sábado, março 18, 2006

ABAIXO OS DIREITOS DO HOMEM

Haverá ainda alguém que queira criticar os Direitos do Homem? Estar contra os Direitos do Homem seria como as crianças estarem contra os doces. E por isso, toda a gente está naturalmente a favor dos Direitos do Homem: George Bush e Tony Blair, Ariel Sharon, José Sócrates e a Amnistia Internacional. Em nome dos Direitos do Homem bombardeia-se por todo o mundo e ocasionalmente tortura-se um pouco; em nome dos Direitos do Homem, as vítimas são tratadas e consoladas. Tanto os porta-vozes como os opositores da guerra capitalista pela ordem mundial invocam os Direitos do Homem; Alguma coisa pode não estar bem com os Direitos do Homem. A esta conclusão chegou, há mais de 150 anos, um homem chamado Pierre Joseph Proudhon. Verificou o que tem um lugar central nas Declarações de Direitos do Homem: liberdade dos sujeitos do mercado, garantia da propriedade privada, segurança policial das transacções. Por outras palavras: “Homem”, neste sentido, não é mais do que o ser produtor de mercadorias e ganhador de dinheiro, os "direitos" elementares da sua existência, até a "integridade da sua vida e do seu corpo", só podem ser possuídos na medida em que ele tenha alguma coisa, ou, no mínimo, ele próprio (e no caso mais extremo os seus órgãos corporais) para vender, ou seja, tenha, por seu lado, capacidade de pagamento. Um Homem só é titular de direitos, ou seja, titular de Direitos do Homem, se puder funcionar na legalidade capitalista, que foi declarada como lei natural da sociedade. O chamado esclarecimento burguês apenas entendeu como humana a existência dos sujeitos do trabalho abstracto desenvolvido nos espaços funcionais da economia empresarial e do comércio de mercadorias nos mercados em suma a esfera de realização da valorização do capital. É subentendido, que o Homem já surge nesta forma social do útero materno, porque só se pode conceber, quer física quer espiritualmente, sob a forma de um tal ser económico. Não está previsto o caso de o Homem como Homem poder sair destas condições supostamente naturais. Contudo, foi precisamente esse o caso periodicamente criado pelo capitalismo. No decurso da terceira revolução industrial isso tornou-se mesmo, irreversivelmente, um estado existencial duradouro para a maioria global. Só que esse estado não coincide com a definição iluminista de Homem. Os supérfluos do capitalismo, segundo essa definição, não são seres humanos, mas apenas objectos naturais, como um seixo, uma barata ou um escaravelho da batata. Daqui decorre que os modernos Direitos do Homem não são uma promessa, mas uma ameaça: se uma pessoa já não é economicamente utilizável e funcional também já não é, em princípio, sujeito de direito, e, se já não é sujeito de direito, não é já um Homem. A potencial desumanização dos supérfluos é mantida na concepção burguesa, na medida em que o coisificado Homem capitalista, na forma anti natural de excluído, ainda é menos que uma coisa. Esta última consequência é o princípio secreto de toda a economia política e sobretudo da moderna política democrática. As organizações civis dos Direitos do Homem, como a Amnistia Internacional e outras, são muitas vezes um espinho cravado nesse tipo de política. Com a sua defesa directa das vítimas da guerra e da perseguição, com a sua integridade, ao contrário dos políticos tradicionais e a sua muitas vezes demonstrada coragem contra os poderes dominantes, constituem uma importante instância da ajuda prática e, não em menor medida, de crítica e de denúncia. Mas também neste campo estão limitadas. Elas defendem as vítimas exclusivamente em nome do princípio que as tornou vítimas. Por isso não podem prosseguir a necessária crítica da sociedade; a sua actividade pode atacar tanto as causas sociais da violência e da perseguição como qualquer discurso pode acabar com a injustiça. O título ideológico da sua ainda burguesa auto-compreensão torna extraordinariamente ambígua, não a sua actividade empírica em si, mas a sua legitimação. E por isso correm o risco de precisamente a sua existência e os seus efeitos poderem ser instrumentalizados para a justificação do terror económico global. O reconhecimento evidente do Homem, ou seja, de todos os Homens, na sua existência corporal, espiritual e social, só pode ocorrer para além da definição Iluminista-capitalista do ser humano. Nesta medida, a crítica dos Direitos do Homem é a condição de toda a crítica no século XXI, como a crítica da religião foi a condição de toda a crítica no século XIX. Tenhamos isto em conta: nem os princípios fundamentais mais belos da realidade dominante são os nossos princípios; nós temos é de nos ver livres desta realidade em lugar de nos tornarmos realistas do ponto de vista dos Direitos do Homem.

http://obeco.planetaclix.pt/rkurz110.htm

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