Seria certamente falacioso imaginar o prolongamento de uma “influência” directa da obra de Proudhon nas ciências sociais actualmente. Um conjunto teórico também contestado, rejeitado nos estudos académicos, não pode, apesar dos 138 anos, constituir em legado fielmente transmitido e repetido.
As ciências sociais, e particularmente a sociologia, são, pelo contrário, reformuladas através das rupturas que eram simultaneamente rejeições aparentes da problemática proudhoniana. A ruptura de Durkheim, que foi tão importante para a história das sociologias em toda a primeira metade do século XX, é operada contra os filósofos sociais e as suas ambições excessivas. As críticas severas de Durkheim ao olhar de Auguste Comte ou de Herbert Spencer atingiram também, por alusão, os filósofos da história e os filósofos sociais nos quais Proudhon podia ser suspeito. Por outro lado, a ruptura no que diz respeito ao método de procura circunscritos e fragmentados, destruía as audácias intelectuais doravante rejeitadas no domínio das ideias políticas. Enfim, a forte difusão do marxismo operou uma poderosa pressão para combater as teses proudhonianas.
Assim também, os sociólogos franceses contemporâneos não tinham sido trazidos a contar Proudhon entre os seus mestres a pensar, apesar dos esforços de Célestin Bouglé depois de Georges Gurvitch. Entre os autores do século XIX e do principio do século XX, estas são sobretudo as obras de Marx, de Weber e de Durkheim que substituíram este papel. Proudhon estava largamente ausente da formação dos sociólogos ao mesmo título que Tocqueville ou Le Play e para as razões diametralmente opostas.
Ora, nós apercebemo-nos, nas sociologias contemporâneas, de um paradoxo singular. Se a obra de Proudhon é pouco presente, ao nível das referências explícitas, é impressionante ver surgir os temas, as questões e também as respostas que têm os caracteres de uma repetição de temas e de questões formuladas nos escritos de Proudhon. Mas estas reconquistas não são de modo algum idênticas nas diferenças sociólogas actuais, como tão, implicitamente, se perseguiram os debates, as aprovações e as rejeições, no que diz respeito às teses da anarquia bisontina.
Duas questões colocam-se-nos portanto e que nos querem tratar sucessivamente. Primeiramente, quais as sociologias que reencontram as questões ou os objectos de estudo abordadas por Proudhon ou certas teses? Esta interrogação conduz-nos a examinar nestes quatro sentidos paradigmas contemporâneas: o estruturalismo genético, a sociologia dinâmica, a aproximação estratégica e individualismo metodológico (66).
Seremos levados a sublinhar de que modo estes diferentes paradigmas se opõem nestas relações que podemos reconstituir com a obra proudhoniana.
A resposta à segunda questão será muito mais difícil. Na medida onde temos colocado em evidência a presença dos temas proudhonianos em certos trabalhos sociológicos contemporâneos, como podemos explicar a presença do esquecimento? Sem dúvida não poderemos propor, sobre este assunto, mais que hipóteses.
Sem procurar estabelecer aqui uma lista exaustiva dos pontos de aproximação e de afastamento entre os trabalhos de Pierre Bourdieu e os escritos de Proudhon, é preciso sublinhar bem que as análises de Bourdieu – e é um ponto que os vai distinguir de três outras escolas que nós evocaremos – conduzem a destacar, como junto de Proudhon, a divisão social em classes sociais. Os inquéritos que dizem respeito às práticas culturais (67), às desigualdades no sistema educativo (68) ou as estratégias de distinção (69), convergem para explorar em todas as suas consequências os efeitos, sobre os comportamentos e as representações, desta divisão da sociedade em classes e de dependência dos indivíduos a uma destas classes.
Mais, qualquer que seja a distância entre as concepções das classes junto dos autores, deve-se sublinhar que o esquema terciário de Proudhon, distinguindo a classe burguesa, a classe média e as classes operárias (70), encontra-se no termo dos inquéritos de Pierre Bourdieu que conduzem a distinguir a grande burguesia, a pequena burguesia e as classes populares (71).
Esta aproximação, apesar das diferenças e divergências, está carregada de consequências e inscreve Proudhon e P.Bourdieu numa certa tradição sociológica na qual a originalidade é sublinhada pelos debates que o cercam fortemente hoje em dia. Nesta tradição que se pode qualificar de “classista”, no sentido em que ela sublinha a existência das classes enquanto realidades sociais, é também suposto que um certo conhecimento da totalidade social é acessível e que uma “ciência” pode ser constituída sobre esta realidade. Esta intuição fundamental atravessa a obra de Proudhon, que não dúvida que se possa aceder a este saber, como o de P.Bordieu que repreende esta premissa. E esta totalidade é conhecida através das suas divisões essenciais, através da “guerra” que opõe os proprietários e os não-proprietários (72), ou, através das lutas de distinção que opõem as diversas classes sociais (73). Em grandes traços, pode-se dizer que a sociologia de Pierre Bourdieu e dos seus colaboradores inscreve-se nesta grande tradição classista inaugurada por Saint-Simon, Proudhon e Marx, que concebe a sociedade como um sistema de classes antagónicas e como um total conhecimento através desta grelha de interpretação.
Nesta ampla tradição, os trabalhos de P.Bourdieu afastam-se fortemente da economia marxista quando eles se atrasam pouco sobre os caracteres económicos das diferentes classes e concentram as procuras sobre a própria cultura de cada classe, sobre as representações e as conduções simbólicas, acordando assim a maior importância aos benefícios de sentido e às dominações simbólicas.
P.Bourdieu reencontra assim um movimento de pensamento próximo do de Proudhon no que diz respeito à mesma concepção das classes sociais. Com efeito, mantendo tudo uma definição economista das classes nos termos de oposição entre proprietários e não-proprietários, Proudhon conclui que cada classe renovaria a sua própria cultura, os seus costumes, seus valores e também as suas ideologias (74). O conceito de habitação proposto por P.Bourdieu para designar os modelos de percepção e de prática, transmitidos ao sujeito, interiorizados, e fontes das reproduções pelos agentes das diferentes classes não é, certamente, um termo proudhoniano, mas corresponde bem às indicações de Proudhon sobre a transmissão e a reprodução das culturas de classe. E, mesmo que ele insista sobre as ilusões colectivas, sobre a importância das religiões, por exemplo, nos comportamentos e na renovação da hierarquia social, as análises de P.Bourdieu reencontram simbologias consideradas como um elemento maior das desigualdade sociais e da sua reprodução.
Um debate encontra-se portanto aberto a partir das premissas comparáveis e vai conduzir a uma oposição viva sobre os pontos de desacordo. Efectivamente, a questão que percorre toda a obra proudhoniana é seguramente a da acção política das classes operárias, questão que encontra a sua resposta na Capacidade política das classes operárias quando são claramente analizadas as condições que permitirão às classes dominadas emancipar-se a dominação capitalista (75). Sobre este ponto decisivo que retine sobre toda a concepção das classes, mas também sobre toda a interpretação da acção social, a resposta de P.Bourdieu, fundada sobre os diferentes trabalhos e inquéritos, é, pode-se dizer, aos antipodas das análises e das tentativas de Proudhon. Na visão dinâmica, mas também “operária” de Proudhon, creditando as classes “operárias” de intensas potencialidades revolucionárias, P.Bourdieu responde por uma análise das classes “populares” sublinhando sobretudo a desapossessão cultural e a ausência dos meios simbólicos de acção contra a exploração das quais elas são vítimas. Tudo se passa como se estas classes operárias portadoras das potencialidades revolucionárias desapareciam da realidade histórica para não deixar subsistir que as massas deculturadas nas quais Proudhon tinha assinalado a presença, não sem inquietação.
A oposição nesta análise encontra-se confirmada por duas respostas, opostas sobre o problema do determinismo. A resposta relativamente optimista de Proudhon que, não sem hesitação, eleva as margens da liberdade e do indeterminismo das condutas humanas, P.Bourdieu opõe uma resposta céptica insistente nos benefícios da força, no peso das desapossessões, no poder dos aparelhos de reprodução.
Não admira portanto que P.Bourdieu cita bastante os escritos de Proudhon. Estas citações sugerem bem a existência de uma problemática comuna sobre as classes, sobre as relações de dominação, os benefícios de sentido, mas elas conduzem sempre a uma denunciação polémica chamando as apóstrofes de Marx e rejeitando Proudhon nos subterfúgios da pequena burguesia (76).
A segunda grande corrente da sociologia actual, a sociologia dinâmica, vai conduzir a todas as outras conclusões e a uma forte reavaliação da obra de Proudhon. Por este termo de “sociologia dinâmica” proposto por Georges Belandier, entendemos um conjunto considerável de trabalhos que colocam no centro das suas procuras o estudo das mudanças, das mutações, dos movimentos sociais, so tornar as sociedades. Os trabalhos de Georges Belandier, Alain Touraine, Cornelius Castoriadis, Jean Duvignaud, por exemplo, inscrevem-se nesta longa dependência do domínio feudal (77).
Estas procuras interrogam, não só as produções e os determinismos, mas a natureza e a extensão das transformações sociais, não só pelos níveis económicos ou políticos, mas a todos os níveis e em todas as dimensões do social, reencontrando assim o grande questionamento de Proudhon. E, contrariamente a uma inspiração evolucionista simbolizada por Auguste Comte ou Herbert Spencer, estas sociologias actuais não se referem nem a uma teoria do progresso nem a uma filosofia de história. Como próximo de Proudhon, se a mudança é uma evidência e o objecto da reflexão, ele não é reduzido a uma imaginação do progresso ou a um historicismo. É preciso interrogar as mudanças e o seu sentido recusando as ilusões escatológicas e sem negar as possibilidades de decadência (78). O futuro permanece aberto às progressões e às regressões (79).
Ele não é excluído, contrariamente aos filósofos hegelianos ou marxistas, que estas mudanças, tão profundas sejam, façam aparecer as continuidades e as permanências antropológicas, e que assim surja o ecletismo de Proudhon procurando referenciar às vezes a permanência e as desordens sejam a via mais razoável para pensar exactamente e tomar a medida das mudanças.
O olhar antropológico, deleitando as permanências para melhor pensar na mudança, encontra perfeitamente a sua pertinência nesta perspectiva. Georges Belandier, desempenhando as linhas de força de uma antropologia política e analisando as tensões que, aos seus olhos, atravessam todas as sociedades possíveis, reencontra, pode-se dizer, uma inspiração proudhoniana que não está nem fascinada pelas repetições nem fechada na ilusão do progresso, mas atenta a apanhar à vez o permanente e a mudança, o antropológico e a história (80).
Nesta concepção de mudanças, “a ordem social” deixa de ser um termo enfeitiçado e uma imagem da perfeição.
O sentido proudhonismo da desordem reencontra uma singular actualidade depois de tantas ilusões da ordem, seja questão das escolas conservadoras seja das escolas ditas revolucionárias. Para estes sociólogos das mudanças, como para Proudhon, a desordem não é necessariamente e somente destruidora; é preciso reconhecer o feito da desordem em ordem (81). A desordem não é, nesta perspectiva, um valor negativo, e a questão coloca-se em saber como se realizam as passagens e as transições entre a ordem e a desordem.
Mais, a noção de ordem, como a da estrutura, é, nestas sociologias, o objecto de uma avaliação crítica. Duvida-se aqui que as estabilidades, as estruturas, a ordem, sejam as dimensões vivas do social suspeita-se voluntários que o feitiço da ordem renovada das ilusões inocentemente conservadoras. Sugere-se que a vida colectiva só se consagre na ordem e que, pelo contrário, o máximo de vida colectiva supõe o pluralismo, a diversidade, as iniciativas individuais e colectivas e que a verdadeira vida social é assunto desta multiplicidade de acções.
Uma desconfiança essencial aproxima portanto estas sociologias dinâmicas de inspiração proudhoniana: a desconfiança aos olhos das hierarquias e das estruturas estáticas. Ele seria, certamente, bem excessivo em qualificar de anarquistas as sociologias dinâmicas, mas elas renovam a desconfiança fundamental do proudhonismo aos olhos de toda a esclerose social e, exemplarmente, ao olhar das hierarquias. Como Proudhon, estas sociologias têm tendência a suspeitar em toda a hierarquia do resultado provisório de benefícios de força e um risco de imobilismo destruidor. Esta desconfiança coloca-se, em particular, sobre as estruturas estáticas, naturalmente consideradas como o símbolo da esclerose e da repressão (82).
Uma questão fundamental coloca-se para estas sociologias das mutações, as de saber como explicar estas mudanças e a partir das questões essenciais. Lá ainda, estas sociologias retomam as críticas proudhonianas aos olhos das respostas simples e, particularmente, ao encontro dos estatismos.
Com efeito, Proudhon, proclamando tudo, mantêm as renovações, a importância das transformações económicas, é vigorosamente céptica ao olhar das teorias redutivas fazendo das únicas estruturas económicas e da sua evolução as leis da história. E, mesmo, ele não se contenta com as teses de Comte sobre o papel exclusivo das “ideias” e dos filósofos. E, bem entendido, toda a sua crítica anarquista denuncia a ilusão segundo a qual as únicas forças políticas ou estáticas, e, menos ainda, os grandes homens, seriam os grandes agentes de história.
Como Proudhon, as sociologias das transformações não têm resposta unilateral a esta questão de explicação e, a exemplo do autor do Sistema das Contradições (83), elas têm tendência a desconfiar das respostas dogmáticas sobre este assunto. Atentas à complexidade das transformações, elas multiplicam as aproximações e as respostas, reencontram, nestas nuances, as respostas diversas que Proudhon avançara e que podiam parecer confusas a estes contemporâneos. Os conceitos de contradições, sistemas de contradições dialécticas, antagonismos, oposições, resistências… que puderam parecer inutilmente complicadas aos leitores ávidos de respostas simples não deixaram de ser retomadas no vocabulário de sociologias atentas à inesgotável complexidade do real.
A noção de conflito é, para estes sociólogos, como era para Proudhon, uma noção maior de análise. O conflito económico nas relações entre o capital e o trabalho é amplamente reencontrado e sublinhado. Mas, este antagonismo não é de modo algum considerado como exclusivo. Como Proudhon o tinha bem sublinhado, o exercício dos poderes e das dominações não é menos gerador de conflitos e de resistências.
Elogiando-se resolutamente o economismo, estas sociologias dinâmicas estão atentas à pluralidade das contradições, dos antagonismos, das resistências, quer elas sejam de ordem económica, social, cultural ou simbólica. Os conflitos sobre as ideias e sobre os valores não são simples epifenómenos nos quais uma análise económica descobriria as fontes verdadeiras, mas bem os elementos de história mesmo que os sistemas simbólicos são uma dimensão das práticas sociais. Estas sociologias reencontram a intuição proudhoniana que faz da palavra um acto, e do acto um sentido: como escrivia Proudhon em 1849, “Agir, é sempre pensar; dizer, é fazer” (84).
As sociologias de acção (85) são sem dúvida as que perseguem mais estreitamente o projecto proudhoniana. Elas estão, com efeito, atentas aos conflitos e às contradições, e, mais, colocam no centro da sua reflexão as práticas sociais e a sua condição de emergência. Logo que Alain Touraine se interroga sobre as condições pelas quais um grupo, uma categoria social, pode aceder à acção e manifestar-se como “movimento social” (86), ele reencontra estranhamente as análises de Proudhon em 1865. Na Capacidade Política das Classes Operárias, Proudhon coloca, efectivamente, a mesma questão: a de saber como uma classe real, objectiva, podia adquirir a “capacidade política” e portanto conduzir uma acção colectiva. Ele inaugura assim uma problemática tornada central nas sociologias modernas: a de saber como podia constituir-se e afirmar-se uma acção colectiva. E a sua resposta que teoriza a passagem da ecónomia à política pela consciência de identidade fixa, nos grandes tratados, uma resposta que está bem no centro das procuras contemporâneas.
Ele não está portanto surpreendido que a obra de Proudhon faça o objecto de uma leitura positiva no seio desta corrente de pensamento, mesmo se os detalhes dos seus escritos não façam o objecto de uma investigação devota da parte destas sociologias mais inquietas que analisar os fenómenos contemporâneos do que comemorar o passado. G.Balandier, depois G.Gurvitch, Alain Touraine, Edgar Morin, Claude Rivière sublinharam explicitamente esta filiação. Mais uma interpretação foi proposta pela obra de Proudhon que esboça uma explicação desta filiação teórica. Alain Toureine sugere, efectivamente, que duas tendências opostas teriam, depois do século XIX, dividido em classes operárias: uma, virada contra a organização de partidos e de sindicatos hierarquizados, e a outra virada contra a defesa da cultura operária e contra a acção operária autónoma. Proudhon teria sido o porta-voz desta segunda tendência e, por esta razão, o inspirador de uma sociologia de acção colectiva.
É preciso prosseguir a nossa investigação e examinar mais precisamente como uma certa sociologia organizações prolonga, parece-nos, o pensamento proudhoniano. Não se pretenderá obviamente que a sociologia actual repita, ou examine as análises do passado; a aparição de fenómenos novos proíbe suficientemente uma tal eventualidade, mas parece-nos que um espírito proudhoniano prossegue sem ambiguidade nas críticas modernas das escleroses organizacionais e das burocracias.
A questão de atelier, de empresa, como lugar de benefícios sociais específicos é bem uma questão essencial na reflexão de Proudhon. E se ele não satisfazia os apelos gerais a uma insurreição como os de Auguste Blauqui, é também porque ele estima essencial uma reforma radical das empresas elas próprias. Afirmar que a empresa deve substituir-se no governo, é simultaneamente colocar que a organização será o centro e o lugar fundamental da sociedade industrial. Logo que Michel Crozier sublinha que, na sociedade contemporânea, o feito determinante está bem constituído pelas organizações industriais e administrativas, ele reencontra uma preocupação central de Proudhon.
Desde o Sistema das Contradições, e antes das análises dos anos 1848-1851, Proudhon inaugura uma crítica veemente das organizações da sua época sublinhando o seu carácter hierárquico, escravizante para os produtores, e a ineficácia deste sistema opressivo. A sua crítica da desqualificação dos operários, no Sistema das Contradições, toma um vigor que ela não podia ter junto de Adam Smith e seus discípulos em que esta destruição de saberes e de competências está associada a uma visão revolucionária que a apresente como remediável. Esta crítica entende-se a toda a organização do trabalho que não é somente denunciada pela apropriação do capital que lá se realiza, mas pela sua estrutura de dominação que inscreve os benefícios de poder e de submissão na empresa. A extensão das burocracias que não deixariam de realizar uma revolução comunista teria, para Proudhon, caracteres catastróficos tanto para as liberdades dos trabalhadores que seriam destruídos como para a eficácia da produção: a burocratização da economia conduzia necessariamente à “miséria” (87).
Pode-se dizer sem paradoxos, que as análises de Michel Crozier no Fenómeno burocrático (88) tornar-se-iam de Max Weber a Proudhon. E, sem dúvida, convinha-lhe corrigir, sobre este ponto, as histórias da sociologia que fazem de max Weber o primeiro sociólogo da burocracia. Então, com efeito, quando Max Weber destacava a racionalidade das leis e regras burocráticas e não estava longe de fazer da burocracia o símbolo moderno da racionalidade, Proudhon delineava, pelo contrário, ineficácia. É o que Michel Crozier propõe analisar que coloca no centro da sua análise os pesos, as ineficácias, os insucessos da burocracia, e não o seu funcionamento dito racional (89).
Nesta perspectiva, o fenómeno burocrático não é uma fatalidade e uma certa des-burocratização é uma perspectiva realista. Proudhon, juntamente com Michel Crozier e seus colaboradores, não encaram a sociedade utópica sem organização nem regulamentação. Mas, de forma realista, eles estimam que os defeitos da burocracia (e particularmente da burocracia “à francesa”) (90), podem ser reduzidos por uma reorganização fundamental das organizações.
Não se pretenderá que as proposições das sociologias actuais das organizações reencontrem, por escritos, o anarquismo proudhoniano, e seria excessivo fazer uma tal confusão; mas é notável que o sentido geral das proposições reformadoras reencontrem estreitamente a inspiração proudhoniana e a dois níveis.
A nível geral da economia e da administração, um vasto acordo é feito sobre a urgência da descentralização, sobre a necessidade de quebrar as estruturas unitárias, fontes de desperdício, de ineficácia e de efeitos perversos (91). Os críticos que são contra a omnipotência do Estado, contra a expansividade sufocante das centralizações, renovam, com uma impressionante continuidade, as denunciações que Proudhon formulava desde 1846 quando ele afirmava que a centralização estática e económica conduzia necessariamente a ineficácia e à submissão dos produtores.
Ao nível dos benefícios sociais no seio da empresa, é marcante que os apelos de Proudhon é autonomia dos trabalhadores no seio daquilo que ele chama “as companhias operárias”, sua denunciação dos sistemas hierárquicos rejeitando os produtores na submissão e execução, tornaram-se actualmente os princípios de base das críticas aos olhos dos sistemas autoritários e despersonalizantes.
Sublinhemos bem que estas sociologias das organizações não reivindiquem qualquer dependência ao proudhonismo e que estes reaproximamentos que nós destacámos aqui não façam parte da sua argumentação. Este silêncio é, ele mesmo, significativo e nós teremos a propor uma interpretação.
Primeiramente, é preciso pararmos sobre o quarto paradigma que nós distinguimos: o individualismo metodológico. Esta última confrontação levar-nos-à para os elementos novos de reflexão.
Aos antípodas das sociologias de inspiração marxista, os sociólogos próximos desta corrente recusam toda a tentação de fazer noções como “as classes”, “os povos”, “as nações” das entidades às quais se prendia consciência e realidade (92). O princípio fundamental dos métodos individualistas, sublinha Raymond Boudon, é afastar obviamente estas entidades e as ilusões que aí se colocam, tomando por primeiro objecto de observação, como unidade de referência, que o indivíduo, seus comportamentos e suas escolhas. Afastando toda a concepção “holista” fazendo da sociedade uma totalidade transcendente aos seus partidos e impondo-se aos indivíduos, opondo-se também à ilusão de descobrir determinismos sociais, o individualismo metodológico teria vocação para estudar os comportamentos individuais e de observar a emergência das regularidades a partir das condutas e das opções individuais.
A crítica do marxismo, e mais particularmente da sua vulgata, é um alvo privilegiado deste paradigma individualista: crítica do conceito de classe social objectiva, das ilusões da “consciência de classe” e da luta das classes, das “leis” da história, de historicismo…
Confrontada a teoria proudhoniana, esta crítica é bastante clara, e permite caracterizá-la melhor e substituí-la mais claramente relativamente às sociologias contemporâneas.
Ao segurarem-se primeiramente as teorias gerais da “força colectiva”, da “guerra” de classes, da trilogia das alienações, não se pode duvidar que Proudhon pertença a esta querela aos defensores da sociologia anti-individualista. O conceito de “força colectiva” que ele elabora desde 1840 (93) é uma boa característica desta orientação que os partidários do individualismo metodológico poderiam qualificar de “sociologista”. Proudhon quer demonstrar, por este conceito, que a reunião dos trabalhos individuais produz uma realidade particular, uma força real, que não se reduz à soma dos contributos individuais. E, sendo este fenómeno geral, Proudhon retoma seguidamente esta ideia que a sociedade é um ser, seja ele um sistema de contradições, no qual convinha a realidade e as leis (94).
Uma tentação dos sociólogos individualistas é forçar a oposição entre “totalistas” e “individualistas”, como se todos os sociólogos das totalidades sociais se opusessem radicalmente às teorias individualistas e se encontrariam enraizadas contra as ilusões deterministas, substancialistas ou essencialistas…
Ora se Proudhon é, sem contestação, um teórico das classes, das contradições e dos conflitos sociais, ele foge contudo da dicotomia simples entre “holismo” e individualismo. E, talvez esta posição complexa explica, em parte, a presença dos temas proudhonianos nas sociologias modernas.
Se ele afirma, efectivamente, a existência de um sistema reparável de contradições, e portanto a possibilidade de pensar a totalidade social, está ele convencido da existência das “leis” da história e faz do sujeito humano o brinquedo das forças económicas ou históricas? Pode-se duvidar: a sua sociologia não conduz a um determinismo, ou poder-se-ia dizer, noutros termos, o seu anti-individualismo não conduz a negar as liberdades individuais. Que ele lá tinha uma posição original e heterodoxa, que Proudhon tinha podido, seguidamente, hesitar e lançar as fórmulas difíceis em conciliar, não se negará, mas é esta posição original (nem determinismo, nem individualista) que faz talvez a sua força teórica.
A ideia de “força colectiva” não é para confundir com uma realidade (uma “coisa” no sentido Durkheimiano) e menos ainda com uma essência. A força colectiva não é um ser perceptível, convindo-lhe sobretudo considerá-la como uma “emergência” já que ela é produzida por uma única reunião activa dos trabalhadores. Também, como o diz Proudhon, se pode dizer que ela tem uma realidade, é mesmo uma realidade à “parte” (95), não física, que somente uma ciência dos processos sociais poderia estudar.
Contudo, é preciso pensar que as contradições socio-económicas destroem integralmente as liberdades? Proudhon tenta manter aqui duas afirmações correspondendo a dois tipos de experiências sociais. De um lado, ele não deixa de retomar à análise dos contratos visíveis ou apanhados, económicos, políticos, ideológicos que pesam sobre os grupos sociais e particularmente sobre as classes operárias. Ele não visa demonstrar a existência de um determinismo histórico único e unilateral conduzindo a uma revolução, ele tende, mais exactamente a reparar a pluralidade das necessidades, a pluralidade dos determinismos nos quais a congruência favorece a aparição das rupturas históricas (96). Mas por outro lado, e é todo o seu contido do seu empreendimento crítico, ele esforça-se para demonstrar que as formas de liberação e de emancipação individual e colectiva são possíveis, como são possíveis as realizações de uma maior justiça. A noção de capacidade política é exemplar destas emergências de liberdades concretas. Como se vê no caso da capacidade política das classes operárias: os homens que foram dominados por contratos económicos, políticos e ideológicos, podem escapar a estas forças que os oprimem, escondem as potencialidades de emancipação e é também o papel de intelectual revolucionário do que facilitar a actualização destas liberdades.
Proudhon foge assim à dicotomia simples do determinismo e das liberdades. Se nós não reduzirmos o anacronismo, poderíamos pretender que as suas teorias comportassem argumentos contra a crítica individualista. Ele permanece contudo, apesar destas nuances e destas reservas, que o individualismo metodológico só pode reter, em primeiro lugar, na obra de Proudhon, os temas a criticar. A análise das classes sociais e o seu conflito, a denunciação das ilusões individualistas, a permanência da reflexão sobre a revolução social, todos estes grandes temas do pensamento proudhoniano, permanecem os objectivos de crítica para uma sociologia obviamente individualista, atacada no estudo dos comportamentos individuais e das interacções, e céptico aos olhares das reflexões sobre as rupturas revolucionárias.
No termo deste inquérito sobre a presença do proudhonismo entre as sociologias contemporâneas, chegamos portanto a uma conclusão complexa. Se existe um esquecimento relativo, junto dos sociólogos, nos textos e na carta dos trabalhos de Proudhon, há uma evidente permanência das suas teorias, em particular na sociologia dinâmica e, como nós a tínhamos visto, numa aproximação crítica das burocracias.
Esta permanência solicita, sem dúvida, muitas explicações complementares. Não se pode afastar completamente a importância dos trabalhos críticos, das múltiplas reedições que, desde 1865, e apesar das hostilidades convergentes vindas de horizontes políticos opostos, não pararem de chamarem, de dar a conhecer e de actualizar o pensamento proudhoniano. A tradição anarquista não deixou de manter o interesse e de redizer a importância desta obra fundadora. Por isso, deve-se fazer parte de uma sensibilidade revoltada na qual Proudhon foi uma expressão privilegiada e que não deixou de prosseguir através dos dramas e dos eclipses da história.
Entretanto, parece-nos necessário dar à permanência dos problemas mais importância que à permanência dos escritos. Proudhon, efectivamente, colocou questões de ordem geral sobre a alienação no trabalho, na vida política, que têm um carácter universal e que assegura à sua denunciação uma forma permanente da actualidade. Mais precisamente, ele chocou com as realidades sociais que de modo algum desapareceram. A sua denunciação da burocracia de Estado conserva a sua actualidade ligada à permanência do seu objecto. Por isso a sua crítica de Estado e de análise que ele faz do seu dinamismo centralizador, conserva uma larga parte da sua actualidade. É lá, parece-nos, que reside a razão essencial desta presença do proudhonismo nas sociologias que actualmente se interrogam sobre as dominações políticas ou sobre as lentidões burocráticas. Proudhon está, de alguma forma, presente pela permanência dos seus objectos de estudo. E, neste sentido, o desmoronamento do comunismo vem de novo reactualizar as suas análises.
Mas é preciso evocar também a permanência das aspirações que ele tinha tão vigorosamente exprimido. Com efeito, e não somente na Europa, o peso das alienações não deixa de renovar as resistências, as denunciações, as tentativas multiformes para escapar aos contratos sócio-económicos e políticos, para lá encontrar as curas, quer sejam moderadas ou mais radicais. As aspirações à autogestão, ao federalismo sócio-económico, às autonomias políticas, são os “fenómenos”, as realidades que as sociologias da mudança não param de reencontrar na sua observação dos movimentos sociais, as resistências multiformes às opressões. E, ainda lá, os sociólogos reencontram, sem se referirem explicitamente a Proudhon, os dinamismos sociais nos quais ele era o intérprete do seu tempo.
Isto não quer dizer que a obra proudhoniana seja retomada na sua totalidade. As páginas sobre a condição feminina são bem esquecidas, por exemplo, as histórias das ideias. Mas, pelo contrário, certos dos seus audazes permanecem incompreendidos e vão, de algum modo, mais além das sociologias contemporâneas. Assim, a audácia intelectual do sistema das contradições que consiste em repensar sistematicamente nas contradições económicas e nas tensões sociais, fica hoje em dia numa reconquista já que as ciências sociais separam o estudo da economia e o estudo da sociologia, e só ousam ir raramente mais longe destas fronteiras disciplinares. E por isso, não se saberia pretender que o impulso anarquista e denunciador de Proudhon, encontre nas sociologias actuais, o seu pleno eco. E, nisso, Proudhon permanece actualmente a imagem de um limite não-sincero, uma imagem crítica e, numa certa medida, uma obra incentivadora.
NOTAS
66 Classificação, necessariamente simplificante, numa obra consagrada aos sociólogos franceses dos anos de 1980-1990: Pierre Ansart, As sociologias contemporâneas, Paris, Edições do princípio, 1990.
67 Pierre Bourdieu e A.Darbel, O Amor da arte, Paris, Edições do Minuto, 1966.
68 Pierre Bourdieu e J.-C.Passeron, A reprodução, Paris, Ed.do Minuto, 1970.
69 P.Bourdieu, A distinção, crítica social do julgamento, Paris, Ed.do Minuto, 1979.
70 Este esquema ternário é constantemente retomado desde a Primeira Memória (1840) até à Capacidade política das classes operárias (1865).
71 Por exemplo, P.Bourdieu, Boltanski, Castel, Chamboredon, Uma arte média, Paris, Ed.do Minuto, 1965.
72 Pierre-Joseph Proudhon, Sistema das contradicções económicas (1846), Paris, Marcel Rivière, 1923.
73 Pierre Bourdieu, A distinção, op.cit.
74 Por exemplo, na Justiça na Revolução e na Igreja (1856), 6º estudo, “O trabalho”.
75 P -J.Proudhon, A capacidade política das classes operárias, parte II, capítulo I.
76 Pierre Bourdieu, A distinção, op.cit., p.50-52, 424.
77 A lista de nomes que nós proposemos aqui não tem nada de exaustivo. P. Ansart, As sociologias contemporâneas, op.cit., Cap.II, VI e X.
78 P -J.Proudhon, Da Justiça na Revolução e na Igreja, Paris, Fayard, 1988, 9º Estudo, “Progresso e decadência”.
79 Excluiremos aqui A criação da ordem (1842), na qual Proudhon permanece, provisoriamente, sob a influência de Auguste Comte.
80 Georges Balandier, A antropologia política, Paris, PUF, 1967.
81 Georges Balandier, A desordem; elogio do movimento, Paris, Fayard, 1988.
82 Cornélius Castoriadis, A instituição imaginária da sociedade, Paris, Ed.do princípio, 1975.
83 Proudhon, Sistema das contradições económicas (1846).
84 Proudhon, Confissões de um revolucionário, 1849, Paris, Marcel Rivière, p. 193.
85 Alain Touraine, Sociologia da acção, Paris, Ed. Do Príncipio, 1965.
86 Alain Touraine, A voz e o olhar, Paris, Ed. Do Príncipio, 1978.
87 Proudhon, Sistema das contradições económicas ou Filosóficas da miséria, 9ª Época, “A comunidade”.
88 Michel Crozier, O fenómeno burocrático, Paris, Ed. Do Princípio, 1963
89 Ibid., “Introdução”.
90 Michel Crozier, A sociedade bloqueada, Paris, Ed. Do Princípio, 1970
91 Michel Crozier, Estado modesto, Estado moderno: estratégia para uma outra mudança, Paris, Fayard, 1987.
92 Raymond Boudon, A lógica do social: introdução à análise sociológica, Paris, Hachette, 1979.
93 Proudhon, O que é a Propriedade?, 1840.
94 Célestin Bouglé insistiu fortemente sobre este aspecto tentando fazer de Proudhon um sociólogo pré-durkheimien; A sociologia de Proudhon, Paris, A. Colin, 1911, p. 70-81.
95 Pierre Ansart, Sociologia de Proudhon, Paris, PUF, 1967, p. 17-30
96 Georges Gurvitch, Proudhon sociólogo, Paris, Centro de documentação universitário, 1955.
As ciências sociais, e particularmente a sociologia, são, pelo contrário, reformuladas através das rupturas que eram simultaneamente rejeições aparentes da problemática proudhoniana. A ruptura de Durkheim, que foi tão importante para a história das sociologias em toda a primeira metade do século XX, é operada contra os filósofos sociais e as suas ambições excessivas. As críticas severas de Durkheim ao olhar de Auguste Comte ou de Herbert Spencer atingiram também, por alusão, os filósofos da história e os filósofos sociais nos quais Proudhon podia ser suspeito. Por outro lado, a ruptura no que diz respeito ao método de procura circunscritos e fragmentados, destruía as audácias intelectuais doravante rejeitadas no domínio das ideias políticas. Enfim, a forte difusão do marxismo operou uma poderosa pressão para combater as teses proudhonianas.
Assim também, os sociólogos franceses contemporâneos não tinham sido trazidos a contar Proudhon entre os seus mestres a pensar, apesar dos esforços de Célestin Bouglé depois de Georges Gurvitch. Entre os autores do século XIX e do principio do século XX, estas são sobretudo as obras de Marx, de Weber e de Durkheim que substituíram este papel. Proudhon estava largamente ausente da formação dos sociólogos ao mesmo título que Tocqueville ou Le Play e para as razões diametralmente opostas.
Ora, nós apercebemo-nos, nas sociologias contemporâneas, de um paradoxo singular. Se a obra de Proudhon é pouco presente, ao nível das referências explícitas, é impressionante ver surgir os temas, as questões e também as respostas que têm os caracteres de uma repetição de temas e de questões formuladas nos escritos de Proudhon. Mas estas reconquistas não são de modo algum idênticas nas diferenças sociólogas actuais, como tão, implicitamente, se perseguiram os debates, as aprovações e as rejeições, no que diz respeito às teses da anarquia bisontina.
Duas questões colocam-se-nos portanto e que nos querem tratar sucessivamente. Primeiramente, quais as sociologias que reencontram as questões ou os objectos de estudo abordadas por Proudhon ou certas teses? Esta interrogação conduz-nos a examinar nestes quatro sentidos paradigmas contemporâneas: o estruturalismo genético, a sociologia dinâmica, a aproximação estratégica e individualismo metodológico (66).
Seremos levados a sublinhar de que modo estes diferentes paradigmas se opõem nestas relações que podemos reconstituir com a obra proudhoniana.
A resposta à segunda questão será muito mais difícil. Na medida onde temos colocado em evidência a presença dos temas proudhonianos em certos trabalhos sociológicos contemporâneos, como podemos explicar a presença do esquecimento? Sem dúvida não poderemos propor, sobre este assunto, mais que hipóteses.
Sem procurar estabelecer aqui uma lista exaustiva dos pontos de aproximação e de afastamento entre os trabalhos de Pierre Bourdieu e os escritos de Proudhon, é preciso sublinhar bem que as análises de Bourdieu – e é um ponto que os vai distinguir de três outras escolas que nós evocaremos – conduzem a destacar, como junto de Proudhon, a divisão social em classes sociais. Os inquéritos que dizem respeito às práticas culturais (67), às desigualdades no sistema educativo (68) ou as estratégias de distinção (69), convergem para explorar em todas as suas consequências os efeitos, sobre os comportamentos e as representações, desta divisão da sociedade em classes e de dependência dos indivíduos a uma destas classes.
Mais, qualquer que seja a distância entre as concepções das classes junto dos autores, deve-se sublinhar que o esquema terciário de Proudhon, distinguindo a classe burguesa, a classe média e as classes operárias (70), encontra-se no termo dos inquéritos de Pierre Bourdieu que conduzem a distinguir a grande burguesia, a pequena burguesia e as classes populares (71).
Esta aproximação, apesar das diferenças e divergências, está carregada de consequências e inscreve Proudhon e P.Bourdieu numa certa tradição sociológica na qual a originalidade é sublinhada pelos debates que o cercam fortemente hoje em dia. Nesta tradição que se pode qualificar de “classista”, no sentido em que ela sublinha a existência das classes enquanto realidades sociais, é também suposto que um certo conhecimento da totalidade social é acessível e que uma “ciência” pode ser constituída sobre esta realidade. Esta intuição fundamental atravessa a obra de Proudhon, que não dúvida que se possa aceder a este saber, como o de P.Bordieu que repreende esta premissa. E esta totalidade é conhecida através das suas divisões essenciais, através da “guerra” que opõe os proprietários e os não-proprietários (72), ou, através das lutas de distinção que opõem as diversas classes sociais (73). Em grandes traços, pode-se dizer que a sociologia de Pierre Bourdieu e dos seus colaboradores inscreve-se nesta grande tradição classista inaugurada por Saint-Simon, Proudhon e Marx, que concebe a sociedade como um sistema de classes antagónicas e como um total conhecimento através desta grelha de interpretação.
Nesta ampla tradição, os trabalhos de P.Bourdieu afastam-se fortemente da economia marxista quando eles se atrasam pouco sobre os caracteres económicos das diferentes classes e concentram as procuras sobre a própria cultura de cada classe, sobre as representações e as conduções simbólicas, acordando assim a maior importância aos benefícios de sentido e às dominações simbólicas.
P.Bourdieu reencontra assim um movimento de pensamento próximo do de Proudhon no que diz respeito à mesma concepção das classes sociais. Com efeito, mantendo tudo uma definição economista das classes nos termos de oposição entre proprietários e não-proprietários, Proudhon conclui que cada classe renovaria a sua própria cultura, os seus costumes, seus valores e também as suas ideologias (74). O conceito de habitação proposto por P.Bourdieu para designar os modelos de percepção e de prática, transmitidos ao sujeito, interiorizados, e fontes das reproduções pelos agentes das diferentes classes não é, certamente, um termo proudhoniano, mas corresponde bem às indicações de Proudhon sobre a transmissão e a reprodução das culturas de classe. E, mesmo que ele insista sobre as ilusões colectivas, sobre a importância das religiões, por exemplo, nos comportamentos e na renovação da hierarquia social, as análises de P.Bourdieu reencontram simbologias consideradas como um elemento maior das desigualdade sociais e da sua reprodução.
Um debate encontra-se portanto aberto a partir das premissas comparáveis e vai conduzir a uma oposição viva sobre os pontos de desacordo. Efectivamente, a questão que percorre toda a obra proudhoniana é seguramente a da acção política das classes operárias, questão que encontra a sua resposta na Capacidade política das classes operárias quando são claramente analizadas as condições que permitirão às classes dominadas emancipar-se a dominação capitalista (75). Sobre este ponto decisivo que retine sobre toda a concepção das classes, mas também sobre toda a interpretação da acção social, a resposta de P.Bourdieu, fundada sobre os diferentes trabalhos e inquéritos, é, pode-se dizer, aos antipodas das análises e das tentativas de Proudhon. Na visão dinâmica, mas também “operária” de Proudhon, creditando as classes “operárias” de intensas potencialidades revolucionárias, P.Bourdieu responde por uma análise das classes “populares” sublinhando sobretudo a desapossessão cultural e a ausência dos meios simbólicos de acção contra a exploração das quais elas são vítimas. Tudo se passa como se estas classes operárias portadoras das potencialidades revolucionárias desapareciam da realidade histórica para não deixar subsistir que as massas deculturadas nas quais Proudhon tinha assinalado a presença, não sem inquietação.
A oposição nesta análise encontra-se confirmada por duas respostas, opostas sobre o problema do determinismo. A resposta relativamente optimista de Proudhon que, não sem hesitação, eleva as margens da liberdade e do indeterminismo das condutas humanas, P.Bourdieu opõe uma resposta céptica insistente nos benefícios da força, no peso das desapossessões, no poder dos aparelhos de reprodução.
Não admira portanto que P.Bourdieu cita bastante os escritos de Proudhon. Estas citações sugerem bem a existência de uma problemática comuna sobre as classes, sobre as relações de dominação, os benefícios de sentido, mas elas conduzem sempre a uma denunciação polémica chamando as apóstrofes de Marx e rejeitando Proudhon nos subterfúgios da pequena burguesia (76).
A segunda grande corrente da sociologia actual, a sociologia dinâmica, vai conduzir a todas as outras conclusões e a uma forte reavaliação da obra de Proudhon. Por este termo de “sociologia dinâmica” proposto por Georges Belandier, entendemos um conjunto considerável de trabalhos que colocam no centro das suas procuras o estudo das mudanças, das mutações, dos movimentos sociais, so tornar as sociedades. Os trabalhos de Georges Belandier, Alain Touraine, Cornelius Castoriadis, Jean Duvignaud, por exemplo, inscrevem-se nesta longa dependência do domínio feudal (77).
Estas procuras interrogam, não só as produções e os determinismos, mas a natureza e a extensão das transformações sociais, não só pelos níveis económicos ou políticos, mas a todos os níveis e em todas as dimensões do social, reencontrando assim o grande questionamento de Proudhon. E, contrariamente a uma inspiração evolucionista simbolizada por Auguste Comte ou Herbert Spencer, estas sociologias actuais não se referem nem a uma teoria do progresso nem a uma filosofia de história. Como próximo de Proudhon, se a mudança é uma evidência e o objecto da reflexão, ele não é reduzido a uma imaginação do progresso ou a um historicismo. É preciso interrogar as mudanças e o seu sentido recusando as ilusões escatológicas e sem negar as possibilidades de decadência (78). O futuro permanece aberto às progressões e às regressões (79).
Ele não é excluído, contrariamente aos filósofos hegelianos ou marxistas, que estas mudanças, tão profundas sejam, façam aparecer as continuidades e as permanências antropológicas, e que assim surja o ecletismo de Proudhon procurando referenciar às vezes a permanência e as desordens sejam a via mais razoável para pensar exactamente e tomar a medida das mudanças.
O olhar antropológico, deleitando as permanências para melhor pensar na mudança, encontra perfeitamente a sua pertinência nesta perspectiva. Georges Belandier, desempenhando as linhas de força de uma antropologia política e analisando as tensões que, aos seus olhos, atravessam todas as sociedades possíveis, reencontra, pode-se dizer, uma inspiração proudhoniana que não está nem fascinada pelas repetições nem fechada na ilusão do progresso, mas atenta a apanhar à vez o permanente e a mudança, o antropológico e a história (80).
Nesta concepção de mudanças, “a ordem social” deixa de ser um termo enfeitiçado e uma imagem da perfeição.
O sentido proudhonismo da desordem reencontra uma singular actualidade depois de tantas ilusões da ordem, seja questão das escolas conservadoras seja das escolas ditas revolucionárias. Para estes sociólogos das mudanças, como para Proudhon, a desordem não é necessariamente e somente destruidora; é preciso reconhecer o feito da desordem em ordem (81). A desordem não é, nesta perspectiva, um valor negativo, e a questão coloca-se em saber como se realizam as passagens e as transições entre a ordem e a desordem.
Mais, a noção de ordem, como a da estrutura, é, nestas sociologias, o objecto de uma avaliação crítica. Duvida-se aqui que as estabilidades, as estruturas, a ordem, sejam as dimensões vivas do social suspeita-se voluntários que o feitiço da ordem renovada das ilusões inocentemente conservadoras. Sugere-se que a vida colectiva só se consagre na ordem e que, pelo contrário, o máximo de vida colectiva supõe o pluralismo, a diversidade, as iniciativas individuais e colectivas e que a verdadeira vida social é assunto desta multiplicidade de acções.
Uma desconfiança essencial aproxima portanto estas sociologias dinâmicas de inspiração proudhoniana: a desconfiança aos olhos das hierarquias e das estruturas estáticas. Ele seria, certamente, bem excessivo em qualificar de anarquistas as sociologias dinâmicas, mas elas renovam a desconfiança fundamental do proudhonismo aos olhos de toda a esclerose social e, exemplarmente, ao olhar das hierarquias. Como Proudhon, estas sociologias têm tendência a suspeitar em toda a hierarquia do resultado provisório de benefícios de força e um risco de imobilismo destruidor. Esta desconfiança coloca-se, em particular, sobre as estruturas estáticas, naturalmente consideradas como o símbolo da esclerose e da repressão (82).
Uma questão fundamental coloca-se para estas sociologias das mutações, as de saber como explicar estas mudanças e a partir das questões essenciais. Lá ainda, estas sociologias retomam as críticas proudhonianas aos olhos das respostas simples e, particularmente, ao encontro dos estatismos.
Com efeito, Proudhon, proclamando tudo, mantêm as renovações, a importância das transformações económicas, é vigorosamente céptica ao olhar das teorias redutivas fazendo das únicas estruturas económicas e da sua evolução as leis da história. E, mesmo, ele não se contenta com as teses de Comte sobre o papel exclusivo das “ideias” e dos filósofos. E, bem entendido, toda a sua crítica anarquista denuncia a ilusão segundo a qual as únicas forças políticas ou estáticas, e, menos ainda, os grandes homens, seriam os grandes agentes de história.
Como Proudhon, as sociologias das transformações não têm resposta unilateral a esta questão de explicação e, a exemplo do autor do Sistema das Contradições (83), elas têm tendência a desconfiar das respostas dogmáticas sobre este assunto. Atentas à complexidade das transformações, elas multiplicam as aproximações e as respostas, reencontram, nestas nuances, as respostas diversas que Proudhon avançara e que podiam parecer confusas a estes contemporâneos. Os conceitos de contradições, sistemas de contradições dialécticas, antagonismos, oposições, resistências… que puderam parecer inutilmente complicadas aos leitores ávidos de respostas simples não deixaram de ser retomadas no vocabulário de sociologias atentas à inesgotável complexidade do real.
A noção de conflito é, para estes sociólogos, como era para Proudhon, uma noção maior de análise. O conflito económico nas relações entre o capital e o trabalho é amplamente reencontrado e sublinhado. Mas, este antagonismo não é de modo algum considerado como exclusivo. Como Proudhon o tinha bem sublinhado, o exercício dos poderes e das dominações não é menos gerador de conflitos e de resistências.
Elogiando-se resolutamente o economismo, estas sociologias dinâmicas estão atentas à pluralidade das contradições, dos antagonismos, das resistências, quer elas sejam de ordem económica, social, cultural ou simbólica. Os conflitos sobre as ideias e sobre os valores não são simples epifenómenos nos quais uma análise económica descobriria as fontes verdadeiras, mas bem os elementos de história mesmo que os sistemas simbólicos são uma dimensão das práticas sociais. Estas sociologias reencontram a intuição proudhoniana que faz da palavra um acto, e do acto um sentido: como escrivia Proudhon em 1849, “Agir, é sempre pensar; dizer, é fazer” (84).
As sociologias de acção (85) são sem dúvida as que perseguem mais estreitamente o projecto proudhoniana. Elas estão, com efeito, atentas aos conflitos e às contradições, e, mais, colocam no centro da sua reflexão as práticas sociais e a sua condição de emergência. Logo que Alain Touraine se interroga sobre as condições pelas quais um grupo, uma categoria social, pode aceder à acção e manifestar-se como “movimento social” (86), ele reencontra estranhamente as análises de Proudhon em 1865. Na Capacidade Política das Classes Operárias, Proudhon coloca, efectivamente, a mesma questão: a de saber como uma classe real, objectiva, podia adquirir a “capacidade política” e portanto conduzir uma acção colectiva. Ele inaugura assim uma problemática tornada central nas sociologias modernas: a de saber como podia constituir-se e afirmar-se uma acção colectiva. E a sua resposta que teoriza a passagem da ecónomia à política pela consciência de identidade fixa, nos grandes tratados, uma resposta que está bem no centro das procuras contemporâneas.
Ele não está portanto surpreendido que a obra de Proudhon faça o objecto de uma leitura positiva no seio desta corrente de pensamento, mesmo se os detalhes dos seus escritos não façam o objecto de uma investigação devota da parte destas sociologias mais inquietas que analisar os fenómenos contemporâneos do que comemorar o passado. G.Balandier, depois G.Gurvitch, Alain Touraine, Edgar Morin, Claude Rivière sublinharam explicitamente esta filiação. Mais uma interpretação foi proposta pela obra de Proudhon que esboça uma explicação desta filiação teórica. Alain Toureine sugere, efectivamente, que duas tendências opostas teriam, depois do século XIX, dividido em classes operárias: uma, virada contra a organização de partidos e de sindicatos hierarquizados, e a outra virada contra a defesa da cultura operária e contra a acção operária autónoma. Proudhon teria sido o porta-voz desta segunda tendência e, por esta razão, o inspirador de uma sociologia de acção colectiva.
É preciso prosseguir a nossa investigação e examinar mais precisamente como uma certa sociologia organizações prolonga, parece-nos, o pensamento proudhoniano. Não se pretenderá obviamente que a sociologia actual repita, ou examine as análises do passado; a aparição de fenómenos novos proíbe suficientemente uma tal eventualidade, mas parece-nos que um espírito proudhoniano prossegue sem ambiguidade nas críticas modernas das escleroses organizacionais e das burocracias.
A questão de atelier, de empresa, como lugar de benefícios sociais específicos é bem uma questão essencial na reflexão de Proudhon. E se ele não satisfazia os apelos gerais a uma insurreição como os de Auguste Blauqui, é também porque ele estima essencial uma reforma radical das empresas elas próprias. Afirmar que a empresa deve substituir-se no governo, é simultaneamente colocar que a organização será o centro e o lugar fundamental da sociedade industrial. Logo que Michel Crozier sublinha que, na sociedade contemporânea, o feito determinante está bem constituído pelas organizações industriais e administrativas, ele reencontra uma preocupação central de Proudhon.
Desde o Sistema das Contradições, e antes das análises dos anos 1848-1851, Proudhon inaugura uma crítica veemente das organizações da sua época sublinhando o seu carácter hierárquico, escravizante para os produtores, e a ineficácia deste sistema opressivo. A sua crítica da desqualificação dos operários, no Sistema das Contradições, toma um vigor que ela não podia ter junto de Adam Smith e seus discípulos em que esta destruição de saberes e de competências está associada a uma visão revolucionária que a apresente como remediável. Esta crítica entende-se a toda a organização do trabalho que não é somente denunciada pela apropriação do capital que lá se realiza, mas pela sua estrutura de dominação que inscreve os benefícios de poder e de submissão na empresa. A extensão das burocracias que não deixariam de realizar uma revolução comunista teria, para Proudhon, caracteres catastróficos tanto para as liberdades dos trabalhadores que seriam destruídos como para a eficácia da produção: a burocratização da economia conduzia necessariamente à “miséria” (87).
Pode-se dizer sem paradoxos, que as análises de Michel Crozier no Fenómeno burocrático (88) tornar-se-iam de Max Weber a Proudhon. E, sem dúvida, convinha-lhe corrigir, sobre este ponto, as histórias da sociologia que fazem de max Weber o primeiro sociólogo da burocracia. Então, com efeito, quando Max Weber destacava a racionalidade das leis e regras burocráticas e não estava longe de fazer da burocracia o símbolo moderno da racionalidade, Proudhon delineava, pelo contrário, ineficácia. É o que Michel Crozier propõe analisar que coloca no centro da sua análise os pesos, as ineficácias, os insucessos da burocracia, e não o seu funcionamento dito racional (89).
Nesta perspectiva, o fenómeno burocrático não é uma fatalidade e uma certa des-burocratização é uma perspectiva realista. Proudhon, juntamente com Michel Crozier e seus colaboradores, não encaram a sociedade utópica sem organização nem regulamentação. Mas, de forma realista, eles estimam que os defeitos da burocracia (e particularmente da burocracia “à francesa”) (90), podem ser reduzidos por uma reorganização fundamental das organizações.
Não se pretenderá que as proposições das sociologias actuais das organizações reencontrem, por escritos, o anarquismo proudhoniano, e seria excessivo fazer uma tal confusão; mas é notável que o sentido geral das proposições reformadoras reencontrem estreitamente a inspiração proudhoniana e a dois níveis.
A nível geral da economia e da administração, um vasto acordo é feito sobre a urgência da descentralização, sobre a necessidade de quebrar as estruturas unitárias, fontes de desperdício, de ineficácia e de efeitos perversos (91). Os críticos que são contra a omnipotência do Estado, contra a expansividade sufocante das centralizações, renovam, com uma impressionante continuidade, as denunciações que Proudhon formulava desde 1846 quando ele afirmava que a centralização estática e económica conduzia necessariamente a ineficácia e à submissão dos produtores.
Ao nível dos benefícios sociais no seio da empresa, é marcante que os apelos de Proudhon é autonomia dos trabalhadores no seio daquilo que ele chama “as companhias operárias”, sua denunciação dos sistemas hierárquicos rejeitando os produtores na submissão e execução, tornaram-se actualmente os princípios de base das críticas aos olhos dos sistemas autoritários e despersonalizantes.
Sublinhemos bem que estas sociologias das organizações não reivindiquem qualquer dependência ao proudhonismo e que estes reaproximamentos que nós destacámos aqui não façam parte da sua argumentação. Este silêncio é, ele mesmo, significativo e nós teremos a propor uma interpretação.
Primeiramente, é preciso pararmos sobre o quarto paradigma que nós distinguimos: o individualismo metodológico. Esta última confrontação levar-nos-à para os elementos novos de reflexão.
Aos antípodas das sociologias de inspiração marxista, os sociólogos próximos desta corrente recusam toda a tentação de fazer noções como “as classes”, “os povos”, “as nações” das entidades às quais se prendia consciência e realidade (92). O princípio fundamental dos métodos individualistas, sublinha Raymond Boudon, é afastar obviamente estas entidades e as ilusões que aí se colocam, tomando por primeiro objecto de observação, como unidade de referência, que o indivíduo, seus comportamentos e suas escolhas. Afastando toda a concepção “holista” fazendo da sociedade uma totalidade transcendente aos seus partidos e impondo-se aos indivíduos, opondo-se também à ilusão de descobrir determinismos sociais, o individualismo metodológico teria vocação para estudar os comportamentos individuais e de observar a emergência das regularidades a partir das condutas e das opções individuais.
A crítica do marxismo, e mais particularmente da sua vulgata, é um alvo privilegiado deste paradigma individualista: crítica do conceito de classe social objectiva, das ilusões da “consciência de classe” e da luta das classes, das “leis” da história, de historicismo…
Confrontada a teoria proudhoniana, esta crítica é bastante clara, e permite caracterizá-la melhor e substituí-la mais claramente relativamente às sociologias contemporâneas.
Ao segurarem-se primeiramente as teorias gerais da “força colectiva”, da “guerra” de classes, da trilogia das alienações, não se pode duvidar que Proudhon pertença a esta querela aos defensores da sociologia anti-individualista. O conceito de “força colectiva” que ele elabora desde 1840 (93) é uma boa característica desta orientação que os partidários do individualismo metodológico poderiam qualificar de “sociologista”. Proudhon quer demonstrar, por este conceito, que a reunião dos trabalhos individuais produz uma realidade particular, uma força real, que não se reduz à soma dos contributos individuais. E, sendo este fenómeno geral, Proudhon retoma seguidamente esta ideia que a sociedade é um ser, seja ele um sistema de contradições, no qual convinha a realidade e as leis (94).
Uma tentação dos sociólogos individualistas é forçar a oposição entre “totalistas” e “individualistas”, como se todos os sociólogos das totalidades sociais se opusessem radicalmente às teorias individualistas e se encontrariam enraizadas contra as ilusões deterministas, substancialistas ou essencialistas…
Ora se Proudhon é, sem contestação, um teórico das classes, das contradições e dos conflitos sociais, ele foge contudo da dicotomia simples entre “holismo” e individualismo. E, talvez esta posição complexa explica, em parte, a presença dos temas proudhonianos nas sociologias modernas.
Se ele afirma, efectivamente, a existência de um sistema reparável de contradições, e portanto a possibilidade de pensar a totalidade social, está ele convencido da existência das “leis” da história e faz do sujeito humano o brinquedo das forças económicas ou históricas? Pode-se duvidar: a sua sociologia não conduz a um determinismo, ou poder-se-ia dizer, noutros termos, o seu anti-individualismo não conduz a negar as liberdades individuais. Que ele lá tinha uma posição original e heterodoxa, que Proudhon tinha podido, seguidamente, hesitar e lançar as fórmulas difíceis em conciliar, não se negará, mas é esta posição original (nem determinismo, nem individualista) que faz talvez a sua força teórica.
A ideia de “força colectiva” não é para confundir com uma realidade (uma “coisa” no sentido Durkheimiano) e menos ainda com uma essência. A força colectiva não é um ser perceptível, convindo-lhe sobretudo considerá-la como uma “emergência” já que ela é produzida por uma única reunião activa dos trabalhadores. Também, como o diz Proudhon, se pode dizer que ela tem uma realidade, é mesmo uma realidade à “parte” (95), não física, que somente uma ciência dos processos sociais poderia estudar.
Contudo, é preciso pensar que as contradições socio-económicas destroem integralmente as liberdades? Proudhon tenta manter aqui duas afirmações correspondendo a dois tipos de experiências sociais. De um lado, ele não deixa de retomar à análise dos contratos visíveis ou apanhados, económicos, políticos, ideológicos que pesam sobre os grupos sociais e particularmente sobre as classes operárias. Ele não visa demonstrar a existência de um determinismo histórico único e unilateral conduzindo a uma revolução, ele tende, mais exactamente a reparar a pluralidade das necessidades, a pluralidade dos determinismos nos quais a congruência favorece a aparição das rupturas históricas (96). Mas por outro lado, e é todo o seu contido do seu empreendimento crítico, ele esforça-se para demonstrar que as formas de liberação e de emancipação individual e colectiva são possíveis, como são possíveis as realizações de uma maior justiça. A noção de capacidade política é exemplar destas emergências de liberdades concretas. Como se vê no caso da capacidade política das classes operárias: os homens que foram dominados por contratos económicos, políticos e ideológicos, podem escapar a estas forças que os oprimem, escondem as potencialidades de emancipação e é também o papel de intelectual revolucionário do que facilitar a actualização destas liberdades.
Proudhon foge assim à dicotomia simples do determinismo e das liberdades. Se nós não reduzirmos o anacronismo, poderíamos pretender que as suas teorias comportassem argumentos contra a crítica individualista. Ele permanece contudo, apesar destas nuances e destas reservas, que o individualismo metodológico só pode reter, em primeiro lugar, na obra de Proudhon, os temas a criticar. A análise das classes sociais e o seu conflito, a denunciação das ilusões individualistas, a permanência da reflexão sobre a revolução social, todos estes grandes temas do pensamento proudhoniano, permanecem os objectivos de crítica para uma sociologia obviamente individualista, atacada no estudo dos comportamentos individuais e das interacções, e céptico aos olhares das reflexões sobre as rupturas revolucionárias.
No termo deste inquérito sobre a presença do proudhonismo entre as sociologias contemporâneas, chegamos portanto a uma conclusão complexa. Se existe um esquecimento relativo, junto dos sociólogos, nos textos e na carta dos trabalhos de Proudhon, há uma evidente permanência das suas teorias, em particular na sociologia dinâmica e, como nós a tínhamos visto, numa aproximação crítica das burocracias.
Esta permanência solicita, sem dúvida, muitas explicações complementares. Não se pode afastar completamente a importância dos trabalhos críticos, das múltiplas reedições que, desde 1865, e apesar das hostilidades convergentes vindas de horizontes políticos opostos, não pararem de chamarem, de dar a conhecer e de actualizar o pensamento proudhoniano. A tradição anarquista não deixou de manter o interesse e de redizer a importância desta obra fundadora. Por isso, deve-se fazer parte de uma sensibilidade revoltada na qual Proudhon foi uma expressão privilegiada e que não deixou de prosseguir através dos dramas e dos eclipses da história.
Entretanto, parece-nos necessário dar à permanência dos problemas mais importância que à permanência dos escritos. Proudhon, efectivamente, colocou questões de ordem geral sobre a alienação no trabalho, na vida política, que têm um carácter universal e que assegura à sua denunciação uma forma permanente da actualidade. Mais precisamente, ele chocou com as realidades sociais que de modo algum desapareceram. A sua denunciação da burocracia de Estado conserva a sua actualidade ligada à permanência do seu objecto. Por isso a sua crítica de Estado e de análise que ele faz do seu dinamismo centralizador, conserva uma larga parte da sua actualidade. É lá, parece-nos, que reside a razão essencial desta presença do proudhonismo nas sociologias que actualmente se interrogam sobre as dominações políticas ou sobre as lentidões burocráticas. Proudhon está, de alguma forma, presente pela permanência dos seus objectos de estudo. E, neste sentido, o desmoronamento do comunismo vem de novo reactualizar as suas análises.
Mas é preciso evocar também a permanência das aspirações que ele tinha tão vigorosamente exprimido. Com efeito, e não somente na Europa, o peso das alienações não deixa de renovar as resistências, as denunciações, as tentativas multiformes para escapar aos contratos sócio-económicos e políticos, para lá encontrar as curas, quer sejam moderadas ou mais radicais. As aspirações à autogestão, ao federalismo sócio-económico, às autonomias políticas, são os “fenómenos”, as realidades que as sociologias da mudança não param de reencontrar na sua observação dos movimentos sociais, as resistências multiformes às opressões. E, ainda lá, os sociólogos reencontram, sem se referirem explicitamente a Proudhon, os dinamismos sociais nos quais ele era o intérprete do seu tempo.
Isto não quer dizer que a obra proudhoniana seja retomada na sua totalidade. As páginas sobre a condição feminina são bem esquecidas, por exemplo, as histórias das ideias. Mas, pelo contrário, certos dos seus audazes permanecem incompreendidos e vão, de algum modo, mais além das sociologias contemporâneas. Assim, a audácia intelectual do sistema das contradições que consiste em repensar sistematicamente nas contradições económicas e nas tensões sociais, fica hoje em dia numa reconquista já que as ciências sociais separam o estudo da economia e o estudo da sociologia, e só ousam ir raramente mais longe destas fronteiras disciplinares. E por isso, não se saberia pretender que o impulso anarquista e denunciador de Proudhon, encontre nas sociologias actuais, o seu pleno eco. E, nisso, Proudhon permanece actualmente a imagem de um limite não-sincero, uma imagem crítica e, numa certa medida, uma obra incentivadora.
NOTAS
66 Classificação, necessariamente simplificante, numa obra consagrada aos sociólogos franceses dos anos de 1980-1990: Pierre Ansart, As sociologias contemporâneas, Paris, Edições do princípio, 1990.
67 Pierre Bourdieu e A.Darbel, O Amor da arte, Paris, Edições do Minuto, 1966.
68 Pierre Bourdieu e J.-C.Passeron, A reprodução, Paris, Ed.do Minuto, 1970.
69 P.Bourdieu, A distinção, crítica social do julgamento, Paris, Ed.do Minuto, 1979.
70 Este esquema ternário é constantemente retomado desde a Primeira Memória (1840) até à Capacidade política das classes operárias (1865).
71 Por exemplo, P.Bourdieu, Boltanski, Castel, Chamboredon, Uma arte média, Paris, Ed.do Minuto, 1965.
72 Pierre-Joseph Proudhon, Sistema das contradicções económicas (1846), Paris, Marcel Rivière, 1923.
73 Pierre Bourdieu, A distinção, op.cit.
74 Por exemplo, na Justiça na Revolução e na Igreja (1856), 6º estudo, “O trabalho”.
75 P -J.Proudhon, A capacidade política das classes operárias, parte II, capítulo I.
76 Pierre Bourdieu, A distinção, op.cit., p.50-52, 424.
77 A lista de nomes que nós proposemos aqui não tem nada de exaustivo. P. Ansart, As sociologias contemporâneas, op.cit., Cap.II, VI e X.
78 P -J.Proudhon, Da Justiça na Revolução e na Igreja, Paris, Fayard, 1988, 9º Estudo, “Progresso e decadência”.
79 Excluiremos aqui A criação da ordem (1842), na qual Proudhon permanece, provisoriamente, sob a influência de Auguste Comte.
80 Georges Balandier, A antropologia política, Paris, PUF, 1967.
81 Georges Balandier, A desordem; elogio do movimento, Paris, Fayard, 1988.
82 Cornélius Castoriadis, A instituição imaginária da sociedade, Paris, Ed.do princípio, 1975.
83 Proudhon, Sistema das contradições económicas (1846).
84 Proudhon, Confissões de um revolucionário, 1849, Paris, Marcel Rivière, p. 193.
85 Alain Touraine, Sociologia da acção, Paris, Ed. Do Príncipio, 1965.
86 Alain Touraine, A voz e o olhar, Paris, Ed. Do Príncipio, 1978.
87 Proudhon, Sistema das contradições económicas ou Filosóficas da miséria, 9ª Época, “A comunidade”.
88 Michel Crozier, O fenómeno burocrático, Paris, Ed. Do Princípio, 1963
89 Ibid., “Introdução”.
90 Michel Crozier, A sociedade bloqueada, Paris, Ed. Do Princípio, 1970
91 Michel Crozier, Estado modesto, Estado moderno: estratégia para uma outra mudança, Paris, Fayard, 1987.
92 Raymond Boudon, A lógica do social: introdução à análise sociológica, Paris, Hachette, 1979.
93 Proudhon, O que é a Propriedade?, 1840.
94 Célestin Bouglé insistiu fortemente sobre este aspecto tentando fazer de Proudhon um sociólogo pré-durkheimien; A sociologia de Proudhon, Paris, A. Colin, 1911, p. 70-81.
95 Pierre Ansart, Sociologia de Proudhon, Paris, PUF, 1967, p. 17-30
96 Georges Gurvitch, Proudhon sociólogo, Paris, Centro de documentação universitário, 1955.
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