domingo, novembro 20, 2005

O TEMA DA ACÇÃO NA CORRESPONDÊNCIA DE PROUDHON

Esta contribuição terá como objectivo desmontar a mensagem política que Proudhon pretendia transmitir aos seus correspondentes. Começarei com uma nota de ordem geral: nota-se uma curiosa discrepância em Proudhon entre o seu envolvimento na acção e a reflexão sobre a acção.
É deste modo que, durante o período que se estende da Revolução de Fevereiro de 1848 ao golpe de Estado de 2 de Dezembro de 1851, no momento em que Proudhon se encontrava preso na tormenta revolucionária, regista nos seus apontamentos, notas sobre os acontecimentos em curso, troca apreciações, com os seus correspondentes, mas, paradoxalmente, mantém-se discreto quanto ao problema da acção; em 1848 ocupou mesmo um lugar como deputado, durante um breve período foi verdadeiro, e curiosamente, foi precisamente nesta época que as suas reflexões sobre a filosofia política foram as menos intensas e ricas. Do mesmo modo, torna-se necessário esperar pelos anos de maturidade para descobrir na sua correspondência desenvolvimentos significativos relativamente ao seu programa político. O próprio Proudhon estava consciente do fenómeno e atribuí-lo à letargia que impugnava o exercício do poder: “A razão dessa situação é o idiotismo parlamentar do qual se atenta neste isolador que é a Assembleia Nacional”, escreveu Proudhon nas suas Confissões de um Revolucionário. Qualquer que seja a razão, a sua correspondência manifesta várias inclinações do desejo de se distanciar da política e da recusa de servir de figura de chefe de partido, na sua óptica, política e reflexão são incompatíveis, e as suas ambições reportam-no mais para a filosofia. Proudhon vê nas grandes figuras políticas do seu tempo, relativamente àqueles para com os quais não demonstra nenhuma benevolência e que acusa de agirem antes de reflectirem, a confirmação da sua tese segundo a qual o exercício do poder amesquinha a reflexão. É assim que acusa Garibaldi da sua incapacidade: “um grande coração se quiserem, escreveu em 1861 em Pilhes, mas desprovido de inteligência”. A revolução fez-se sem ideias. O tema da falta de princípios directores na política encontra-se como recorrente na correspondência de Proudhon. No mesmo ano, como resposta a uma carta do seu amigo Darimon, Proudhon faz a seguinte constatação:

Vejo pela vossa pequena justificação, confirmada pelos feitos, que se continua a viver nas Tulherias sem se pensar no dia de amanhã, fazendo-se a conservação e a inovação, do catolicismo e do filosofismo, do napoleanismo e da Santa Aliança. Princípios, ideias, um objectivo, não existem. Mas isso consome-se; o mundo não seguia assim, e mais cedo ou mais tarde entrega-se àqueles que sabem pensar, dizer e querer, esperando que estes actuem.

Antes de agir é conveniente reflectir. Mas como, tendo reflectido, passar à acção? Sem dúvida que é um filósofo e não um homem político que Proudhon aborda na questão da acção. Proudhon passou da política à filosofia. A crítica da política pelo filósofo passa por um debate sobre os conceitos que se erguem tanto na filosofia moral como na filosofia política, tais como os conceitos de acção, Proudhon não a desenvolve propriamente falando, está implicitamente contida na filosofia moral.
Seu grande sonho era ver triunfar o que apelidou de “verdadeira democracia”, “a democracia social”, e que não é mais que o “partido da federação”, por oposição à democracia dos “Jacobinos” no poder, que se inspiram no Contrato Social de Rousseau. “A liberdade, eis o meus sistema”, declara aos eleitores do Seine em 1848. Alguns anos mais tarde, sempre fiel ao seu princípio de liberdade, confessa a um correspondente suíço, que tudo é falso e fingido na política, excepto o que é conveniente à razão, à justiça e à liberdade. Afirmando a possibilidade de uma acção livre do homem, Proudhon inscreve-se decididamente num pensamento que recusa todo o fatalismo; o curso da história é feito pela acção do homem e não pela intervenção exterior. E portanto, para promover o seu “sistema de liberdade” que Proudhon consagra todos os seus esforços. A questão que se coloca é relativa à condição da possibilidade de execução deste programa. Esta questão, que estruturará a seguinte exposição, conduzir-nos-à à definição em primeiro lugar dos princípios da sua filosofia a fim de dar uma ideia geral da acção de Proudhon, depois veremos como a problemática da acção se insere no quadro da sua filosofia política da “liberdade”.

A dialéctica, verdadeira força do pensamento proudhoniano

O conjunto da obra de Proudhon só se compreende a partir da dialéctica, que a sustende e liga as diferentes partes. É a razão pela qual, antes de abordar explicitamente o problema da acção, recordaremos as grandes linhas da sua dialéctica.
No ano de 1840, a leitura de Kant revela a Proudhon a grande tarefa filosófica a realizar. O objectivo a que se propõe, como ele próprio precisa numa carta ao seu editor Guillaumin, é o de “procurar a lei geral que governe toda a ciência, e por conseguinte, a própria sociedade. Trata-se de uma lei superior, lei da natureza e da nossa inteligência, que restitua igualmente a razão da ordem e da desordem das sociedades”. O seu objectivo é de atingir a “reconciliação universal”, precisa ainda numa outra carta escrita a Guillaumin. Procura estabelecer um sistema que acerte, não sobre os princípios que, como no sistema kantiano, serão apenas demonstrados “como leis de espírito, não como leis de objectos”, mas sobre princípios indagados aquando da leitura das antinomias kantianas e que designa com o termo “série”, em vez de “lei da natureza e do pensamento”; trata-se por outras palavras de ultrapassar o suposto subjectivismo kantiano e de operar a reconciliação com o real. A ideia que um mesmo princípio possa gerir a natureza, o pensamento e a sociedade supõe uma homogeneidade entre as diferentes esferas da realidade, as quais, segundo Proudhon, “formarão um todo harmonioso”.
A lei da antinomia revela-nos que esta “oposição (é) inerente a todos os elementos”. O universo tal como a sociedade são formados por uma pluralidade de forças antitéticas irredutíveis e é do choque das contradições que resulta a vida. Mas, em virtude desta oposição que lhe é inerente, estas forças destruir-se-iam, se a fase da “contradição universal” não fosse ultrapassada. Para que a oposição se torne “fecunda como a vida”, é necessário que a antinomia se transforme e gere, segundo os termos do projecto exposto por Guillaumin, uma “reconciliação universal”. Este texto revela-nos que, se Proudhon procura uma solução para o conflito nascido da oposição “inerente a todos os elementos”, não se poderá suprimir uma das duas forças, a sua intenção é encontrar uma solução que os reconcilie a todos: “os termos antinómicos resolvem-se tanto como os pólos opostos de uma pilha eléctrica, não se destroem”, escreveu na sua Teoria da propriedade, “o problema consiste em encontrar não a sua fusão que será a sua morte, mas o seu equilíbrio, sem cessar a inconstância, variável consoante o desenvolvimento da sociedade”. A noção de equilíbrio que se opõe à de síntese hegeliana, constitui toda a originalidade do modelo proudhoniano de dialéctica. Este equilíbrio que preconiza Proudhon não é um equilíbrio estático, estabelecido definitivamente, mas dinâmico, constantemente susceptível de ser posto em questão por novos choques e novas oposições.
Segundo Proudhon, todas as forças em oposição são em igual modo necessárias ao equilíbrio global: elas limitam-se e corrigem-se mutuamente. O carácter irredutível dos elementos antitéticos indica uma outra conexão de coordenação e não de subordinação. Estando demonstrado que o interesse de Proudhon o leva acima de tudo para uma filosofia prática, é a aplicação da lei da antinomia no domínio da filosofia política que retém a sua atenção. A solução ao problema social não consiste em suspender as antinomias, mas a equilibrá-las; o Estado proudhoniano, fundado sobre a noção de equilíbrio, será igualmente igualitário e pluralista. Este será um Estado de homens livres e iguais. Em 1848, Proudhon anunciava aos seus leitores que o seu “sistema” era aquele da “liberdade”, em 1860, nomeia esta estrutura do Estado integrativa mas não hierarquizada, baseada no mutualismo, no “federalismo”. “Quem diz liberdade, diz federalismo ou não diz nada”, escreveu em 1862 no Princípio federativo. No mutualismo, os homens vivem igualmente e realizam contratos uns com os outros, que apenas são garantidos por uma obrigação moral. Este sistema mutualista, confere um papel privilegiado, até mesmo exclusivo, às relações verticais, responde exactamente às conclusões necessárias para alcançar, numa sociedade, e a atenuar a falta de mecanismos auto reguladores para aplanar os conflitos. A dialéctica não tem portanto como objectivo, a simples constatação de que existem antinomias, variedades na totalidade social; ela mostra que o único caminho possível, no campo social, para alcançar a “reconciliação universal”, é o federalismo.
Visto que “é da contradição” que resulta “o movimento do universo”, resta-nos ver como o problema da acção se enquadra na teoria dialéctica e como se articula relativamente à temática da liberdade.

O lugar da acção na temática da liberdade

Sendo a lei da antinomia por sua vez a “lei da natureza e da nossa inteligência”, o pensamento apenas se pode exercer onde existe oposição: “toda as nossas ideias elementares são antinómicas”, escreveu. O pensamento é um produto “da síntese de duas forças antitéticas, a unidade subjectiva e a multiplicidade objectiva”, seja da síntese do Eu e do Não-Eu. O tema da acção tem a sua origem na própria essência do homem. O homem apenas pode agir quando confrontado com algo que o contradiz. “A condição por excelência da vida” no homem “é a acção (…). Porém, o que é o agir? Para que haja acção, exercício físico, intelectual ou moral, é necessário um meio em contacto com o sujeito que age, um Não-Eu que se coloca antes do seu Eu como um local e matéria de acção, que lhe resiste e o contradiz. A acção será portanto uma luta: actuar é combater”. O pensamento, que, na qualidade de “exercício intelectual”, é uma forma de acção, é ao mesmo tempo a reprodução, numa forma antinómica, da antinomia que sustende toda a vida prática do homem.
Lei da vida natural, lei da vida intelectual e prática, a antinomia é igualmente lei da vida moral e social. “Ser organizado, inteligente, moral e livre, o homem está em luta, isto é, relativamente à acção e à reacção, em primeiro lugar com a natureza. (…) Mas o homem não se relaciona apenas com a natureza, encontra também no seu caminho outros homens”, e em virtude da sua essência de “ser inteligente, moral e livre” cuja “condição por excelência”, é a acção, o homem deve de necessariamente opor-se ao homem; ele encontra-se assim numa relação de luta com todos os homens que compõem o campo social. À semelhança da esfera natural, a esfera social é composta por uma pluralidade de forças antitéticas irredutíveis, onde a vontade de cada homem constitui uma força.
Ainda que, na natureza, o equilíbrio das forças pareça fazer-se segundo um processo necessário, cabe ao homem o papel de equilibrar artificialmente as forças que opõem na sociedade. Para escapar ao caos que resultaria deste afrontamento, a sociedade não possui um mecanismo de auto regulação que estabelecerá o equilíbrio; a solução encontra-se nela. Como explica Proudhon a Charpentier: “Todas as forças que constituem a sociedade (…) combatem-se e destroem-se se o homem, pela sua razão, não encontrar o meio de as compreender, de as governar e de as manter em equilíbrio”. É o homem que, graças ao uso que dá à sua razão, é responsável pelo equilíbrio social, apenas ele é mestre do seu destino.
O programa preconizado por Proudhon apresenta um duplo aspecto, teórico e prático. Trata-se, em primeiro lugar, de compreender o princípio de oposição entre as forças e apelar a uma lei única do espírito humano de todos os feitos de ordem e desordem; em segundo lugar, passar à prática esta lei através da arte de governar, cujo segredo reside na noção de equilíbrio. A solução ao problema social depende do uso que o homem faz da sua liberdade, e não de uma força natural que intervirá do exterior e que determinará fatalmente o curso dos acontecimentos.
Colocando a tónica na responsabilidade do homem na construção criativa da sociedade, Proudhon faz da sua filosofia, uma filosofia da liberdade. A sua confiança na capacidade do homem de “estudar a sua razão” e de usar correctamente a sua liberdade, traduz um certo optimismo relativamente à evolução da sociedade; no entanto, o progresso, ligado à marcha da sociedade em direcção ao federalismo, não se regista de uma forma linear na história. Ainda que o movimento da história siga uma curva ascendente, está submetido, pela sua natureza dialéctica, a oscilações; fases de regressão são sempre possíveis. O progresso só é possível quando o homem é capaz de recuperar dialecticamente os momentos históricos negativos, de equilibrar as forças antinómicas no presente. Logo, segundo uma equação querida a Proudhon, estabelecer o equilíbrio, é estabelecer a justiça. O homem vai, portanto, orientar a sua acção com vista a reinar a Justiça, cuja ideia, tal como a lei moral, se encontra inscrita no mais profundo da sua consciência. A lei moral e a ideia de justiça são iminentes, estas não podem ser impostas exteriormente, nem sancionadas por uma terceira pessoa. Proudhon reconhecia um valor absoluto à liberdade humana.
Expressão da justiça na sociedade, o direito é admitido para nivelar os diferendos e estabelecer o equilíbrio. A dialéctica da história é teologicamente orientada para a instauração de um sistema jurídico igualmente justo para todos. Proudhon recusa ao estado todo o direito de coação e situa o princípio de obediência ás leis como algo que temos de impor a nós mesmos.
O direito define-se a parir da ética e não da política. A história é o produto da acção livre do homem, na medida em que, é o ser moral e livre, guiado pela ideia de uma “justiça absoluta”, que é o sujeito da história, não há uma única maneira de ser livre e a história possui um sentido que a conduz em direcção ao federalismo.
«Passarão séculos até que (a ideia do governo humano) seja atingida, mas a nossa lei caminha nessa direcção, para nos aproximarmos sem desistir do objectivo; e é do mesmo modo que sustento o princípio da federação». Percebe-se pelo tom desta carta ao seu amigo Milliet, o quanto Proudhon se empenhou para promover o princípio da federação. Ele estava consciente que a sua época não se encontrava pronta: «Profundamente desgostoso da estupidez demagógica, escreveu, não espero mais que o progresso da opinião, e da convicção dos homens de boa vontade. Trabalhei portanto com vista a este progresso (…). Não é verdade que toda a inteligência revolucionária foi extinta por aqueles que são classificados para representar a revolução?», é por isso que Proudhon estima o seu papel de pedagogo primordial. A acção apenas faz sentido na medida em que seria capaz de mudar a sociedade, ela torna-se inseparável de um proselitismo político e moral.

O tema da acção na correspondência

Acabámos de ver que o destino do homem é realizar a sua liberdade, quer isto dizer de agir, e é em virtude da sua dignidade e da obediência ao imperativo da sua vontade particular que o homem realiza o que é justo e moral.
A filosofia prática supõe a existência, de um mundo exterior ao Eu pensante, no qual a vítima tenta inscrever os seus fins. A “praxis” poderá ser definida como a actividade humana de transformação da realidade social e do homem; ela é o fim da actividade teórica; o conhecimento deixa de ser contemplativo e inscreve-se num projecto de transformação da sociedade através do qual o homem procura soluções para os problemas que surgem na sua vida social. Para Proudhon o saber cientifico tem como objectivo responder à falta de acção, como o sublinha na carta a Darimon, citada no início desta peça: “Princípios, ideias, um objectivo, não existem mas, consome-se; o mundo não se guia assim, e mais cedo ou mais tarde entrega-se aos que sobem pensar, dizer e querer, esperando que estes actuem”.
Contudo, o controlo deste mundo exterior no qual o Eu - pensante tenta inscrever os seus fins escapa-lhe. A política é conduzida por políticos, que Proudhon não hesita em classificar frequentemente de demagogo, e que são escolhidos por um povo de revoltados, sendo cada um mais inculto que o outro. No dia seguinte ao golpe de Estado de 2 de Dezembro, Proudhon escreve sob os impulsos da cólera:
Apliquem a lei do progresso a estas massa populares, incapazes de disciplina e consciência, inacessíveis ao sentido moral, entusiasmados apenas quando já não existe perigo, pela bajulação do orgulho e do egoísmo. Que já não se gabe a panaceia do sufrágio universal.
A chegada do povo à cena política constitui, aos seus olhos, um verdadeiro perigo à democracia. O poder popular e a liberdade são inversamente proporcionais. O povo continua inactivo e incapaz de distinguir onde se situam os seus interesses. Proudhon fustiga a volubilidade dos tolos que levaram ao poder um Luís Napoleão Bonaparte. Afinal de contas, por esta escolha eleitoral, esta «falsa democracia», segundo os seus termos, torna-se o suporte do regime imperial. Apenas vê, com efeito, na instauração do sufrágio universal uma manobra eleitoral, uma “comédia” para enganar o povo. À demagogia ele substitui a educação: «se devemos trabalhar para a educação das massas, não é de bajulação que necessita neste momento, mas de verdadeiras reprimendas». Este novo papel do povo na política levanta uma questão sobre o poder a atribuir às massas populares e coloca o problema da governabilidade. Proudhon opta por limitar a participação popular; prefere determinar juridicamente os limites de acção do povo e fazer do direito a condição de reconhecimento reciproco das liberdades individuais: «Não servimos a omnipotência da multidão, trabalhamos pela sua emancipação para o direito e pela liberdade.
Um dos outros grandes temas omnipresentes na sua obra é o da corrupção moral da época.
O mal chega ao cúmulo, (…) o cataclismo das imoralidades modernas ultrapassam-nos, não poderemos fazer nada nem pela acção, nem pela publicidade, e tudo o que despontam no nosso espírito.
Face à degradação da sociedade, Proudhon apresenta-se como um guarda do verdadeiro pensamento revolucionário;
Nós somos a REVOLUÇÃO (…). É para que se abuse desta palavra sacramental, (…), mas cabe-vos a nós dar-lhe o seu verdadeiro sentido. Nós somos a democracia e o socialismo.
Para Proudhon, a acção implica uma revolução espiritual; ela apenas tem valor pela sua capacidade de modificar a sociedade. Proudhon insiste no facto de que não se pode confundir a acção de um revolucionário que sabe a significação do futuro histórico, com agitação revolucionária das massas de revoltosos cuja acção apenas engendra ao “empurrão” e à desordem improdutiva.
É o que explica numa carta a Edmond:

Oh! Bem sei que ainda nos censuram, a vós pobres pensadores, por apenas sabermos o que dizer, mas que nada falemos! Como se por acaso, a agitação revolucionária que viram, fosse a acção! A acção, sabei-lo então, é a ideia; não será verdade que é na consequência da ideia que tudo se executa? Não será que, por exemplo, é pelo antagonismo à teoria anárquica, anticatólica e anti proprietária, que se realiza tudo o que vedes? Consequentemente não é claro que a revolução delineia-se cada vez mais nos termos por nós colocados? E assim, do mesmo modo trabalhamos para aumentar dirigir a corrente de ideias libertadoras: eis a acção. Quanto à execução, cada um de nós tomará a parte que mais convier.
O fim visado por Proudhon não é directamente assinalável, mas pressente-se pelo tom da sua carta, que em virtude da lei dialéctica, a história evolui inexoravelmente em direcção ao federalismo; contudo o progresso da humanidade não se estabelece por si só, apenas se pode fazer pelo preço de um esforço, de uma luta para equilibrar os elementos em oposição.
Proudhon não considera a agitação revolucionária como um meio de reforma social, preferindo uma solução fora dos combates sangrentos. Pela educação, é necessário convencer os homens da obra de transformação da sociedade e deles mesmos. A filosofia torna-se o instrumento da acção revolucionária. É à construção de uma nova sociedade que homem de acção consagra os seus esforços. A acção encontra a satisfação num mundo onde a oposição torna-se impossível. O pensador não saberia contentar-se com «começar um movimento de depuração (…) que poderá igualmente terminar na regeneração da razão e da consciência democrática.». é deste modo que multiplica os argumentos contra a encosta do racionalismo, que constitui aos seus olhos um verdadeiro perigo para a democracia e a paz na Europa:
É necessário «uma revolução mais radical, que faça desaparecer, com os grandes estados, todas as distinções doravante sem fundamentos de nacionalidades, que não são mais que, uma retrogradação, e dentro das normas, um “sempre-em-pé” com ajuda do qual um partido de integrantes se esforça, por fazer da revolução social uma diversão. Eis, como amigo Herzen, qual o meu pensamento e a minha política, e espero partilhá-la com a melhor fracção da nossa democracia. Toda e qualquer outra táctica parece-me servir exclusivamente a causa dos déspotas e precipitar a Europa para um duunvirato dos Holste - Gottorp e de Bonaparte, através de guerras e massas que durante séculos destruirão o povo que resta do espírito livre na Europa.
Agravando o sentimento de pertença de uma nação, o princípio de racionalidade vai ao encontro da ideia de equilíbrio ao qual Proudhon aspira. Sem dúvida que Proudhon quis jamais ser considerado como um utópico, e, num dos seus últimos textos, sublinha com força que deve ser tomado como um dos reformadores mais envolvidos na prática: «sereis um dia surpreendidos para aparecer, depois de termos entendido e suposto vocês mesmos, as minhas opiniões que eu sou um dos maiores “operários” de ordem, um dos progressistas mais moderados, um dos reformadores menos utópicos e mais práticos que existem.»
Mais que um rebentar de um golpe, Proudhon procura uma solução fora do que ele chama, numa das suas cartas a Marx, os “abanões revolucionários”:
Quero também fazer-vos algumas observações sobre esta expressão da vossa carta: no momento da acção. Podereis conservar ainda a opinião que nenhuma reforma não é actualmente possível sem um auxílio, sem ao que se apelava outrora de revolução, e que é apenas singelamente uma agitação. Esta opinião, que eu concebo, que executo, que discutirei de boa vontade, que tenha eu mesmo favorecido, confesso-vos que os meus últimos estudos levantaram-me as forças por completo. Creio que não temos necessidade disso para triunfar, e que em consequência, não deveremos colocar a acção revolucionária como um meio de reforma social, porque este pretendido meio seria simplesmente um apelo à força ao arbitrário.
Falando dos seus últimos estudo, Proudhon faz precisamente alusão à sua dialéctica. O equilíbrio é esta ideal prática à qual Proudhon aspira e que sonhava ensinar ao povo. A moderação e o equilíbrio são as palavras de ordem do seu programa. Terminarei com um extracto de uma carta a Beslay, onde se encontra resumido o espirito do seu pensamento dialéctico, que não procura mais que alcançar a «reconciliação universal pela contradição universal: «vereis que depois de ter mantido durante dez anos o papel de revoltado, rebelde, manterei o de conciliador».

4 - Conclusão

A mensagem política que se depreende na correspondência de Proudhon apenas se compreende tendo como referência a sua concepção de dialéctica. A ideia fundamental da sua teoria é a de que a lei universal da antinomia governa a natureza, o pensamento e a sociedade. É da oposição “inerente” a todos os elementos que compõem o mundo que “nasce” o movimento e a vida. E, como o seu interesse o leva até à filosofia prática, é a aplicação desta lei na sociedade que retêm a sua atenção. O homem apenas se torna activo quando reage a algo que se lhe opõe, a acção é antes de mais uma luta social.
Todavia, como o seu objectivo é de atingir a “reconciliação universal pela contradição universal”, trata-se de criar um estado de equilíbrio integrante numa totalidade hierarquizada de todas as forças em oposição. Na natureza, este processo de equilíbrio realiza-se mecanicamente, na sociedade é na liberdade do homem. Sustentada por uma ideia de justiça que é incumbida esta tarefa. O estado “federalista” ou “mutualista” a instaurar será um estado de cidadãos livres e iguais, fundados sobre o pluralismo e o igualitarismo.
É assim que no forte da sua teoria filosófica, Proudhon deve num 1º tempo de transformar radicalmente a sociedade opondo-se às linhas directrizes da política do seu tempo. A crítica da política, que se poderá restaurar na 1ª parte do programa, colocando em evidência a “contradição universal”, sustem sobre a traição das ideias da revolução de 89. A falta de moral e de objectivos nos homens políticos introduziu desequilíbrios na sociedade favorecendo por exemplo a subida do racionalismo, ou concedendo o sufrágio universal a um povo ainda imaturo. Este desequilíbrio conduz a sociedade ao regresso do imperialismo. O objectivo a que Proudhon se propõe é de levar a sociedade ao equilíbrio, de atingir a “reconciliação universal”. Esta transformação não se deve fazer de forma violenta; a solução ao problema encontra-se na “regeneração da razão e da coincidência democrática”; pela educação do povo.

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