto social, mas que exige o concurso directo, e não somente indirecto como outros factos sociais, de todos os indivíduos a quem se opõe; nasce com o trabalho, com a produção, e não pode, como tal, como possessão dos meios de produção ser abolida. Mas ao lado destes aspectos fixos, apresenta também um aspecto variável, “apropriação por um único, do fruto do trabalho de muitos”. (97)
Proudhon dá a este aspecto o nome de “droit d`aubaine” que poderíamos liminarmente traduzir por direito ao ganho inesperado. A expressão é mais jurídica que económica. O direito ao ganho inesperado era o direito em virtude do qual o senhor recolhia os bens que o estranho deixava ao abandono no seu domínio. No uso moderno, “l`aubaine” é a vantagem, o proveito imprevisto, inesperado. Proudhon serve-se desta expressão num sentido técnico jogando sem dúvida, e deliberadamente, da sua ressonância contemporânea mas também duma extensão do seu antigo significado.
O “droit d`aubaine” não é somente variável, é mesmo desnecessário. Com efeito, a propriedade, seja como facto no sentido comum (tê-la, possuí-la), seja como facto de direito privado manifesta-se também sem a apropriação pelo proprietário do fruto do trabalho de terceiros. Diferentes formas de propriedade existiram, existem ou podem ser imaginadas, que não dão lugar a nenhum “droit d`aubaine”. Mas o direito positivo e a economia política não distinguem a propriedade com “droit d`aubaine” e a propriedade sem “droit d`aubaine”. É por esta razão que a economia e o direito fazem perder de vista um facto social primário, o facto que a propriedade é associada ao trabalho sob as formas mais diversas, e que ela pode ser sob a forma do privilégio (separação da propriedade e do trabalho) ou sob a forma da igualdade (um indivíduo, ou um grupo, possui os meios de produção que utiliza). E, perdendo de vista estas relações sociais primárias, esquecemos a especificidade da propriedade, que não é um objecto, mas uma relação social que oscila entre dois pólos: a necessária atribuição dos meios de produção a qualquer um e o “droit d`aubaine”.
O “droit d`aubaine” é portanto este abuso do direito de propriedade que consiste na apropriação do fruto do trabalho do próximo e deriva da separação do trabalho e da propriedade. A sua abolição passa portanto pela apropriação dos meios de produção pelos indivíduos ou os grupos que os utilizam. Uma vez o “droit d`aubaine” abolido e a propriedade submetida ao controle social, toda a forma de autoritarismo desaparecerá e o poder de Estado será eficientemente contido.
Dito de outra maneira o “droit d`aubaine” é um meio de força, que não depende da propriedade em si, mas do uso que esta ou aquela sociedade dela podem fazer, daí que a política (como poder, governo, direito, etc.), e somente a política a pode abolir (esta não avalia mais as relações de força, perde nesse momento como o direito, os seus aspectos negativos e heterónimos).
Esta concepção proudhoniana entra perfeitamente no modelo kantiano de substituição universal das relações de direito às relações de força graças a um direito completamente realizado pela federação mundial. Também, poderíamos explicitar um aspecto socio-económico deste modelo que é somente implícito no pensamento de Kant, por evidentes razões históricas, mas é necessário dizer, de modo algum excluído: Kant considerava com efeito, que a igualdade devia ir até ao ponto onde todos os homens seriam tratados como um fim e nenhum como um meio, apesar de não vermos bem, aliás, como se pode realizar um qualquer tipo de igualdade sem a por em forma jurídica.
NOTAS
94- “servir de contrepoids à la puissance publique, balancer l`Etat, par ce moyen assurer la liberté individuelle”.
Proudhon - Théorie de la Propriété, Paris, 1866, pág. 138.
95- “pour qu`une force puisse tenir en respect une autre force, il faut qu`elles soient indépendantes l`une de l`autre” Ibid.
96- “La puissance de l`Etat est une puissance de concentra-tion; donnez-lui l`essor, et toute individualité disparaîtra bientôt, absorbée dans la collectivité... la propriété au rebours est une puissance de décentralisation.”
“Par la fonction essenciellement politique qui lui est dévolue, la propriété, précisément parce que son absolutisme doit s`opposer à l`Etat, se pose dans le système social comme libérale, fédérative.”
Ibid., pág. 144.
97- “appropriation par un seul du fruit du travail de plusieurs”. Toda a Primeira Memória sobre a propriedade trata abundante-mente desta questão.
Deste ponto de vista, compreende-se que Proudhon definisse nestes termos a função principal da propriedade no sistema político: “servir de contrapeso ao poder público, balançar o Estado, por este meio assegurar a liberdade individual”. (94)
Com efeito, “para que uma força possa conter em respeito uma outra força, é preciso que elas sejam independentes uma da outra” (95). O direito de propriedade aparece então, como a condição da autonomia individual e da atribuição a cada um dos frutos do seu trabalho. A propriedade deve ser estudada no quadro das relações dialécticas entre sociedade e Estado. O seu papel é o de assurar a autonomia da vida económica e social em relação ao Estado. “O poder do Estado é um poder de concentração; dai-lhe livre curso, e toda a individualidade desaparecerá cedo, absorvida na colectividade... a propriedade ao revés é um poder de descentralização”.
“Pela função essencialmente política que lhe é reservada, a propriedade, precisamente porque o seu absolutismo deve opor-se ao Estado, coloca-se no sistema social como liberal, federativa.” (96)
Proudhon toma em consideração a existência dos egoísmos individuais, aos quais reconhece apesar de tudo, um aspecto positivo e, em todo o caso, não alimenta a ilusão de poder eliminá-los. Mas, ao mesmo tempo, aborda o problema da eliminação do privilégio e, em particular, do aspecto negativo das relações sociais fundadas sobre a propriedade. A propriedade apresenta vários aspectos intrínsecos, imutáveis. É um facto social, mas que exige o concurso directo, e não somente indirecto como outros factos sociais, de todos os indivíduos a quem se opõe; nasce com o trabalho, com a produção, e não pode, como tal, como possessão dos meios de produção ser abolida. Mas ao lado destes aspectos fixos, apresenta também um aspecto variável, “apropriação por um único, do fruto do trabalho de muitos”. (97)
Proudhon dá a este aspecto o nome de “droit d`aubaine” que poderíamos liminarmente traduzir por direito ao ganho inesperado. A expressão é mais jurídica que económica. O direito ao ganho inesperado era o direito em virtude do qual o senhor recolhia os bens que o estranho deixava ao abandono no seu domínio. No uso moderno, “l`aubaine” é a vantagem, o proveito imprevisto, inesperado. Proudhon serve-se desta expressão num sentido técnico jogando sem dúvida, e deliberadamente, da sua ressonância contemporânea mas também duma extensão do seu antigo significado.
O “droit d`aubaine” não é somente variável, é mesmo desnecessário. Com efeito, a propriedade, seja como facto no sentido comum (tê-la, possuí-la), seja como facto de direito privado manifesta-se também sem a apropriação pelo proprietário do fruto do trabalho de terceiros. Diferentes formas de propriedade existiram, existem ou podem ser imaginadas, que não dão lugar a nenhum “droit d`aubaine”. Mas o direito positivo e a economia política não distinguem a propriedade com “droit d`aubaine” e a propriedade sem “droit d`aubaine”. É por esta razão que a economia e o direito fazem perder de vista um facto social primário, o facto que a propriedade é associada ao trabalho sob as formas mais diversas, e que ela pode ser sob a forma do privilégio (separação da propriedade e do trabalho) ou sob a forma da igualdade (um indivíduo, ou um grupo, possui os meios de produção que utiliza). E, perdendo de vista estas relações sociais primárias, esquecemos a especificidade da propriedade, que não é um objecto, mas uma relação social que oscila entre dois pólos: a necessária atribuição dos meios de produção a qualquer um e o “droit d`aubaine”.
O “droit d`aubaine” é portanto este abuso do direito de propriedade que consiste na apropriação do fruto do trabalho do próximo e deriva da separação do trabalho e da propriedade. A sua abolição passa portanto pela apropriação dos meios de produção pelos indivíduos ou os grupos que os utilizam. Uma vez o “droit d`aubaine” abolido e a propriedade submetida ao controle social, toda a forma de autoritarismo desaparecerá e o poder de Estado será eficientemente contido.
Dito de outra maneira o “droit d`aubaine” é um meio de força, que não depende da propriedade em si, mas do uso que esta ou aquela sociedade dela podem fazer, daí que a política (como poder, governo, direito, etc.), e somente a política a pode abolir (esta não avalia mais as relações de força, perde nesse momento como o direito, os seus aspectos negativos e heterónimos).
Esta concepção proudhoniana entra perfeitamente no modelo kantiano de substituição universal das relações de direito às relações de força graças a um direito completamente realizado pela federação mundial. Também, poderíamos explicitar um aspecto socio-económico deste modelo que é somente implícito no pensamento de Kant, por evidentes razões históricas, mas é necessário dizer, de modo algum excluído: Kant considerava com efeito, que a igualdade devia ir até ao ponto onde todos os homens seriam tratados como um fim e nenhum como um meio, apesar de não vermos bem, aliás, como se pode realizar um qualquer tipo de igualdade sem a por em forma jurídica.
NOTAS
94- “servir de contrepoids à la puissance publique, balancer l`Etat, par ce moyen assurer la liberté individuelle”.
Proudhon - Théorie de la Propriété, Paris, 1866, pág. 138.
95- “pour qu`une force puisse tenir en respect une autre force, il faut qu`elles soient indépendantes l`une de l`autre” Ibid.
96- “La puissance de l`Etat est une puissance de concentra-tion; donnez-lui l`essor, et toute individualité disparaîtra bientôt, absorbée dans la collectivité... la propriété au rebours est une puissance de décentralisation.”
“Par la fonction essenciellement politique qui lui est dévolue, la propriété, précisément parce que son absolutisme doit s`opposer à l`Etat, se pose dans le système social comme libérale, fédérative.”
Ibid., pág. 144.
97- “appropriation par un seul du fruit du travail de plusieurs”. Toda a Primeira Memória sobre a propriedade trata abundante-mente desta questão.
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