segunda-feira, novembro 21, 2005

PROUDHON E A EUROPA

É a partir de uma longa reflexão sobre a questão das nacionalidades tão delicada do seu tempo e desde já temível, que Proudhon veio à Europa.
Desde a época dos seus primeiros escritos, desde então as suas reflexões sobre a propriedade parecem monopolizá-lo, ele confia a um amigo o seu desejo de compreender, desde que ele o possa, suas procuras para o bem de outros assuntos, entre os quais ele inscreve “a psicologia das nações” (1). Suas obras posteriores não transmitem vestígio mas pode-se acreditar que a sua curiosidade universal registaria desde já, quase sem ele saber, as observações que transportarão muito mais tarde os seus frutos.
Em 1848, ele cede – com uma exaltação com a qual ele se denunciará, não sem excesso de outro modo, por consequência – ao admirável ambiente pela causa da liberação dos povos. Como, efectivamente, o seu sentido profundo das autonomias, o seu culto pela liberdade e pela justiça, não teriam eles arrastado àquele entusiasmo aos olhos do grande impulso que parecia erguer a Europa contra as opressões seculares? O movimento ganha admiravelmente, escreve ele. Diz-se que a Bélgica está constituída numa república (…). Com a Bélgica, a Suíça, a Itália em breve, existirá uma federação de repúblicas bem grandiosa para pronunciar a guerra estrangeira quase impossível”(2). E, na carta seguinte, ele argumenta o seu pensamento; “Como eu vos dizia, a confederação das repúblicas europeias forma-se e nós não teremos diante de nós a questão social. É certo.” (3).
Primeira intuição do federalismo… Mas, tudo imediatamente, primeiras reticências de um espírito nunca descansado e social de não deixar tomar o passo ao sentimento sobre a razão. Porque, a lufada de emoção apagada. Proudhon empreende a análise do príncipio nacionalitário e ele discerne depressa os equívocos. Sob a mentirosa aparência dos significados, escondem--se com efeito duas realidades fortes diferentes e praticamente contraditórias. De uma parte a reivindicação pelas comunidades oprimidas do direito de se governar livremente e de estabelecer relações com quem elas entendem; mas, por outro, a afirmação que existe nas afinidades “naturais” entre tantos e tantos grupos separados pela história e, consequentemente, a reivindicação por estes grupos de um Estado unitário que assemelhava-se contra todos os outros.
Entre a aspiração produtiva à “autodeterminação” e a vertigem da fusão, entre a dignidade colectiva e a vontade de poder, é difícil de fazer a partilha agradável de prever o que lhe arrebatará. Proudhon reconheceu, sob a sua máscara democrática, a última transformação do inimigo de sempre, que se chama César ou Napoleão, monarca absoluto ou povo soberano.Governo por governo, opressão por opressão, mais valiam então as velhas monarquias que não iludem ninguém. Enquanto “o que chamamos hoje em dia restauração da Polónia, da Itália, da Húngria, da Irlanda (…) é a ilimitação monárquica com aproveitamento da ambição democrática; isso não é a liberdade, menos ainda o progresso” (4).
As existentes pretendidas “realidades” sobre as quais se baseam a aspiração unitária só existem na imaginação simplificadora daqueles que leêm a história ao contrário. A verdade é que ele não existe mais, desde os milénios, de povo homogénio da Europa. Proudhon não parece ter conhecido os pontos de vista racistas de Gobineau, do qual sai o sucesso que elas deviam reencontrar na Alemanha. Mas pode-se pensar que ele próprio não inventou o necessário para os refutar, tanto que elas iam ás vezes contra a evidência dos feitos e contra a base do seu pensamento.
Quanto ás pretendidas “fronteiras naturais” das quais os teóricos nacionalistas faziam uso moderado, ele tem-nas estudadas de muito perto, empreendendo ao assunto vastas leituras que o deviam conduzir aos pontos de vista originais e, de boas maneiras, avançando sobre o seu tempo; ele também tinha sido sedentário, ele estenderá, antes de deixar a Bélgica, ao fazer uma viagem ao longo do Reno unicamente para completar, sobre o terreno, suas procuras. As suas conclusões, se ele tem necessidade, confirmam-se: por toda a parte os limites arbitrários entre Estados não só se dividem mas, pelo contrário, atravessam regiões de povoamento por partes muito semelhantes. É, diz Proudhon, que os agrupamentos humanos são originariamente fixados seja, como aqui, seguindo-se a passagem dos grandes rios, seja algures a partir dos desfiladeiros da montanha. É por isso que os grandes conjuntos “produto da política mais ainda do que da natureza” que pretendem ocultar-se nos altos muros da soberania – como os proprietários atribuem um direito absoluto sobre uma parcela do solo comum – longe de ligar entre elas as afinidades separadas, decidem pelo contrário no tecido vivo das comunidades humanas. Estas centralizações ditas nacionais, e que são na realidade estáticas, esforçam-se por provocar o entusiamo para uma liberação abstracta desde que elas representem frequentemente, como na Polónia, o último sobressalto das grandes feudalidades; em todo o caso, elas não se podem estabelecer mais suprimindo o que substia ainda das liberdades locais e pessoais:
“O primeiro efeito da centralização, não se move aqui de outra maneira, é de fazer desaparecer, nas diversas localidades de um país, toda a espécie de carácter indígena; enquanto se imagina por este meio exaltar na massa da vida política, destrói-se as suas partes constitutivas e até aos seus elementos. Um Estado com 26 milhões de almas, como seria a Itália, é um Estado no qual todas as liberdades provinciais e municipais são confiscadas com o objectivo do lucro de um poder superior, que é o governo. Lá, toda a localidade deve calar-se, o bairrismo silencioso: fora o dia das eleições, no qual o cidadão manifesta a sua soberania por um nome próprio escrito sobre um bolhetim, a colectividade é absorvida pelo poder central (…). A fusão, numa palavra, isto é, o aniquilamento das nacionalidades particulares, onde vivem e se distinguem os cidadãos, numa nacionalidade abstracta na qual não se respira nem se conhece mais: eis a unidade” (5).
E que não se venha prometer, com uma inacreditável ligeireza, como o fazem Mazzini e seus amigos nacionalistas europeus, que depois de ter fragmentado as continuidades naturais para as recompor em grandes conjuntos nacionais nos quais o orgulho é o único fundamento, obter-se-à das suas nações que elas abdiquem uma vez das suas prerrogativas, para se assemelhar pacificamente sob a bandeira de alguma repíblica europeia! A Europa dos Estados é um mito, bem como a Europa unitária. Ou ela se dissolveria na incapacidade, pela regra da unanimidade; ou ela aboleria, seguindo a lógica centralizadora, a hegemonia de um super-Estado que seria ainda mais opressor que os outros, se não fosse impossível:”…ele não é a santa aliança, congresso democrático anfictiónico, comité central europeu, que lá pode qualquer coisa.
Depois dos grandes corpos assim construídos há necessariamente interesses opostos: como eles não se querem fundir, eles não podem mais reconhecer a Justiça: pela guerra ou pela diplomacia, não menos imoral, não menos funesta que a guerra, é preciso que eles lutem e que eles se combatam (…); é isto que explica porquê a monarquia nunca pôde representar-se universalmente. A monarquia universal é na política o que a quadratura do círculo ou o movimento perpétuo é na matemática, uma contradição (…); se o poder é exterior à nação, ela sente-o como uma injúria; a revolta está em todos os corações: a instituição não pode durar” (6).
A Europa de Proudhon está também afastada das mensagens parlamentares que das iluminações dos místicos. Isto não é nem uma combinação diplomática nem uma entidade puramente verbal mas uma realidade política, económica, social – numa só palavra humana – que tem o seu passado, o seu presente e, por conseguinte, o seu futuro. Ele entende-a como um todo harmonioso, uma “união” (7) que descança sobre uma civilização comum e, sobretudo, sobre um estado de direito, ou seja um ajustamento reciprocamente garantido das forças e uma identidade dos príncipios.
É porque, Proudhon o revolucionário (mas ele sempre disse que ele entendia este desenrolar como aquele de uma artífice da ordem) está tão firmemente partidário dos tratados de 1815, no grande escândalo dos republicanos e dos autocratas que se uniam para os denunciar. Estes tratados não fizeram, aos seus olhos, mais do que coroar um século de esforços modestos, mas produtivos, para estabelecer um equílibrio europeu sobre as ruínas do velho sonho unitário da cristandade. Ora ele está sempre sujeito a modificar uma ordem, a menos que não esteja à vista de uma ordem superior. O equílibrio é a forma prática da justiça e a justiça não se faz com as palavras, menos ainda com preferências sentimentais. Aqueles que afirmam que os tratados de 1815 ”deixaram de existir” não propõem, para os substituir, mais que um estado de desiquílibrio e de conflito permanente.
Os tratados de 1815 são “o esboço da constituição da Europa” (8); se eles não foram aplicados “a verdadeira táctica para os amigos da liberdade, era recordar sem parar os soberanos ao espírito e ao respeito dos tratados”, “porque há sempre mais a perder do que livrar-se de uma lei necessária, a respeitá-la na sua aplicação, mesmo na mais imperfeita. Ora, entre populações aglomeradas, como aquelas da Europa moderna, um direito das pessoas, uma legislação internacional é necessária, já que as relações não podem ser quebradas …”. “Mas, se a Itália chegar a fundar a sua unidade, as condições do equílibrio são mudadas pela Europa. No estado de guerra onde ele é forçada a se conter, ele não chega mais à França da anexação de Nice e de Savoie (…) é necessário um suplemento se compensações. A unidade na Itália significa a França no Reno, desde Bale até Dordrecht. Porque se os tratados não garantem mais que o equílibrio, ele refere-se a si mesmo, e nenhum poder o saberia impedir. O equílibrio é a própria justiça: é o direito das pessoas, apesar das fronteiras naturais e das nacionalidades. Uma vez começado, o movimento compensatório não se prende mais (…). “Assim, no pensamento superior de 1815, os dois grandes príncipios do equílibrio dos poderes e da instituição das garantias constitucionais estavam ligados um ao outro e solidários: atentar contra este, era comprometer aquele; ameaçar uma nação nas suas liberdades, era fomentar a guerra universal” (9).
E, quanto mais a folia política das unidades enganadoras e do autêntico imperialismo se persegue, mais claramente aparece a Proudhon o que serão as suas trágicas consequências: a guerra entre Estados europeus ou a guerra civil europeia. Ele tem, para as denunciar, os acentos proféticos; mas, não nos iludimos, esta visão exacta do futuro não é somente o feito de uma angústia. Ela só deriva da apreciação lúcida dos efeitos directos e das consequências longínquas de uma falsa filosofia da história: “A velha Europa precipita-se contra a ruína; (…). Nós marcharemos para uma formação de cinco a seis grandes impérios tendo todos como objectivo defender e restaurar o direito divino e de explorar a cidade plebeia. Os pequenos Estados são sacrificados à partida (…). Então, não existirá na Europa nem direitos, nem liberdades, nem príncipios, nem costumes. Então também começará a Grande Guerra dos seis grandes Impérios uns contra os outros (…). A Europa culpada será castigada pela Europa armada. (…) Por toda a parte, eu vejo as guerras nacionais, não as guerras políticas da origem” (10). Eis o estado da Europa, esquartejada entre as suas contradições sociais e políticas, atormentada entre “o príncipio da nacionalidade, o mesmo das fronteiras naturais, o direito dinástico, o direito feudal, as constituições, as autonomias… bem misturadas, confusas “que só os canhões, a última conta directiva, poderão decidir nesta inexplicável confusão. A Europa procura a sua unidade sem querer, nem poder, renunciar às suas diversidades. Um príncipio de ordem, mais inspirado na astúcia do que na sabedoria, apareceu lá; o funesto fermento da nacionalidade, inventado pela França revolucionária tanto quanto imperial, e comunicado por ela a todos os seus vizinhos, está em vias de o destruír. A Europa quer viver, mas ela ainda não existe. O empirismo, o provisório e os mais temíveis equívocos mantem-na à beira do abismo: “A Alemanha procura a sua federação: doença do mundo, se ela vier a tombar na rotina unitária! A Prússia debate-se entre a sua democracia e a sua dinastia; (…) A Itália prejudica-se da reunião das suas provincias; a Bélgica, com o objectivo do parlamentarismo, maldito clerical e liberal, e revolta-se contra as suas velhas instituições comunitárias; (…) a Inglaterra parece estar bem, tanto mais que ela explora o mundo: mas mudem a sua condiçâo económica; e ela cai na combustão: quanto a nós; franceses; mais avançados que os outros; estamos em plena dissolução” (11).
Face a estas confusões, sucessivamente cínicas e humanitárias, que preparam os despertares sangrentos, Proudhon, fiél ao seu método, esforça-se para remontar aos príncipios e de colocar as questões em termos simples e rigorosos, mas não rígidos nem simplistas.
Do que é que ele se agita? As fronteiras, os Estados, todas as futilidades nacionalistas, não são, o melhor dos meios. A própria Europa não é um fim em si. São os homens que contam. Só a justiça e a liberdade, seu corolário, podem ser procuradas como objectivo.
Quer-se realmente o progresso, a elevação de uma ordem mais equitativa, e não, sob diferentes palavras, a eterna escravatura? Preocupemo-nos então com o que lá se conduz, no lugar de se estimular para o afastar. Criar novos Estados, com novas bandeiras, não mudará nada os privilégios de classe ao interior destes Estados. Convencer as nacionalidades que elas são oprimidas para fazer dos opressores, não suprimirá a exploração do homem pelo homem. Que as dinastias hesitantes e as aventuras incertas não se preocupam com estas contradições, é normal. Mas que republicanos, democratas, ou chamado, não vêm a cilada, o que será desesperante, se, desde há muito tempo, a vida destes demagogos não fosse revelada. O movimento das nacionalidades pretende-se revolucionário mas, na realidade, aqueles que o dirigem não fazem mais do que enganar os povos iludindo as suas verdadeiras esperanças. Aqueles homens não querem a revolução, eles têm pena; eles só procuram instalar a antiga desordem num novo caderno que os favorecem. Proudhon depressa fez desembocar nos mais entusiastas nacionalistas um novo álibi do incorrigível reformismo:
“Aqueles que falam tanto de restaurar as suas unidades nacionais têm pouco gosto pelas liberdades individuais. O nacionalismo é o pretexto do qual eles se servem para evitar a revolução económica. Eles fingem não ver que é a política que fez cair na tutela as nações que eles pretendem hoje em dia emancipar. Porquê recomeçar estas nações, sob a bandeira da razão do Estado, uma prova alcançada?” (12).
Se se atingia aquilo que é, segundo a análise de Proudhon, a primeira e a principal questão - a da propriedade - a solução do irritante problema das nacionalidades será fornecer como por acréscimo:”Dêm aos povos as liberdades que eles reclamam; executem, ó príncipes, segundo o seu verdadeiro espírito os tratados de 1815; façam ainda melhor, preparem a definição do direito económico, e é minha opinião que vós não ireis ouvir falar mais de nacionalidades e de fronteiras naturais” (13). “ Ele é, com efeito, da economia política como das outras ciências, ela é fatalmente a mesma por toda a terra (…) cujo governo tornou-se inútil, todas as legislações do universo estão de acordo. Não existe mais nacionalidade, mais pátria no sentido político da palavra. Não há mais lugares de nascimento” (14); “a compenetração livre e universal das raças sob a lei única do contrato, eis a revolução” (15). A Europa unida, o mundo unido, e o direito, não são mais que uma mesma realidade.
Tal é a hipótese mais geral que Proudhon fixou nas suas pesquisas. Mas ela não forma o projecto, nem o termo. Se ele nunca a recusou, ele não deixou de se inclinar atentivamente sobre as estruturas que poderão dar-lhe vida; e ele tem pouca dúvida que, se o tempo o tivesse deixado, ele teria impelido ainda as suas proposições concretas. Da anarquia universal ao federalismo europeu ou, mais exactamente, contra a anarquia pelo federalismo; é a fórmula que parece resumir melhor o último estado do pensamento proudhoniano.
Porque Proudhon não é de modo algum, como o pretendiam os adversários sem grande informação e sobretudo sem boa fé, um defensor de imobilismo, um revolucionário”pequeno burguês” que, finalmente, se reúne na desordem estabelecida. A menos que o realismo não seja uma qualidade especificamente da (pequena) burguesia! E por outro modo, ele respondeu “ chamem-me como desejarem: eu não me aborreço nada” (16). Enfim, o que abomina é a mudança pela mudança ou, o que volta ao mesmo, as “cosmogonias” das ideologias de todas as margens, que são às vezes inaplicáveis e catastróficas. Se ele defendeu os tratados de 1815, não é de forma alguma o que ele tinha ignorado das imperfeições e das hipócrisias; menos ainda porque ele considerava-os como” a última palavra do direito das pessoas”. Mas porque ele sabia que aquela explosão terrível e que aquelas negações da justiça resultariam da sua revisão.
Os tratados de 1815, mesmos resultados de uma série de ajustamentos sensatos em vias de estabelecer a paz na Europa, asseguram progressivamente um equilíbrio entre poderes, desde que formularam as regras de uma garantia mútua deste equilíbrio pelos Estados, que renunciaram assim toda pretensão hegemónica. Princípios baseados sobre aqueles que Proudhon fundou todas as suas concepções em matérias filosófica, social e política: quando ele as vê realizadas, fê-las parcialmente, nos benefícios europeus, ele só as pode aprovar. Mas ele quer completá-los por um terceiro princípio que será o coroamento da instituição: o da autonomia. O que é bom, com efeito, nos benefícios entre Estados, deve sê-lo também pela constituição interna destes Estados.É somente nesta condição que a justiça será respeitada a todos os níveis da pirâmide humana, e não somente na sua base nos benefícios entre indivíduos ou no seu extremo nos benefícios entre grandes poderes que se respeitam unicamente porque elas se respeitam.
“ Toda a aglomeração de homens, compreende num território claramente circunscrito, e podendo aí viver uma vida independente, é predestinado à autonomia” (17). Eis o axioma, homólogo daquele dos direitos do homem sobre o qual deve repousar o direito social. E, primeiro, na Europa, pátria do direito. Desde de logo que seria respeitada esta regra primordial, as questões de nacionalidades e de fronteiras, tão equívocas no regime actual dos estados, tomariam o seu sentido verdadeiro e tornariam solúveis. Proudhon, depois de ter batalhado tanto contra as reivindicações nacionais, encontra marcas paulinianas para os defender a sua volta: eles são pela independência, eu também… eles são pela Europa das pátrias, eu também! “À excepção de um, muitos outros falam sem os conhecer, eu inclino diante do princípio da nacionalidade como diante daquele da família: é justamente por isso que eu protesto contra as grandes unidades políticas, que não me parecem ser outra coisa senão confiscações de nacionalidades” (18).
As nacionalidades assim reconhecidas e o falso princípio da soberania dos grandes estados (impropriamente chamados nações) anulado pela redistribuição da soberania, a unidade poderá fazer-se, sem fusão nem hegemonia, pelo reconhecimento e garantia mútuas das autonomias. A primeira, e finalmente a única condição da federação europeia é assim que ela mesma seja composta de federações, desde as mais pequenas comunidades capazes de autonomia até ás maiores. Neste conflito igualitário, Proudhon não hesita, por outro lado, em reconhecer o Ocidente, uma preponderância, não de direito mas de impulsão, razão do seu longo passado civilizado. Ele não apanha mesmo o local que ele queria ver reservado à França, num texto que a sua actualidade nos autoriza a citar, primeiro que muitos outros conhecidos: “Ele está certo (…) que a Europa é uma federação de Estados que os seus interesses pareciam solidários, e que nesta federação, fatalmente ameaçada pelo desenvolvimento do comércio e da indústria, a prioridade de iniciativa e a preponderância surgem a Ocidente. Esta preponderância (…) o interesse da nossa conservação, bem mais que aquele da nossa glória, comanda-nos de a retomar. Quer-se, com este objectivo, proceder pela via das conquistas ou por aquela das influências? Quer--se que a chave do Estado francês seja o Presidente da República europeia ou, se se ama melhor, deixá-lo apanhar a oportunidade de tornar-se a monarquia, ao riso de uma terceira invasão e da dilaceração da pátria?” (19).
Mesmo que ele tenha esta preponderância e esta escolha, nada seria mais contrário ao pensamento proudhoniano que a ideia de uma Europa limitada na extensão e, a razão mais forte, dominadora na sua inspiração. Todo o nacionalismo europeu é, por definição, estranho ao autor do Príncipio Federativo que foi o primeiro, e que é estacionário aquele da Justiça visto que, segundo ele, “O federalismo é a forma política da humanidade” (20), suas conquistas pacíficas uma vez estabelecidas não poderão ouvir-se pouco a pouco, pela força de uma atracção invencível, até que a “hora tenha soado na federação universal, na qual toda a evolução histórica deve resolver-se” (21).


NOTAS

1 Carta a Micaud, de 18 julho 1841
2 Carta a Maurice, de 26 Fevereiro 1848
3 No mesmo 21 Março
4 Justiça, II, p.289
5 A Federação e a Unidade na Itália), pp.98-99
6 Ideia Geral, pp.333-334
7 Carta a Chandey, 11 Abril 1859
8 Da Justiça, II, p.315
9 Ibidem, pp.316, 317, 320, 321
10 Correspondência X, 3 Maio 1860, pp.38-39 e 3 Maio 1860, p.47
11 Contradições Políticas, pp. 145,146,149
12 Da Justiça, II,p.289
13 Da Justiça, II,p.323
14 Ideia Geral, pp.328-329
15 Ibidem, p.232
16 Se os Tratados …p.420
17 Novas observações, p.211
18 Novas Observações…, p.219
19 Filosofia do Progresso, antes-proposto p.p.39-40
20 Justiça, II, p.288
21 Correspondência, XII, p.88

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