domingo, abril 30, 2006

A equação do empobrecimento do trabalhador

O número que de facto denuncia a crescente exclusão e empobrecimento do trabalhador, sob o novo paradigma tecnológico é a queda da renda, traduzida pela redução constante da participação da massa salarial na geração da riqueza.
Muitas pessoas nos questionam sobre nossas afirmações de que as novas tecnologias, aliadas aos novos métodos gerenciais, estariam gerando desemprego. O argumento é de que os índices de desemprego não mostrariam uma tendência explosiva. Isso de fato é uma realidade.
Apesar de reparamos que qualquer que seja o nível de crescimento económico, o número de empregos gerados é sempre menor do que o esperado, o desemprego em si não parece crescer.
No entanto, por todo o mundo, junto com as comemorações de aumentos das exportações, da actividade industrial, do crescimento do PIB, etc., existe sempre uma observação em “letras miúdas”, de que o desempenho do mercado de trabalho “decepcionou”.
Muitos analistas de mercado já apontam a queda na renda dos trabalhadores como factor limitante ao próprio crescimento do sistema capitalista. Como compreender essa aparente contradição?
Suponhamos que numa pequena cidade, numa fábrica hipotética, tenhamos 100 trabalhadores, trabalhando 40 horas por semana a um salário de R$ 5,00 por hora. Nesse caso cada trabalhador receberá R$ 200,00 por semana. O custo directo para a fábrica será de R$ 20.000,00 por semana. Isso corresponde também a “renda” do trabalho.
Agora vamos imaginar que a fábrica instale robôs, redes de computadores e promova uma reengenharia no seu quadro administrativo. Com isso, poderá despedir 50 empregados. Isso reduziria seus gastos com mão-de-obra para R$ 10.000,00 por mês.
A reacção seria imediata, o índice de desemprego explodiria e se tornaria insustentável. Então os donos da fábrica sugerem que as contratações sejam “flexibilizadas”. Nesse caso, a empresa contrata de novo 100 empregados, mas para trabalhar apenas 20 horas por semana com o mesmo valor de R$ 5,00 por hora.
O resultado seria que cada trabalhador passaria a ganhar R$ 100,00 por semana e o custo directo para a fábrica seriam os mesmos R$ 10.000,00. Mas o desemprego não só desapareceria como o salário por hora seria mantido. Novamente haveria reacção, todos sabem que um operário pode trabalhar 40 horas por semana, porque trabalhar só 20?
Então a empresa voltaria a negociar, só que como existe pouco serviço, devido ao aumento da produtividade, a fabrica só poderá pagar R$ 2,50 por hora. Afinal a globalização exige competitividade e salários mais “realistas”.
A fábrica poderia voltar a contratar os mesmos 100 funcionários, usando o tempo extra para qualquer outra finalidade. Cada empregado voltaria a trabalhar 40 horas por semana, mas só receberia R$ 100,00 de salário. Agora não só o desemprego desapareceu, como a evidente sub ocupação também.
Nos dois casos, não há aumento do desemprego, e no segundo, existe até recuperação da utilização da mão-de-obra. Só que a queda na renda do trabalho logo ficaria evidente. O comércio de nossa hipotética pequena cidade, imediatamente sentiria seus efeitos.
A concentração da renda nas mãos dos donos da fábrica também seria logo percebida. Qualquer pessoa, com um mínimo de bom senso, perceberia que os trabalhadores foram prejudicados, por qualquer das “soluções” propostas.
Mas é exactamente assim que a economia global vem funcionando. Como nesse caso, os números são muito mais complexos e dispersos, a compreensão desse mecanismo fica
obscurecida. Muitas empresas de diversos ramos de actividade, em vários países ao mesmo tempo, adoptam essas práticas.
O surgimento do emprego flexível por toda a parte, não é mais do que uma série de variações das situações que descrevemos acima. O emprego informal, terceirizado ou por tempo determinado. O surgimento do autónomo e do micro empresário. Todos esses arranjos apenas mascaram as nossas simplórias continhas.
A equação passa a ser uma relação simples: Manutenção dos direitos trabalhistas é igual a desemprego. Flexibilização do emprego é igual à queda na renda. Como o desemprego tem um impacto político maior e é um indutor de distúrbios sociais, adopta-se a segunda alternativa.
O resultado é que os níveis de emprego e até de ocupação, não parecem cair. Os cultores da economia de mercado então podem demonstrar que as novas tecnologias não estão afectando os empregos. Um ligeiro crescimento do emprego, nos sectores de serviços mais ou menos imunes a automação, completa o quadro de optimismo.
Mas o calcanhar de Aquiles não demora a se revelar: A queda na renda dos assalariados se acentua, e vai minando as bases para o próprio crescimento do mercado. A concentração de renda vai aumentando as tensões sociais.
Por mais complexas que sejam as relações de trabalho dentro do capitalismo globalizado, basta apenas verificar uma única estatística para comprovar a realidade de nossa afirmação: A renda dos trabalhadores sempre cai.
Não importa se o país é desenvolvido ou não, qual a evolução da economia, qual a velocidade de crescimento ou desaceleração, os níveis de inflação, a taxa de câmbio, a balança comercial, a massa salarial é sempre decrescente.
Independentemente de outros factores, a renda dos trabalhadores sempre cai todos os anos. Como isso acontece sem a interferência de governos ou de qualquer organismo ou instituição, a conclusão obrigatoriamente é a de que, sob o novo paradigma tecnológico, o mercado de trabalho tenderá a forçar o empobrecimento e a exclusão de vastas parcelas da população mundial.
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sábado, abril 29, 2006

O homem flexível

Há muito não é mais segredo que o mundo altamente industrializado ou mesmo "pós-industrial" do Ocidente assume cada vez mais traços do chamado Terceiro Mundo. Não foram os países da periferia capitalista que se acercaram do nível social das democracias ocidentais do "Welfare State", mas justamente o contrário, a depravação social nos antigos centros capitalistas dissemina-se como um vírus. Porém não se trata somente do progressivo desmantelamento dos sistemas de previdência social, não se trata somente do aumento do desemprego estrutural de massas.Além disso, entre o emprego formal e o desemprego também cresce um sector difuso, que já é velho conhecido dos países do Terceiro Mundo e que, nas sociedades marcadas pelo "apartheid" social de uma minoria que toma parte no mercado globalizado, ganhou o rótulo de "economia informal" dos excluídos, os quais vegetam abaixo do nível de miséria. Os camelôs nas calçadas, os garotos que limpam pára-brisas nos cruzamentos, a prostituição infantil ou o sistema semilegal de reaproveitamento de sucata e lixo compõem essa categoria.Em menores proporções, esses fenómenos também passaram a integrar o dia-a-dia do mundo ocidental, sendo mais evidentes nos países anglo-saxões, com o seu radical liberalismo económico de matiz clássico. Mas ainda se acham em gestação novas formas híbridas entre o emprego formal e as relações de trabalho precárias.Como há 20 anos o nível do salário real diminui de forma contínua (com particular virulência nos Estados Unidos), a renda do salário oficial não basta mais para financiar um padrão de vida "normal" com moradia, carro e seguro de saúde. É preciso, assim, buscar relações de emprego suplementares. Dois ou três empregos por pessoa são quase a regra. O operário de uma fábrica, após o expediente, dá um pulo em casa para um rápido jantar e em seguida entra de serviço como vigilante noturno em outra empresa; de sono restam só poucas horas. No fim-de-semana ele trabalha ainda de garçom num restaurante sem salário fixo, contando apenas com as gorjetas. Com esforço sempre maior e à custa da ruína de sua saúde, mantém-se a fachada da normalidade.Outro fato que multiplica essa nova espécie de biografia do rendimento incerto é serem as pessoas obrigadas, em número cada vez maior, a trabalhar abaixo de sua qualificação. Para as actividades que efectivamente exercem, elas são "super qualificadas", sua proficiência não é mais absorvida pelo mercado. Desde o início dos anos 80, com o advento da revolução microeletrônica e com a crescente crise das finanças estatais, uma formação académica não é mais garantia de um posto de trabalho correspondente. Muitos cargos qualificados no âmbito estatal foram extintos, por falta de financiamento. No mercado livre, por outro lado, as qualificações caducam com uma rapidez vertiginosa e, como "fogo de palha" que são, logo perdem seu valor. O ciclo acelerado das conjunturas, das inovações, dos produtos e da moda abarca não somente a esfera técnica, mas também a cultura, as ciências humanas e a prestação de serviços.Nesse processo social, uma parte crescente da intelectualidade académica foi degradada. O "eterno estudante", o estudante de matrícula trancada que tira seu sustento fazendo bicos em actividades menores, a estudante de literatura inglesa aos 30 anos desempregada, com seu inútil diploma de doutora, esses casos não são mais raridade. Em todo o mundo ocidental, o taxista graduado em filosofia tornou-se o emblema de uma carreira social negativa. Formou-se um novo círculo, bem mais abrangente do que a antiga boémia. Historiadores diplomados trabalham em fábricas de pão de mel, professoras desempregadas tentam a vida como "babysitter", juristas supérfluos vendem produtos culturais indianos.Muitas pessoas com passado intelectual arrastam-se vida afora, com seus 30, 40 anos de idade, em projectos intelectuais difusos, semi-estudantis, e flutuam em suas actividades entre o emprego de entregador de mercadorias, o jornalismo de ocasião e experiências artísticas improdutivas. A questão profissional gera um progressivo embaraço. Já em 1985, dois jovens autores alemães, Georg Heizen e Uwe Koch, publicaram um romance "cult", cujo herói assim descreve esse novo sentimento de precariedade: "Não sou pai, nem marido, nem membro do Automóvel Clube. Não sou pessoa de mando nem autoridade, não disponho de conta bancária. Sou versado em assuntos intelectuais, dos quais hoje se faz cada vez menos uso. Estou excluído da circulação das ofertas".Se talvez dez ou 15 anos atrás essa forma de existência equívoca ainda soava algo exótica, hoje ela se transformou em fenómeno de massas. O sociólogo alemão Ulrich Beck apurou que "o sistema padronizado de emprego começa a esmorecer". As fronteiras entre emprego e desemprego tornam-se lábeis. As palavras de ordem do novo sistema de emprego, um sistema disperso e confuso, são "flexibilização" e "sub emprego múltiplo". Há muito não se encontra mais apenas uma inteligência académica, excluída e supérflua, nesses meios de emprego flexibilizado. Antigos carpinteiros, cozinheiras, desenhistas técnicos, cabeleireiros, costureiras ou enfermeiros também se transformaram em sub empregados de função múltipla e sem emprego fixo.Todos fazem algo diverso daquilo que estudaram. Qualificações, profissões, carreiras, currículos e status social precisos e inequívocos fazem parte do passado. Isso é mais do que a simples oscilação constante entre emprego remunerado e desemprego, como hoje é natural para vários milhões de pessoas nos Estados industrializados do Ocidente. Trata-se também da permanente alternância entre qualificações, actividades e funções já conhecidas, uma espécie de vaivém entre os ramos sociais do trabalho, que se modificam com rapidez cada dia maior sob a pressão dos mercados.Ainda havia esperanças, nos anos 80, de que a nova tendência de flexibilização das relações de trabalho talvez pudesse ser dobrada para fins emancipa tórios, permitindo que não se seguissem mais padrões esclerosados, que se descobrissem, apesar das pressões sociais, novas possibilidades e novos modos de vida. O indivíduo flexível deveria ser o protótipo daquele que não se submete mais incondicionalmente às injunções do trabalho e do mercado, daquele que, por conquistar um tempo livre para a acção independente e autónoma, é capaz de definir livremente seus objectivos. Falava-se de "pioneiros do tempo", que ganhariam a "soberania do tempo" para usá-lo em benefício próprio, criando formas de vida alternativas à polarização mecânica entre o "trabalho" imposto por outrem e o "lazer" orientado para o consumo.Tais ideias lembram um pouco os escritos de juventude de Karl Marx, que, numa passagem famosa, previu para o futuro comunista o fim da opressiva divisão do trabalho: "A divisão do trabalho nos oferece o exemplo de que, enquanto existir a cisão entre o interesse particular e o comum, a própria acção do homem torna-se para ele um poder alheio e adverso, que o subjuga. É que, tão logo o trabalho começa a ser dividido, cada um tem um determinado círculo exclusivo de actividades, do qual não pode sair, ao passo que, no comunismo, a sociedade regula a produção geral e justamente por isso permite-me fazer hoje isso, amanhã aquilo, de manhã caçar, à tarde pescar, à noite pastorear o gado, depois do jantar fazer crítica, com bem me aprouver, sem jamais ter de tornar-me caçador, pescador, pastor ou crítico".A velha imagem romântica do jovem Marx, completando exactos 150 anos de existência, infelizmente não tem mais nada a ver com a nossa nova realidade flexibilizada. Afinal não vivemos mais numa sociedade com veleidades comunistas, que, para além do capitalismo burocrático de Estado, hoje em franco declínio, partiria em busca de novos horizontes de emancipação social.Optimistas da flexibilização como Ulrich Beck ou o filósofo social francês André Gorz tomaram o bonde errado, pois quiseram desenvolver os potenciais de uma nova "soberania do tempo" individual em coexistência pacífica com o modo de produção capitalista. Depois de toda a crítica radical da ordem reinante ter sido abandonada, não existia mais nenhuma possibilidade de utilizar a tendência social imanente para fins emancipa tórios. Em razão disso, a luta para dar à flexibilização contornos sociais já estava decidida antes mesmo de começar.As ideias esperançosas de uma suposta determinação autónoma do fluxo temporal em nichos sociais referiam-se, em todo caso, apenas a certas formas de trabalho de jornada parcial, que além do mais, segundo a teoria de Gorz, deveriam ser patrocinadas socialmente pelo Estado, para afiançar uma segura "receita básica" na forma de moeda e possibilitar com isso as actividades paralelas, estas sim de livre escolha.Essa teoria, bem intencionada mas banguela, sempre fez pouco da realidade das pessoas que, sob a pressão do crescente dumping social, são forçadas a trabalhar em dois ou três empregos quase 24 horas por dia. Como hoje, a exemplo de antes, ainda existe aquela "cisão entre o interesse particular e o comum" -leia-se: concorrência cega nos mercados anónimos, que teóricos como Beck e Gorz não põem mais em questão, o potencial da produtividade incrementada também não pode mais ser utilizado em proveito da "soberania do tempo" dos indivíduos. Em vez disso, o capitalismo neoliberal desembestado impôs ditatorialmente a flexibilização, viabilizando de forma exclusiva sua filosofia económica da redução de custos a todo preço.Suprimem-se as jornadas de trabalho padronizadas, mas não no interesse dos trabalhadores. Amplia-se o "trabalho à disposição", conforme o volume das encomendas e em turnos variáveis. Exige-se também maior mobilidade espacial da força de trabalho, em prejuízo de seus próprios interesses vitais. Há tempos, centenas de milhões de pessoas são forçadas a migrar para outros países e continentes em busca de trabalho. Latinos saem à cata de emprego nos Estados Unidos, asiáticos, nos emirados do Golfo, europeus do sul e do leste, na Europa central.Na China e no Brasil há enormes migrações internas. Sob o ditado da globalização, reforçou-se essa tendência à mobilidade espacial da força de trabalho, atingindo até mesmo os centros ocidentais. Na Alemanha, por exemplo, as delegacias de trabalho podem exigir de um desempregado que aceite um emprego a 100 km de sua residência e "visite" sua família só nos fins-de-semana. No interesse de sua carreira, empregados laboriosos vêem-se cada vez com mais frequência na obrigação de trocar de cidade, de país ou de continente em que prestam seus serviços. As pessoas transformam-se em nómadas do mercado, incapazes de criar raiz social.Da flexibilização também faz parte a constante alternância entre empregos subordinados e "autónomos". As fronteiras entre o trabalho assalariado e a livre iniciativa perdem a nitidez, mas isso também em detrimento dos trabalhadores. Na esteira do "outsourcing" surgem cada vez mais pseudo-autônomos sem organização empresarial própria, sem capital próprio, sem colaboradores e sem a célebre "liberdade empresarial", já que dependem de um único cliente a maioria da vezes sua antiga empresa, que desse modo poupa a contribuição providenciaria e, em lugar do piso salarial, paga somente os "honorários" daquilo que foi estritamente produzido, o que é sempre muito menos do que o antigo salário.Flexibilização, em obediência ao mandamento de transferir o risco aos empregados autónomos e delegar a responsabilidade aos mais fracos, significa: mais produção e mais estreasse por menos dinheiro. O liame empresarial se esgarça e os chamados colegas de emprego cindem-se em dois, de um lado os de carteira assinada, espécie em extinção cujos direitos trabalhistas são paulatinamente reduzidos ou cortados de todo, e de outro os colaboradores que convivem na precariedade, chamados por exemplo de "freelancer" ou "portfolio-workers".Entre os primeiros, por sua vez, cindem-se as repartições em "profit-centers" concorrentes. A cultura da empresa integrada faz parte do passado. Tomando como exemplo o multicartel da IBM, o historiador social americano Richard Sennet, em seu livro "O Homem Flexível" (1998), mostrou essa lógica da infidelidade: "Durante os anos de reestruturação, ao enxugar os gastos, a IBM não dava mais confiança a seus empregados. Foi-lhes comunicado, aos que restaram, que eles não eram mais os filhos da grande empresa".Os indivíduos flexibilizados pelo capitalismo não são pessoas conscientes e universais, mas pessoas universalmente exploradas e solitárias. A nova responsabilidade pelo risco não é algo instigante, se não aterrador, pois o que se arrisca é a própria vida. A desconfiança generalizada corre mundo. Do clima de máfia e paranóia nasce uma cultura empresarial taciturna. Pessoas sem assistência e espoliadas ficam doentes e perdem a motivação. E tornam-se cada vez mais superficiais, dispersas e incompetentes. Isso porque a verdadeira qualificação exige tempo, tempo de que o mercado não dispõe mais. Quanto mais rapidamente mudam as exigências, mais irreal torna-se a qualificação, mais o aprendizado transforma-se num puro consumo de conhecimentos, num mero ossuário de dados. A qualidade fica para as calendas. Afinal, quando sei que tudo o que aprendo à custa de esforço perderá valor no momento seguinte, o fôlego de minha atenção será obviamente mais curto, e isso na exacta proporção de meu desalento.Mas empregados manhosos e sem coesão social, que só sabem lograr seus superiores, os clientes e seus demais colegas, tornam-se também contraproducentes para a empresa. Com a total flexibilização o capitalismo não soluciona sua crise, antes a conduz ao absurdo e demonstra que só é capaz de suscitar forças auto destrutivas.

http://obeco.planetaclix.pt/robertkurz.htm

sexta-feira, abril 28, 2006

A solução para o “paradoxo da produtividade” é demitir trabalhadores

A famosa afirmação do prêmio Nobel Robert Solow de 1987, "Vemos o computador por toda parte, menos nas estatísticas de produtividade", surgiu em função da incompreensão inicial das verdadeiras finalidades da automação: Demitir trabalhadores.
Todos os profissionais de informática com razoável experiência já se defrontaram com o “Paradoxo da Produtividade”. A questão surge quando após a aquisição de um considerável número de computadores e periféricos, desenvolvimento de software e treinamento dos usuários, os controladores financeiros da empresa acusam o departamento de informática de apenas aumentar os custos.
O paradoxo surge porque teoricamente, um sistema de administração mais ágil e confiável, deveria resultar em melhora no desempenho geral e isso necessariamente deveria se refletir nos índices de produtividade.
Mesmo em caso de sucesso absoluto da implantação do novo sistema, com redução significativa de erros e inconsistências nas informações e dos prazos para atendimento das exigências burocráticas, a alta administração não parece nem um pouco satisfeita. O que estaria acontecendo?
A resposta é simples: O projeto de informatização, por questões diplomáticas, sempre foi apresentado como tendo objetivos diferentes da realidade. Assim as metas declaradas normalmente são restritas apenas a melhorias de desempenho, quando na realidade o objetivo real é a redução de custos.
Para um analista de sistemas, se um relatório que levava uma semana para ser preparado, agora leva apenas um dia, isso é aumento de produtividade. Já para um executivo do setor de finanças, isso pode não significar nada, a menos que algum empregado possa ser demitido.
Portando o paradoxo surge devido a interpretações diferentes do que seja “produtividade”. Os profissionais das áreas técnicas têm a tendência de considerar o aumento da capacidade de produção como desejável em qualquer circunstância. Isso é uma herança da “era fordista” quando de fato os lucros eram uma função direta do aumento da escala de produção.
Mas isso não é mais verdade na “era toyotista” onde os lucros devem ser obtidos sobre escalas menores com a redução obsessiva dos custos. Na era toyotista, o objetivo da informatização não é habilitar uma equipe de empregados para produzir mais e sim reduzir ao máximo o seu número.
Portanto, um projeto de informatização não deve mais se ater apenas a ganhos em relação ao desempenho e sim se concentrar na eliminação de postos de trabalho. É por isso que agora os computadores de fato geram desemprego. É por isso também que a maioria das pessoas ainda não percebeu esse fato, e as suas graves conseqüências sociais e políticas.
Muitos ainda julgam que os computadores apenas melhoram o desempenho de setores diretamente dependentes de informações como são o caso dos bancos, serviços de contabilidade, de análise financeira e serviços públicos em geral.
Uma forma simples de conferir isso, é que o paradoxo da produtividade simplesmente desapareceu nos bancos privados, por exemplo. Neles, os computadores eliminaram milhares de empregos e os lucros nunca foram tão satisfatórios (Não estamos falando somente do Brasil onde os juros estratosféricos permitiriam lucros mesmo que os bancos usassem ábacos para fazer contas e penas de ganso para escrever).
Por outro lado o paradoxo ainda é perfeitamente visível nos serviços públicos, onde em meio á fartura de equipamentos de informática, circulam milhares de funcionários ociosos e os custos da “máquina” governamental não param de crescer.
Existe inclusive um antecedente perfeito para o paradoxo da produtividade no que se refere à automação industrial. Para captarmos bem a questão, recorreremos ao próprio autor das idéias que vieram a ser denominadas como “técnicas japonesas de gerenciamento”, “just-in-time” e outras expressões mais ao gosto dos departamentos de marketing institucional.
O engenheiro Taiichi Ohno, que em 1975 tornou-se vice-presidente executivo da Toyota Motor Company, autor das idéias que hoje conhecemos como “toyotismo”, escreveu um livro sobre o assunto. Como se trata de texto de um engenheiro, tem o enorme mérito de ser muito mais objetivo e franco, sem as ambigüidades e eufemismos, tão comuns em “literatura de negócios”.
No livro, intitulado “O Sistema Toyota de Produção – Além da Produção em Larga Escala” (Porto Alegre, Bookman, 1997), Taiichi Ohno vai direto ao assunto: “...o Japão viu as médias de renda nacional subirem acentuadamente e viu diminuir a vantagem anterior de custos de produção baseados em baixos salários. Por essa razão, os empresários apressaram-se para automatizar.” (pág. 122).
Ou seja, os empresários japoneses, ao contrário dos norte-americanos e europeus, não partiram para a automação para aumentar dramaticamente a produção e sim para reduzir seus custos crescentes de mão-de-obra. Com a atividade sindical, a “vantagem competitiva” dos salários de fome do imediato pós-guerra, estava desaparecendo.
Mas é claro que a simples automação não funcionou de imediato. “Muitos acham que a redução de custos pode ser alcançada pela aquisição de robôs ou máquinas de alto desempenho. Os resultados mostram porem que, os custos não foram absolutamente reduzidos.” (pág. 122/123).
E por que os custos não foram reduzidos? É simples. Os japoneses compraram máquinas e contrataram técnicos do ocidente, onde ainda imperava o “fordismo”. A automação era vista como forma de equipar os operários para aumentar a produção e não para elimina-los.
Além disso, no ocidente, a ideologia por trás da produção capitalista ainda era dirigida ao “pleno emprego” e se falava muito na “responsabilidade social” do capital. Portanto, tecnologia para gerar desemprego ainda estava fora de questão.
Isso é muito semelhante ao ambiente político e aos objetivos iniciais da implantação de computadores nas empresas em geral. Mas os japoneses tinham outros objetivos e suas idéias logo se refletiriam no ocidente á partir da “revolução liberal” liderada por Margaret Thatcher e Ronald Reagan.
Para Taiichi Ohno existe uma clara diferença entre poupar mão-de-obra e poupar operários. No primeiro caso, a empresa está apenas melhorando as condições de trabalho do próprio operário, ao invés de manda-lo embora, que é o objetivo real.
Em suas palavras: “Se a automação está funcionando bem, ótimo. Mas, se ela é utilizada simplesmente para permitir que alguém fique mais à vontade, então ela é muito cara.” (pág. 82). Afinal, “nos negócios nós estamos sempre preocupados em produzir mais com menos trabalhadores”. “Na verdade, sempre digo que a produção pode ser feita com a metade dos operários.” (pág. 124).
Essa portanto, é a questão fundamental. Numa economia competitiva a nível global, é muito difícil obter lucros com grandes escalas de produção. Nesse caso, o clássico raciocínio de que um operário mais uma máquina produzira mais, deve ser substituído pela idéia de que uma máquina sem um operário custara menos.
Isso não é somente semântica. O sucesso da Toyota em manter-se lucrativa em meio à crise do petróleo dos anos 70 e seu desempenho posterior está baseado em sua capacidade de produzir em pequena quantidade a custos muito reduzidos.
Seu segredo, além do just-in-time (conceito também aplicável à mão-de-obra), foi a correta utilização da automação para a eliminação de postos de trabalho ao invés de uma busca por aumento de produção. Muito significativa sobre isso é o título de um dos capítulos do livro de Ohno: “0,1 operário ainda é um operário”.
Ora, quando vemos uma secretária utilizando um computador de última geração apenas como editor de textos, é disso que se trata. O computador estará apenas contribuindo para que a funcionária “fique mais à vontade” e a mão-de-obra eventualmente poupada será a dela, e isso não significará redução de custos para a empresa.
Taiichi Ohno se viu as voltas com o mesmo problema. Daí porque desenvolveu o conceito de “autonomação” como alternativa a simples automação. O termo é ironicamente traduzido como “automação com um toque humano”, mas Ohno o define claramente: “Autonomação significa a transferência de inteligência humana para a máquina.” (pág. 129).
Em outras palavras se uma máquina é incrivelmente produtiva mas não dispensa operários, não é “autônoma”, e portanto sua introdução na linha de montagem é inútil do ponto de vista da redução de custos.
O mesmo se aplica aos computadores. Sem uma rede deles fornece informações on-line para uma instituição bancária de modo a triplicar o número de clientes possíveis de serem atendidos por hora, isso não significa que o número de clientes também irá triplicar. Pode significar apenas menos serviço para cada funcionário.
A crença em que o número de clientes irá triplicar, é típica do “fordismo”. Para o “toyomtismo”, o número de clientes provavelmente será o mesmo ou até menor. Portanto os computadores só irão “aparecer” nas estatísticas de produtividade caso reduzam em dois terços o número de funcionários do banco.
Esse raciocínio, por parte dos empresários é perfeitamente legítimo em caso de crise econômica séria, como a crise do petróleo por exemplo. Mas e se ele se estende para os períodos de crescimento econômico?
O resultado é o já conhecido fenômeno da “jobless recovery” ou “recuperação sem empregos”. É quando o crescimento da economia não parece se refletir no crescimento dos empregos. Baseando-se em séries históricas longas, a previsão do número de vagas é sempre muito maior do que a realidade. Diz-se então que a recuperação do mercado de trabalho foi “decepcionante”.
Sem entender a mudança de uma economia “fordista” para uma “toyotista”, os economistas e políticos se sentem diante de um novo paradoxo. A economia cresce, a produção é maior os fluxos financeiros crescem, mas aí são os empregos que não aparecem nas estatísticas...


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quinta-feira, abril 27, 2006

Estude mais para que você seja um desempregado culto

Você acredita que as pessoas que estudam mais têm mais facilidade de arrumar um emprego, não é? Afinal isso sempre foi assim. Pois o IBGE mostra que não é mais.
Parece uma coisa bastante óbvia. A maior escolaridade melhora as chances de se conseguir um emprego. Isso é repetido sempre, como uma verdade imutável. Segundo economistas, sociólogos, e outros especialistas, isso seria ainda mais claro na “Era da Informação”. Mas alguma coisa não esta certa, de acordo com a Folha de São Paulo:
“A Síntese de Indicadores Sociais de 2003, divulgada hoje pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), revela que o desemprego avançou com maior intensidade entre os que têm mais de oito anos de estudo. O problema atinge principalmente os que estudaram mais, os jovens e as mulheres”.(1)Isso parece bastante estranho, porque na era dos robôs e computadores, deveria ser exactamente o contrário. Além disso, os mais jovens costumam se adaptar com mais facilidade ao novo ambiente tecnológico e nunca as mulheres foram tão instruídas como hoje.
“Se no passado, diploma chegou a ser sinónimo de emprego, as pesquisas dos últimos anos reforçam a tendência de que as vagas para a mão-de-obra mais qualificada estão escassas. A taxa de desemprego entre os mais escolarizados chegou a 11,3%. De acordo com o instituto, o fenómeno do desemprego tem um componente estrutural no que se refere à geração de postos de trabalho mais qualificados”. (2)
Então o que seria esse tal “componente estrutural” que dificultaria a geração de empregos justamente entre os trabalhadores mais qualificados? Isso é muito estranho, considerando que todos “sabem” que as novas tecnologias de informação e telecomunicações não geram desemprego, e sim trabalho mais criativos e de alto nível técnico.
Mas na verdade, isso só é um paradoxo para quem não entende a “nova economia”. Dentro da nova realidade, só um pequeno grupo de pessoas é necessário para projectar, construir, programar e fazer a manutenção dos novos equipamentos.
Como os novos robôs, redes de computadores e máquinas “inteligentes” têm “interfaces amigáveis”, a operação delas em si é muito simples, não exigindo mais do que a condição de alfabetizado, e às vezes nem isso, para operá-las.
Por exemplo: Um supermercado só precisa de um ou dois técnicos de alto nível para implantar uma rede de computadores e terminais de caixas, capazes de controlar os estuques, as vendas, a contabilidade, etc.
Mas a operação de um terminal de caixa computadorizado é extremamente simples. Não exige maior conhecimento do que para operar uma máquina de auto-atendimento de banco. Isso significa que o estabelecimento só ira precisar de pessoas capazes de seguir instruções elementares.
É claro que não irá precisar de universitários para passar latas de conserva na frente de uma “lusinha”. O que precisa saber alguém cuja função é somente solicitar que o cliente digite uma senha num teclado? Na verdade não são necessárias pessoas que saibam sequer fazer contas de somar para apertar uma tecla e esperar pela impressão de um recibo. Um analfabeto consegue conferir estuques com um colector de dados digital.
É por isso que quanto mais sofisticado é o “sistema” de uma empresa, menor o grau de escolaridade e experiência anterior exigido pelos seus funcionários comuns. E consequentemente, menor os salários...

Notas:
(1) “Desemprego tem alta maior entre os mais escolarizados, diz IBGE“ - Janaina Lage - da Folha Online, no Rio - 24/02/2005.
(2) Idem.
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quarta-feira, abril 26, 2006

O narcisismo é um pilar do capitalismo pós-moderno

Ao contrário do que muitos acreditam, a apatia pós-moderna não se revela pela ausência de socialização. O homem e a mulher pós-modernos estão sujeitos ao campo vertiginoso dos possíveis. É uma nova forma de socialização. Uma socialização flexível, volátil e económica, necessária ao capitalismo pós-moderno enquanto sistema acelerado, mutável e sistemático. É a mudança permanente de referências que gera a apatia. É a abundância de estímulos e não a sua ausência que gera a incapacidade de planear o modo de vida. A nova apatia leva a que tudo se passe ao nível da experiência. Note-se o que se passa nos diferentes modos de vida. Ninguém se refere a uma actividade duradoura. Todos trabalham em projectos, experiências, das quais não se espera que resultem acções duradouras. Tudo começa e acaba no projecto, na experiência. O resultado destas não é objectivado, quantificado, descrito. Tudo se resume à adjectivação. O projecto «foi muito giro». A experiência «muito interessante». A vida não se vive, consome-se. «O narcisismo tornou-se um dos temas centrais da cultura americana» (1). Não só o individualismo extremo, mas a centração sobre si mesmo distraído dos outros, é um fenómeno em desenvolvimento desde os anos setenta. Para o homem e a mulher pós-modernos nada existe fora das suas pessoas, do seu espírito e do seu corpo. O narcisismo é um elemento inerente ao novo capitalismo. «O narcisismo designa [agora] a emergência de um perfil inédito do indivíduo nas suas relações consigo próprio e com o seu corpo, com outrém, com o mundo e com o tempo, no momento em que o capitalismo autoritário dá a vez a um capitalismo hedonista e permissivo» (2). O desinteresse para com as instituições está marcado pelo narcisismo pós-moderno. No mundo ocidental a despolitização e a dessindicalização ganham proporções não atingidas nos dois últimos séculos. A esperança revolucionária morreu. A contestação seja estudantil seja dos assalariados, globalmente, desapareceu. Resta, de forma ténue, a dos que dependem das estruturas do Estado. De um Estado em destruição permanente. A noção de contracultura é agora uma noção estranha, desconhecida, em completo desuso. A cultura dominante, volátil, produzida para consumo imediato, domina de forma totalitária. Raras são as causas capazes de galvanizarem seja quem for a prazo. Restam alguns entusiasmos na condição de terem duração efémera. «A pluralidade e a desagregação dos impulsos, a falta de sistematização entre eles, leva a uma vontade fraca; a coordenação dos impulsos sob o predomínio de um deles leva a uma vontade forte» (3). O papel atribuído à comunicação social, pelo poder dominante, é o de promover a desagregação dos impulsos, substituindo a informação pela espuma informativa, dando relevo ao efémero, ao sensacional, bombardeando os indivíduos com fait divers sepultando, desse modo, os factos relevantes da vida. As comunidades são agora desertos sociais e culturais. «Cada macaco no seu galho», «cada coelho na sua toca», sob a ventania de uma imensa solidão. A República — a Praça da República — está desvitalizada, é um elemento estranho à sociedade de mercado, ao mundo dos negócios, do produz, compra e vende que domina, de forma totalitária, a sociedade ocidental. As grandes questões filosóficas, económicas, sociais, culturais ou políticas suscitam mais ou menos o mesmo entusiasmo, a mesma curiosidade que um fait divers. A sociedade narcísica também se caracteriza pela perda de sentido histórico. Viver no presente, apenas no presente e não em função do passado e do futuro é uma característica do novo capitalismo. O neoliberalismo faz apelos permanentes à reforma perdendo, e negando, toda a perspectiva histórica. Contra tudo e contra todos contam os interesses dominantes do presente. Não há gente, princípios, ideologias, ideias, há negócios. A sociedade de consumo terraplenou a vida. Todos os cumes foram desbastados pouco a pouco, arrasados pela vasta operação de neutralização e banalização sociais. O capitalismo pós-moderno não pode permitir que o ser humano se ocupe ou se distraia com outra coisa que não seja o consumo dos bens de curta duração que produz. O homem e a mulher pós-modernos estão inteiramente ao serviço do consumo e do lucro que dele resulta. Desta vaga de apatia, só a vida privada parece sair ainda vitoriosa. Zelar pelo direito ao consumo das suas crianças. Zelar de forma obcecada pela saúde e pela conservação do corpo. Defender a situação material. Rodear-se de objectos. Perder os complexos. Aprender a comportar-se como deve ser. Emagrecer. Vestir-se. Ver as imagens televisivas. Esperar as férias e a reforma. Viver sem ideal e sem fins transcendentes é a vida possível. «É a vida».
- LASCH, Chr; The Culture of narcissism, Nova Yorque, Warner Books, 1979, p. 61) - LIPOVETSKY, Gilles; A Era do Vazio, Relógio D´água, p. 48 - NIETSCHE; Le Nihilisme européen, UGE, colecção 10/18, p. 207

http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=4231

terça-feira, abril 25, 2006

O capitalismo é um modelo incapaz de enfrentar a crise do trabalho no sistema de produção de mercadorias.

O mundo vive uma nova revolução científico tecnológica que possibilita, a cada dia, níveis mais altos de super-produção ao mesmo tempo que torna obsoleta grande parte das actividades produtivas do planeta, dispensando um volume cada vez maior de força humana de trabalho, restringindo, assim, os mercados consumidores. O trabalho, no sistema de produção de mercadorias, entrou em crise, sendo reorganizado em volume e em qualidade em função das inovações tecnológicas. Tal crise que afecta o trabalho, também envolve o enfraquecimento de mercados consumidores e a fragilização das economias dos diversos países que vem perdendo sistematicamente a concorrência comercial. A crise económica que se iniciou pelos países do Terceiro Mundo nos anos 80, chegou aos países ricos na década seguinte. Um número cada vez maior de países está diminuindo a capacidade aquisitiva das massas, limitando-se a maior parcela do consumo global a sectores cada vez menores. Relatórios do Banco Mundial afirmam que o aumento do número de pobres no mundo todo nos anos 90 é um dos problemas mais graves a ser enfrentado: 73% da população mundial detém apenas 15% da riqueza produzida no planeta. Isso se agrava cada vez mais em razão do progressivo aumento do desemprego, que na Espanha atinge a casa dos 20%, enquanto na França, Itália, Canadá gira em torno de 10% e na Alemanha e Inglaterra na faixa de 8%. As empresas gigantescas no mundo todo promovem um processo de readequação envolvendo racionalização de custos a fim de aumentar a produtividade com menos gastos para enfrentar as concorrentes. Em razão disso, a IBM demitiu mais de 20.000 funcionários nos últimos anos; a G.M. que amargou um prejuízo de 4,5 biliões de dólares em 1991, definiu então um programa que previa, em quatro anos, eliminar 74 mil empregos e fechar 12 fábricas até 1995, a fim de voltar a obter lucro, tornando-se mais competitiva. Este processo de modificações na economia capitalista vem agravando cada vez mais a exclusão que é sempre inerente ao capitalismo. Inicialmente eram apenas bairros e periferias isolados que ficavam excluídos na marginalidade, transformando-se em focos de revoltas potenciais, essas regiões existem em maior ou menor medida em todos as sociedades ocidentais; depois cidades e regiões inteiras foram engolidas no quadro da marginalidade dos movimentos do capital que se concentra em certas regiões com processos produtivos cada vez mais complexos, que resultam em mercadorias que serão levadas aos pontos mais distantes do globo numa disputa por mercados; agora já são países inteiros que estão a falir e se tornam casos sociais mundiais, têm dívidas externas impagáveis, não possuem significativos processos produtivos e de exportação que permitam pagá-las e, por fim, possuem um mercado consumidor cada vez mais pobre e uma infra-estrutura que está antiquada rapidamente em função de não suportar as inovações tecnológicas, o que não atrai empreendimentos externos. Há uma crise de dívidas internacionais que se ampliam com o financiamento pelos países superavit das importações pelas economias deficitárias. Alemanha e Japão emprestam dinheiro pelo qual recebem juros e que, especialmente, possibilita aos países devedores comprarem os produtos que os mesmos países credores exportam. Sem esse financiamento ocorreria uma crise mundial. A gravidade da situação pode ser percebida considerando-se indicadores da dívida externa e da balança comercial dos países.
A dívida externa da América Latina em 1992 - conforme dados do Banco Mundial, Bancos Credores e FMI - girava em torno de 1,35 triliões de dólares. O pagamento de seus juros e serviços anuais é em média conforme dados da UNICEF, 178 biliões de dólares -- sendo que bastaria apenas 2,5 biliões para reduzir pela metade o número de 40 mil crianças que morrem por dia de fome, diarreia, tétano e sarampo na América Latina. Por outro lado, analisando a balança comercial dos diversos países percebemos objectivamente os dados que suportam a análise precedente, mostrando a maioria em condição deficitária, ao passo que Japão e Alemanha mantém superávits. Em 1992, por exemplo, era esta a situação da balança comercial de alguns países: Estados Unidos -84,50 biliões; Reino Unido -24,60 biliões; Itália -10,00 biliões; França -4,00 biliões; México -20,00 biliões; Argentina -2,96 biliões; Japão +107,06 biliões; Alemanha +21,00 biliões. Neste quadro complexo da economia contemporânea, títulos e outros papéis que circulam como capital fictício e o conjunto dos capitais acumulados que não tem como ser reinvestidos na produção em razão da carência de mercado, acabam investidos em mercados especulativos onde os movimentos de concorrência ampliam ainda mais o valor virtual desses capitais. Entretanto, este movimento que possui curva ascendente em um determinando momento, terá também seu movimento de declínio, conforme analisa Robert Kurz. Assim, quanto mais as dívidas se tornarem impagáveis, tanto mais se recorrerá a venda de acções e imóveis para garantir o seu pagamento e maior será a velocidade em que a especulação entrará em colapso, trazendo consigo uma crise no crédito e na economia mundial. O modelo capitalista, portanto, não é o fim da história. Pelo contrário, as alterações na cadeia produtiva e a concentração do capital mostram que a economia está oligarquizada em movimento de rápidas transformações sob os imperativos dos mega conglomerados que esquadrinham o mundo sob seus interesses e que possuem no capitalismo um eficiente instrumento para convencerem os países a adoptarem um conjunto de políticas que favorecem a esses mesmos grupos económicos. Dentre as mudanças que se verificam em toda o processo produtivo podemos, rapidamente, destacar a aceleração do movimento de concentração do capital, as alterações na cadeia produtiva, as facilidades com que os grandes grupos preservam os seus interesses e o fim do mito da livre concorrência com as tendências de oligarquizada e com as inúmeras parcerias entre concorrentes. A concentração do capital é notória mundialmente. Em vários segmentos da economia existem menos de 6 empresas que dominam 80% do total da produção do sector. Elevados índices de concentração encontram-se nos sectores de pneus, café, refrigerantes, chá, cacau, cerveja, etc. Tomemos como exemplo o caso da produção de pneus. Há dez anos, entre as dez maiores empresas de pneus do mundo, quatro eram originalmente americanas: Firestone, Goodyear, Uniroyal, Goodrich. Neste período, a Firestone foi comprada pela Bridgstone, do Japão; a Uniroyal comprada pela Michelin, da França; a Goodrich comprada pela Continental, da Alemanha; somente a Goodyear ainda resiste. Assim, se em 1985 eram dez as empresas que controlavam 80% da produção de pneus no mundo, em 1992 apenas três empresas já dominavam 60% da produção total de pneus. No caso da cadeia produtiva que envolve cultivo, comércio, transformação, industrialização e consumo ocorrem alterações no processo de concentração de capital nos segmentos da cadeia. Na Europa e nos Estados Unidos, verifica-se uma concentração em cadeias de supermercado. Tenha-se como exemplo que na França 40% do sector está dominado pelo grupo Carrefour; já na Suiça 50% vendas de alimentação em supermercados está sob controle do grupo Micros. Contra o mito capitalista da concorrência, ocorre uma real cooperação entre essas cadeias. Assim, por exemplo, elas juntam-se para comprar café e se tornam grande cliente da Nestlé, pressionando os preços para baixo. Esta, por sua vez, busca reduzir os custos da produção, pressionando os produtores, que passam a diminuir custos com funcionários, etc. Por outro lado, as empresas desenvolvem um macro planeamento estratégico, mudando áreas de actuação e redefinindo sua inserção no mercado. Um exemplo disso é Philip Morris. Esta empresa até 1978 apenas actuava com cigarros. Em função de pesquisas sobre a tendência de queda ténue e prolongada de consumo de cigarros, decidiu diversificar o ramo de actuação, passando a actuar com alimentos. Em 1978 comprou cervejaria Muller, a segunda maior dos Estados Unidos; em 1986 comprou a General Food, então a maior empresa de café do mundo, por uma cifra de 6 biliões de dólares; em 1988 comprou a Kraft, que trabalha com leite e seus derivados, queijo, manteiga, etc, por 12,5 biliões; em 1990 comprou a Jacobs Suchard que atua com café e chocolate por 5 biliões. Actualmente a Philip Morris detém 30% do comércio de café do mundo e 12 fábricas na Europa que se unifica. O número dessas fábricas vai diminuir em razão da modernização, ocorrendo intensificação da jornada de trabalho e desemprego. A empresa busca comprar o café directamente do produtor e por preços baixos. Para garantir que continuem baixos ela estimula a produção de café em outras regiões do mundo. Com o aumento da produção, os preços caem; isso significa que ocorre uma exploração maior dos assalariados e uma diminuição do lucro dos pequenos produtores. Ainda com o mesmo objectivo, estimula países a aumentarem a produtividade, com a implantação de programas de modernização agrícola em parceria com governos locais, promovendo o uso de insumos, etc.
Sob as pressões deste processo de "livre-concorrência", de concentração e internacionalização do capital, sob imperativos muito mais económicos que políticos, vão se formando nas últimas décadas deste século alguns mega mercados, verificando-se uma peculiar Regionalização do Mundo. A partir de 1980, as empresas europeias passam a sofrer enorme desvantagem em relação às empresas americanas e japonesas, em função de que Estados Unidos e Japão dispunham de um significativo mercado unificado. A Europa Ocidental, por outro lado, dividida em 12 países com diversidade de cultura, costumes e, especialmente, legislação, normas técnicas diferentes e barreiras alfandegárias, era um mercado de difícil penetração para as próprias empresas europeias. Assim, por exemplo, com inovações tecnológicas em algumas fábricas da Philips no Estados Unidos, era possível produzir para um amplo mercado de todo o país, ao passo que na Europa era necessário implantar fábricas em diversos países, multiplicando gastos, para fazer frente às normas técnicas ou outras barreiras alfandegárias. Como aqueles pequenos países não tinham mercado amplo para sustentar a concorrência dessas empresas com as americanas ou japonesas, a alternativa era deslocar as fábricas rumo aos grandes mercados, potencialmente, fortes consumidores. Assim, as empresas europeias automobilísticas e electrónicas, pressionadas pela concorrência com EUA e Japão começam a pressionar pela unificação da Europa. Em seguida empresas de outros sectores adoptam a mesma posição como a Nestlé e a Unilever. Em 1984 um organismo que representa as industrias europeias elabora uma lista de reivindicações exigindo a unificação da legislação e liberação no continente das fronteiras internas, possibilitando o fluxo livre do capital, formam um lobby em torno deste programa e ameaçam investir fora da Europa se suas reivindicações não fossem atendidas. Em 1985 aquele conjunto de medidas se transforma na política oficial da Comunidade Económica Europeia, sendo implantadas progressivamente um conjunto de mudanças para realizar os objectivos propostos. O que importa assinalar é que a iniciativa de formar os blocos mundiais partiu das empresas e não dos governos, embora os governos reportem ao Tratado de Roma, em 1957, como o momento oficial do início do processo de integração da Comunidade Económica Europeia. Em outras regiões do hemisfério, as multinacionais originariamente japonesas e americanas acompanhavam estes acontecimentos com preocupação. Percebendo o que a unificação do mercado europeu significava na concorrência internacional entre os diversos capitais e desenvolvimentos de tecnologia e o que politicamente significava esta iniciativa em um cenário de pós-guerra fria, Estados Unidos e Japão buscam também aumentar seus mercados. Em 1989 têm-se o início da formação de um bloco entre Estados Unidos e Canadá, com acordo de livre comércio entre aqueles países, sendo posteriormente integrado o México, estando em negociações outras integrações. O Japão, por sua vez, também vai formando o seu bloco. O mesmo acontece com outras economias em outras regiões do mundo.
Frente a tudo isso pode-se afirmar com segurança que o capitalismo é incapaz garantir um reordenamento da sociedade, que atravessa esse período de profundas transformações económicas, políticas e culturais, assegurando objectivamente o exercício da liberdade a cada ser humano. Suas medidas, que não conseguem enfrentar a crise do sistema mundial de produção de mercadorias que promove um desemprego generalizado, favorecem a concentração de riqueza em grupos económicos e em certas regiões estratégicas, desmantelando o poder do Estado em intervir na economia em função de interesses públicos. A crise que se abateu sobre o modelo desenvolvimentista do Terceiro Mundo, sobre o socialismo soviético e a social-democracia europeia, também passa a atingir as economias dos países que mais defendem o capitalismo, como Estados Unidos e Grã-Bretanha. O capitalismo se impõe muito mais como exigência dos agentes económicos interessados em aumentar seus lucros do que como alternativa política para realização de interesses sociais elementares como poder trabalhar e poder consumir como seres humanos. Frente aos movimentos de concentração de capital e de exclusão social na actual economia globalizada -- acentuados pelas próprias políticas capitalistas exigidas aos ajustes económicos nacionais como condição de financiamento das dívidas por organismos internacionais, o projecto político capitalista se mostra objectivamente incapaz de orientar a superação dessa crise que vai jogando na pobreza a maior parte da população mundial.

http://www.milenio.com.br/mance/quatro.htm

segunda-feira, abril 24, 2006

À Procura dos Culpados

O mais dilecto de todos os passatempos sociais é a busca de culpados. Quando algo sai errado em grande escala, quase nunca se permite que a própria coisa seja posta em xeque, o problema há de estar nas pessoas. Não se responsabilizam propósitos dúbios, relações sociais destrutivas ou estruturas contraditórias, e sim a falta de vontade, a escassa competência ou mesmo a má-fé das pessoas. Bem mais fácil é fazer cabeças rolarem do que subverter relações e modificar formas sociais. Essa tendência espontânea da consciência sem reflexão para elaborar dificuldades mediante atribuições subjectivas de culpa – vai ao encontro da ideologia do liberalismo: afinal, ela subjectivou de cima a baixo a questão das causas dos problemas sociais. A ordem reinante do sistema social lhe foi alçada a dogma de uma legitimidade natural, alheia a qualquer possibilidade de valoração daí a causalidade de experiências negativas não poder recair senão nos sujeitos, em sua existência imediata. Cada qual é culpado de seus próprios infortúnios ou fracassos, mas também crises e catástrofes sociais só podem ser causadas por pessoas ou grupos subjectivamente culpáveis. O erro nunca está no próprio sistema, sempre foi alguém que cometeu algum desacerto ou crime. Esse ponto de vista, embora profundamente irracional, é um alívio para a consciência, porque então ela não precisa mais se dar ao trabalho de provar criticamente as condições da própria existência. Em sua essência, problemas impessoais da estrutura social e seu desenvolvimento são identificados a certas pessoas, grupos sociais etc. ou descarregados simbolicamente sobre estes. No Velho Testamento, esse mecanismo é descrito como a função do "bode expiatório", ao qual a sociedade transfere seus pecados e que depois é apedrejado. Esse método da personalização superficial de problemas e desastres pode trilhar dois caminhos. O primeiro consiste em acusar os indivíduos do respectivo grupo ou instituição. Ou as pessoas e órgãos dirigentes são denunciados pelo zé-povinho como um triste fracasso ou estes viram o feitiço contra o feiticeiro e incriminam o zé-povinho de incompetentes, de não terem dado duro o suficiente etc. Na política moderna, um tal mecanismo político de imputação de culpa é como que o princípio de seu funcionamento. O povo destrata os políticos e os políticos destratam o povo. E assim também, como se sabe, nenhum partido de oposição política remonta os problemas sociais ao sistema da política como tal e ao modo de produção subjacente, mas somente ao fato de se encontrarem seus concorrentes ao leme do Estado e fazerem "má política". O segundo método é ainda mais irracional e perigoso. As dificuldades sociais são nele projectadas de modo genérico a um ou mais grupos de pessoas, que simbolizam pura e simplesmente o mal e têm de servir de imagem universal do inimigo. Todas as ideologias, que segundo Marx representam sempre uma "consciência falsa", e portanto uma imagem distorcida da realidade, operam num e noutro modo com tais imagens personalizadas do inimigo. Se o liberalismo, como arqueologia moderna, se orienta de forma relativamente pragmática e por qualidades características em sua busca de culpados (por exemplo, a "ambição irracional" e a indolência dos pobres, a "educação falha" dos criminosos etc.), as ulteriores visões de mundo caudatárias do liberalismo se prendem mais fortemente à imagem unidimensional do inimigo. O mais grave e maligno desses despautérios sociais é certamente o anti-semitismo moderno, que culminou na carnificina dos judeus pelos nazistas. O contrário da busca irracional pelos culpados seria uma crítica social emancipadora que não visasse a determinadas categorias de pessoas, mas quisesse transformar as formas dominantes da reprodução e relação social. E sem dúvida a teoria de Marx continua a conter o maior potencial para se efectivar nesse sentido. É certo que também o pensamento do movimento operário moderno, que nesse meio tempo chegou a seus limites, no fundo ainda é personalista, na medida em que remonta as contradições sociais -menos às leis funcionais cegas do moderno sistema produtor de mercadorias do que sobretudo a uma espécie de "vontade de exploração" comum, tal como foi atribuída aos "proprietários privados dos meios de produção". Ironicamente, esse mesmo carácter redutor da crítica pode ser remontado ao legado da ideologia liberal no marxismo do movimento operário, que dissolve todos os problemas em simples relações volitivas. Mas a teoria de Marx inclui também o acesso a uma abrangente "crítica do sistema" digna do nome e que já não confunde a crise da estrutura com a "má vontade" de pessoas ou grupos. Após o colapso do capitalismo de Estado e o triunfo da ideologia neoliberal, a crítica social, porém, não seguiu nessa direcção, antes quase se calou de todo. O sistema social e suas estruturas são mais que nunca tabu. Mas quando a forma dominante das relações sociais não parece mais passível de crítica e os problemas sociais continuam a se agravar, é aí que as teorias da conspiração ganham livre curso. Não admira, pois, que nos últimos 20 anos, paralelo ao declínio do marxismo, estejam novamente em voga ideologias racistas e anti-semitas que querem explicar a miséria do mundo com diversas personificações do mal.Mas no próprio meio oficial das sociedades democráticas sempre se buscaram descaradamente "bodes expiatórios". Na Alemanha, tornou-se best-seller um livro do jornalista económico Günter Ogger que tacha os empresários pátrios de fracassados e declara a incompetência colectiva deles a causa dos crescentes problemas sócio económicos. Os heróis e redentores de hoje são apenas os perdedores e acusados de amanhã. Certos órgãos da mídia já publicam até mesmo tabelas semanais sobre quem está "em alta e em baixa" na política, economia, esportes e "showbiz". O carrossel pessoal roda com velocidade cada vez maior.Na cadência de crises e falências, os "pessoalmente responsáveis" vão para o olho da rua e são substituídos por outros, que melhor não se saem. Mas a surda sensação de uma ameaça universal não pode ser aplacada nem pelo sacrifício do camponês nem pelo do rei -ela busca uma expressão mais abrangente e gera fantasmas. As sociedades ocidentais, já incapazes de reflectir a si próprias, criaram figuras míticas para simbolizar o mal intangível de suas próprias estruturas.Uma tal figura mítica do negativo é o terrorista. Quanto mais opacos e arbitrários os atentados a bomba de loucos, frustrados, guerreiros de Deus e mafiosos, mais eles correspondem, em sua cegueira, ao "terror da economia" -um terror sem sujeito. Há muito se apagaram também as fronteiras entre grupos terroristas, milícias estatais e serviços secretos. A sociedade democrática enxerga os terroristas quando olha no espelho. Mas justamente por isso presta-se o terrorista, como figura obscura, a manifestar o mal na "sociedade dos honrados burgueses", na forma de imagem abstracta do inimigo.
O mecanismo de projeção é especular: tal como o terrorista de motivação ideológica avista o mal do capitalismo na existência pessoal das elites funcionais, assim o político democrático, por sua vez, explica a insegurança social pela "ameaça terrorista". Os dois lados, tanto terroristas quantos aparatos de segurança, operam em igual medida com o fato de que literalmente "dão cabo" de indivíduos e apresentam publicamente os respectivos corpos como troféus, inebriados pelo "terror da virtude" (Robespierre). Nesse meio tempo, a existência de terroristas reais ou fantasmagóricos passou a ser o pressuposto legitimador para o mundo democrático da economia de mercado. Coisa análoga ocorre com o mito do especulador, tal como passou a vicejar nos anos 90, em paralelo ao sopro da bolha financeira global. E todos sabem que a surda difamação dos ganhos especulativos não está muito longe do anti-semitismo, que identifica os judeus ao lado negativo do dinheiro. Se esse mito ganhou com George Soros uma fisionomia pessoal, ao mesmo tempo ele representa uma ameaça anónima: a sociedade capitalista do trabalho sente se tornar obsoleta e projecta o problema em um sujeito do mal, que supostamente destrói o "trabalho honesto". Quanto mais claro resta que o trabalho suprime a si mesmo e que a era da especulação é apenas o resultado disso, maior a necessidade de um sujeito mítico como aparente responsável. Que essa explicação irracional germine na consciência de pessoas que apostaram seus últimos centavos nas Bolsas é como que pressuposto para que a projeção ganhe vulto. Depois da invasão dos novos mercados, a mídia estilizou o "pequeno investidor enganado" como vítima dos sombrios bastidores do poder financeiro. Nos últimos anos, ao lado dos terroristas e especuladores, surgiu como cúmulo da projeção irracional o pedófilo, outra figura mítica do mal. Isso talvez surpreenda à primeira vista. Mas nenhuma conjuração mágica do demónio pode prescindir do componente sexual. Assim é que na Europa e nos Estados Unidos, paralelamente ao pretenso "abuso da assistência social" por "fraudadores sociais" (de preferência estrangeiros), o chamado abuso sexual virou tema da moda. Raro o terapeuta que não queira persuadir seus clientes de que, na infância, todos eles sofreram "abusos sexuais". Ainda resta a pouco clara relação com o "tio malvado", mas também aqui não é de ignorar a proximidade ao anti-semitismo: tal como afirmaram os nazistas, que judeu é aquele que faz das pessoas mercadoria, assim também essa figura do judeu sempre foi representada como monstro lascivo que persegue a jovem inocente da respectiva cultura majoritária. Também nesse sentido é um pressuposto que a sociedade oficial possa personificar um aspecto de si própria como símbolo do mal. A maioria dos crimes sexuais contra crianças sempre foi cometida no interior do amado círculo familiar. E Dutroux, o belga assassino de crianças, introduzira sabidamente suas vítimas aos mais altos círculos como objectos do desejo. Que a sociedade capitalista em geral seja infensa a crianças não é segredo para ninguém. No fundo ela continua também infensa ao prazer. O lema da "liberdade sexual" de 1968, cujos protagonistas não se libertaram das formas sociais dominantes, conduziu somente a uma sexualização abstracta da mídia e da propaganda, enquanto a vida sexual efectiva dos sujeitos-mercadoria está mais pobre do que nunca. Tanto mais odiosa e maligna se afigura a manifestação do delito sexual como simbolização irracional de contradições sociais. Com o que toda diferença nos fenómenos efectivos é nivelada para despertar o espírito do pogrom. Assim foi que a tensão erótica entre indivíduos maduros e jovens, tal como exemplificada literariamente por Vladimir Nabokov em seu romance "Lolita" ou Thomas Mann em sua novela "Morte em Veneza", ainda era reconhecida nos debates político-sexuais dos anos 70 como uma variante no espectro dos sentimentos sexuais, do modo como são encontrados em muitas culturas, pressupostos, a falta de violência e o desvelo amoroso. Hoje a encenação mediática do "saudável sentimento popular" equipara esse lado do erotismo à prostituição infantil, ao estupro ou ao assassínio de crianças pequenas por maníacos. O motivo legítimo de denunciar e combater a violência masculina contra mulheres e crianças -violência essa agravada mundialmente com a crise, transforma-se em seu contrário e vira meio de satanizar as relações, em vez de criticá-las e sufocar os actos violentos. Daí não tratar tampouco do conteúdo efectivo, mas somente de atiçar um "estado de espírito". Em meio à mania de projeção, até mesmo crianças são tachadas de "pedófilas": nos Estados Unidos, um jovem de 18 anos que fugira com sua namorada de 14 foi conduzido de algemas ao juiz de instrução, a exemplo de um garoto de 11 anos, que uma vizinha retardada flagrara brincando inocentemente "de médico" com sua meia-irmã de cinco anos. As figuras míticas do mal são necessárias para descarregar de modo irracional e antiemancipatório a energia negativa da crise social. O terrorista, o especulador e o pedófilo têm em comum o fato de agirem no escuro, tal qual os poderes anónimos da concorrência. Ninguém é e todos podem sê-lo. Nos anos 20, Fritz Lang, em seu clássico "M - O Vampiro de Düsseldorf", mostrou de modo aflitivo como a caçada a um desconhecido assassino sexual na metrópole Berlim, com o pano de fundo da crise económica mundial, se funde a uma síndrome psicológica colectiva que gera um clima difuso de suspeita, denúncia e cega violência: a sociedade revela uma careta que é pouco menos assustadora que a do próprio assassino.Na presente crise mundial, a mesma síndrome faz-se notar com ressonâncias múltiplas nos meios de comunicação electrónicos. Política e mídia praticam cada vez mais um populismo histérico, que desencadeia em último recurso o linchamento. Quando na Inglaterra a imprensa marrom publicou o nome e endereço de supostos pedófilos, uma multidão furiosa levou os indigitados ao suicídio e destruiu o consultório de uma pediatra, porque ela não sabia distinguir "pedofilia" de "pediatria" (um belo indício da situação do ensino britânico). Tais incidentes mostram como já vai avançada a paranóia social. Uma sociedade que não quer mais desvendar os seus próprios segredos está condenada a instaurar a caça às bruxas.


http://obeco.planetaclix.pt/

domingo, abril 23, 2006

Economia Solidária: um novo paradigma?

1. Colocando a Questão
Antes de desenvolver o tema, para evitarmos equívocos, cabe perguntar o que entendemos por "economia solidária", "paradigma" e qual a razão de introduzir o adjectivo "novo" neste contexto.
O termo economia solidária abriga muitas práticas económicas e não há um consenso sobre o seu significado. Em geral ele está associado a práticas de consumo, comercialização, produção e serviços (entre os quais o de financiamento, em particular) em que se defendem, em graus variados, a participação colectiva, autogestão, democracia, igualitarismo, cooperação, auto-sustentação, a promoção do desenvolvimento humano, responsabilidade social e a preservação do equilíbrio dos ecossistemas. Entretanto, nem todas essas características estão presentes nas diversas práticas concretas que são elencadas como economia solidária em estudos e análise distintas que temos encontrado.
A palavra paradigma, por sua vez, possui muitos significados que nos últimos anos tem sido cada vez mais alargados, fugindo ao seu rigoroso emprego científico e filosófico, contemporaneamente afirmado por Thomas Kuhn, ao estudar a estrutura das revoluções científicas - quando sob uma certa compreensão de ciência, considerada "ciência normal", com todos os seus aspectos metodológicos inerentes, encontra-se dificuldades em resolver-se certos problemas, surgindo um conjunto progressivo de anomalias que põe em crise o próprio paradigma, sendo aquela compreensão de ciência suplantada por outra (1). Contudo, partindo-se da expressão de uma compreensão organizada de mundo e natureza, de uma concepção de ciência com seus métodos, linguagens e procedimentos, estendeu-se a uma visão de mundo que integra uma compreensão de ciência, cosmos, arte, religião e sociedade.
Quando se fala em um novo paradigma, assim compreendido, pensa-se, em geral, em uma nova visão de mundo, de ciência, de arte e de religião totalmente integrados em uma espécie de filosofia que rompe com o paradigma anterior. Esse novo paradigma aparece, em muitos discursos, associado à Ecologia Profunda, Pensamento Sistémico, Holismo e Teoria da Complexidade, entre outras denominações. Boa parte da literatura de divulgação desse novo paradigma está repleta de simplificações de teses científicas e filosóficas, chegando a conclusões bastante avessas ao que seria suportável cientificamente, como por exemplo, as sínteses que compõem princípios de mecânica quântica com superstições astrológicas, pretensamente articuláveis em razão de uma nova compreensão do conhecimento como um mapa que jamais espelha totalmente a realidade, buscando considerar-se a validade pragmática dos jogos de linguagem da física e da astrologia em seus empregos concretos.
A meu ver, mantendo-se a noção de paradigma até agora consensuais na comunidade científica, não caberia falar da economia solidária como um novo paradigma mas como uma nova compreensão de economia que está sendo construída a partir de novas práticas económicas compreendidas sob um novo paradigma científico, que poderia ser denominado como paradigma da complexidade. Por outro lado, se conferíssemos ao termo paradigma um sentido próximo ao seu emprego antigo de modelo ou padrão, também não poderíamos falar da economia solidária como um novo paradigma, uma vez que as diversas práticas, que poderiam ser caracterizadas como formas de economia solidária, são muito distintas, sendo consideradas solidárias em razão de um conceito bastante amplo de solidariedade.
Destaque-se também que, embora o paradigma da complexidade venha se firmando nos últimos vinte anos, suportando novas elaborações em diversos campos das ciências particulares, o solidarismo, como uma alternativa ao capitalismo e ao que se convencionou chamar de socialismo estatal, não é algo novo. Há duas grandes vertentes que anteriormente reivindicaram o termo na expressão de suas teses. Uma delas é composta pelo socialismo utópico e anarquista; a outra desdobra-se, nos anos 50 e 60, da Doutrina Social da Igreja Católica (2). Assim, é preciso salientar que há um solidarismo enquanto doutrina, sistema e ideologia que é anterior ao próprio paradigma adjectivado como novo.
Poderíamos aqui fazer todo um debate sobre as características do paradigma da complexidade e de como muitas práticas de economia solidária, que se pretendem transformadoras, estão ainda inscritas no velho paradigma e reproduzem o capitalismo. Poderíamos também realizar uma análise crítica do solidarismo, anteriormente debatido como alternativa ao neo-capitalismo e socialismo estatal, que vem encontrando variados graus de efectivação histórica em alguns países da América Latina, particularmente da América Central. (3)
Preferimos, entretanto, apenas abordar alguns aspectos centrais desse novo paradigma que aplicados à economia permitem reconstruí-la, possibilitando avançar na transformação das práticas de economia solidárias existentes e potencializá-las para a construção de uma sociedade pós-capitalista. Assim, daremos atenção especial às noções de Rede, Fluxos e Laços de Realimentação.
2. As Redes de Colaboração Solidária como uma Alternativa Pós-capitalista
A grande novidade nos anos 90 sobre as práticas de economia solidária é a progressiva conscientização da importância da organização de redes para o sucesso dos empreendimentos. Com efeito, na última década, inúmeras práticas de solidariedade expandiram-se internacionalmente integrando-se em movimentos de rede. A partir delas pode-se vislumbrar os primeiros sinais do nascimento de uma nova formação social que tende a superar a lógica capitalista de concentração de riquezas e exclusão social, de destruição dos ecossistemas e de exploração dos seres humanos.
A noção de Rede coloca a ênfase nas relações entre diversidades que se integram, nos fluxos de elementos que circulam nessas relações, no laços que potencializam a sinergia colectiva, no movimento de autopoiese em que cada elemento concorre para a reprodução de cada outro, na potencialidade de transformação de cada parte pelo sua relação com as demais e do conjunto pelos fluxos que circulam através de toda a rede.
No caso das práticas de economia solidária, a difusão do consumo e do labor solidários, em laços de Realimentação, permite que os valores económicos gerados pelo trabalho possam realmente o processo de produção e consumo, promovendo o bem viver das colectividades e o desenvolvimento ecológica e socialmente sustentável, expandindo o campo de possibilidades de realização da liberdades públicas e privadas.
A nova geração de redes de colaboração solidária que começa a surgir baseada nesses princípios ou propriedades carrega consigo características de inúmeras práticas solidárias bem sucedidas, entre as quais elencam-se: os Sistemas Locais de Emprego e Comércio (LETS), Sistemas Locais de Troca (SEL), Sistemas Comunitários de Intercâmbio (SEC), Rede Global de Trocas, Economia de Comunhão, Autogestão de Empresas pelos Trabalhadores, Sistemas de Micro-Crédito, Sistemas de Crédito Recíproco, Bancos do Povo, Bancos Éticos, Fair Trade ou Comércio Équo e Solidário, Organizações de Marca, Agricultura Ecológica, Consumo Crítico, Consumo Solidário, Grupos de Compras Comunitárias, Movimentos de Boicote, Sistemas Locais de Moedas Alternativas, difusão de Softwares Livres (Free Softwares) e inúmeras outras práticas de socio-económica solidária que poderiam ser aqui elencadas (4). O crescimento mundial do Sector Público Não-Estatal, ou do Terceiro Sector em geral, indica a ampliação de novos campos de possibilidade para acções solidárias estrategicamente articuladas com o objectivo de promover as liberdades públicas e privadas.
Partindo-se dessas práticas e compreendendo-as desde o paradigma da complexidade, podemos organizar estrategicamente redes de colaboração solidária com a capacidade de expandir novas relações sociais de produção e consumo, difundindo uma nova compreensão de sociedade, em que o ser humano, compreendido em suas múltiplas dimensões, pode dispor das mediações materiais, políticas, educativas e informativas para realizar eticamente a sua singularidade, desejando e promovendo a liberdade dos demais.
Os elementos básicos das redes de colaboração solidária são: a) as células de consumo (grupos de compras comunitárias, por ex.) e de produção (unidades produtivas cooperativa das, por ex., nas áreas de extracção, cultivo, criação, transformação e serviço), b) as conexões entre elas, e c) os fluxos de materiais, de informação e de valor que circulam através da rede.
As propriedades básicas da rede são: a) Autopoiese – a qualidade que ela tem de reproduzir-se a si mesma na medida em que é capaz de produzir os bens ou valores necessários para satisfazer suas próprias demandas e um excedente que lhe permite expandir-se, incorporando mais pessoas e aumentando, assim, a demanda produtiva. b) Intensidade - trata-se da qualidade de envolver o maior número possível de pessoas tanto no consumo quanto na produção solidárias. c) Extensividade - trata-se da propriedade de gerar novas células de produção e de consumo em regiões cada vez mais longínquas possibilitando chegar até elas os fluxos de matérias, informação e valor necessários a promover desenvolvimento local auto-sustentável. d) Diversidade - refere-se a produzir a maior diversidade possível de bens visando satisfazer as necessidades e desejos de todos os consumidores solidários, buscando produzir tudo o que eles ainda consumam do mercado capitalista em função de seu bem viver ou como insumos necessários ao processo produtivo. e) Integralidade - significa que cada célula, através da rede, está conectada a todas as outras células, sendo afectada pelo crescimento das demais ou por seus problemas e dificuldades, apontando-se, assim, a necessidade de um crescimento organicamente sustentável da rede como um todo, em razão do que dimensiona-se a composição orgânica da cada célula em particular, isto é, a incorporação de tecnologia em sua relação com o trabalho vivo empregado. f) Realimentação - o fato de que uma célula demanda produtos e serviços de outras, o que permite o crescimento sustentável de todas, isto é, da rede como um todo. Quanto maior o número de células com maior intensividade, maior é a Realimentação da rede. g) Fluxo de Valor - significa que o valor económico produzido em cada etapa da cadeia produtiva circula pela rede, podendo nela se concentrar ou dela evadir-se. Isto é, quando uma célula produtiva compra insumos do mercado capitalista (uma fábrica de macarrão compra ovos no mercado capitalista, por ex.), uma certa quantidade de valor sai da rede realimentando o giro capitalista. Entretanto, se uma nova célula que produza aquele insumo for criada em conexão com as demais (uma granja que supra a demanda por ovos), então aquele valor (gasto, neste exemplo, no consumo de ovos) permanece realimentando a produção de outra célula da rede. Por outro lado, se o que for produzido na rede for consumido por parcelas mais amplas da sociedade (vender macarrão e ovos para fora da rede, por ex.), então o volume de valor que resulta desse processo se concentra na Realimentação da rede. O excedente de valor produzido pela rede pode ser utilizado para criar novas unidades produtivas que satisfaçam as demandas produtivas ou de consumo final dela mesma (uma unidade que produza trigo para o macarrão e ração para as aves, por ex., ou novos produtos finais que a rede consome mas que ainda não são produzidos por ela mesma). h) Fluxo de Informação - isso significa que todo o conhecimento gerado na rede está disponível em qualquer célula. Assim, se por extensividade uma nova célula for criada em um local distante, a partir dela é possível que a comunidade tenha toda a informação necessária para replicar qualquer uma das células já existentes, possibilitando realizar a intensividade ampliando as possibilidades de emprego e renda local, melhorando o padrão de consumo de todos os envolvidos na colaboração solidária. i) Fluxo de Matérias - significa que o que é produzido em uma célula pode ser consumido como insumo produtivo ou como produto final por outras células, de modo que uma realimenta outra. Com o desenvolvimento das redes, a tendência é que elas cheguem a formar cadeias produtivas completas ou semi-completas. j) Agregação - trata-se da propriedade de redes locais se integrarem em redes regionais, de redes regionais se integrarem em redes internacionais e de redes internacionais se integrarem em uma rede mundial de colaboração solidária. Cada agregação fortalece a rede ampliando a diversidade de ofertas de produtos, aumentando a demanda deles e totalizando um volume maior de excedente, que pode ser aplicado na criação de novas células, ampliando a extensividade, isto é, a capacidade de expansão da rede em razão do maior fluxo de valor e especialmente de informação, com um banco de dados muito maior de células adaptáveis às diversas realidades locais.
A Rede de Colaboração Solidária, portanto, integra grupos de consumidores, de produtores e de prestadores de serviço em uma mesma organização. Todos se propõem a praticar o consumo solidário, isto é, comprar produtos e serviços da própria Rede para garantir trabalho e renda aos seus membros e para proteger o meio ambiente. Por outro lado, uma parte do excedente obtido pelos produtores e prestadores de serviços com a venda de seus produtos e serviços na rede é reinvestido na própria rede para gerar mais cooperativas, grupos de produção e micro empresas, a fim de criar novos postos de trabalho e aumentar a oferta solidária de produtos e serviços. Isso permite incrementar o consumo de todos, ao mesmo tempo em que diminui volume e o número de itens que a rede ainda compra no mercado capitalista, evitando com isso que a riqueza produzida na Rede seja acumulada por capitalistas. O objectivo da Rede é produzir tudo o que as pessoas necessitam para realizar o bem viver de cada um, diversificando a produção e melhorando o padrão de consumo de todos os que participam da Rede. Desse modo, quanto mais essas redes crescem distribuindo renda com a justa remuneração do trabalho solidário, maiores são o conjunto de pessoas que a elas se integra e a demanda de consumo por elas atendida, gerando novas oportunidades de trabalho e ampliando ainda mais a distribuição de renda.
Desse modo, rompendo com o paradigma da escassez (segundo o qual o valor de um bem é tanto maior quanto mais raro ele for frente à sua demanda social) tem-se que, em uma Rede de Colaboração Solidária, quanto mais se reparte a riqueza, mais a riqueza aumenta ! Essa é uma das principais consequências da transformação solidária da economia sob o paradigma da complexidade.
De fato, o que gera a riqueza é o trabalho. Com o trabalho são feitos bens e serviços para atender as necessidades e desejos das pessoas. Após a comercialização solidária desses bens e serviços e o pagamento de todas as despesas, sobra ainda um valor excedente. Ora, quanto mais se reparte essa riqueza excedente gerada pelo trabalho, tanto mais as pessoas podem comprar os produtos e serviços da Rede. E quanto mais elas compram solidariamente, mais oportunidade de trabalho elas geram para outras pessoas que ainda estão desempregadas. Na medida em que essas pessoas podem trabalhar, elas podem produzir mais riqueza. Assim, quanto mais se distribui a riqueza na Rede, mais os seus produtos são consumidos, mais oportunidades de trabalho que gera riqueza são criadas e um número maior de pessoas passa a integrar a rede como produtores e consumidores. Trata-se de um círculo virtuoso que integra consumo e produção! Uma das melhores maneiras de distribuir essa riqueza é criar novas cooperativas ou empreendimentos e remunerar mais trabalhadores, produzindo uma diversidade maior de produtos à disposição do bem viver de todos.
Sob o paradigma da complexidade, a organização de uma Rede de Colaboração Solidária permite, contudo, integrar acções não apenas de cooperativas e grupos de produtores e consumidores, mas também de associações de moradores, organizações eclesiais, sindicatos, movimentos populares e culturais e de outras organizações sociais como formas de difusão do consumo e do trabalho solidários, da preservação do equilíbrio ecológico e das lutas contra toda a forma de preconceito, discriminação e opressão, reafirmando o direito de todos à cidadania. De fato, economia, política e cultura estão integradas, não sendo corretor, sob a lógica da complexidade, considerá-las isoladamente.
Com efeito, quando uma Rede de Colaboração Solidária é organizada, ela passa a atender demandas imediatas da população por trabalho, melhoria no consumo, educação, reafirmação da dignidade humana das pessoas e do seu direito ao bem viver, ao mesmo tempo em que combate as estruturas capitalistas de exploração e dominação responsáveis pela pobreza e exclusão, e começa a implantar um novo modo de produzir, consumir e conviver em que a solidariedade está no cerne da vida. As Redes de Colaboração Solidária portanto: a) permitem aglutinar diversos actores sociais em um movimento social orgânico com forte potencial transformador; b) atendem demandas imediatas desses actores por emprego de sua força de trabalho e por satisfação de suas demandas por consumo, pela afirmação de sua singularidade negra, feminina, etc; c) negam estruturas capitalistas de exploração do trabalho, de expropriação no consumo e de dominação política e cultural, e d) passam a implementar uma nova forma pós-capitalista de produzir e consumir, de organizar a vida colectiva afirmando o direito à diferença e à singularidade de cada pessoa, promovendo solidariamente as liberdades públicas e privadas eticamente exercidas.
Do mesmo modo, as Redes de Colaboração Solidária não se restringem apenas a critérios económicos como factor de avaliação do sucesso dos empreendimentos em promover o desenvolvimento ou enfrentar a pobreza, considerando também diversos outros aspectos relacionados à humanização de cada pessoa, à expansão das liberdades públicas e privadas.
Economicamente, o sucesso das redes pode ser considerado pela difusão do consumo e labor solidários. O consumo solidário significa seleccionar os bens de consumo ou serviços que atendam nossas necessidades e desejos visando tanto realizar o nosso livre bem viver pessoal, quanto promover o bem viver dos trabalhadores que elaboram aquele produto ou serviço, como também manter o equilíbrio dos ecossistemas. De fato, quando consumimos um produto em cuja elaboração seres humanos foram explorados e o ecossistema prejudicado, nós próprios somos co-responsáveis pela exploração daquelas pessoas e pelo prejuízo ao equilíbrio ecológico, pois com nosso ato de compra contribuímos para que os responsáveis por essa opressão possam converter as mercadorias em capital a ser reinvestido do mesmo modo, reproduzindo as mesmas práticas injustas socialmente e danosas ecologicamente. O ato de consumo, portanto, não é apenas económico, mas é também ético e político. Trata-se de um exercício de poder pelo qual efectivamente podemos apoiar a exploração de seres humanos, a destruição progressiva do planeta, a concentração de riquezas e a exclusão social ou nos contrapor a esse modo lesivo de produção, promovendo, pela prática do consumo solidário, a ampliação das liberdades públicas e privadas, a desconcentração da riqueza e o desenvolvimento ecológica e socialmente sustentável. Ao seleccionar e consumir produtos identificados pelas marcas das redes solidárias nós contribuímos para que o processo produtivo solidário encontre seu acabamento e que o valor por nós dispendido em tal consumo possa realmente a produção solidária em função do bem viver de todos que integram as redes de produtores e consumidores.
O labor solidário significa, além dos aspectos referentes à autogestão e corresponsabilidade social dos trabalhadores, que o excedente do processo produtivo seja reinvestido solidariamente no financiamento de outros empreendimentos produtivos, permitindo integrar às actividades de trabalho e consumo aqueles que estão sendo excluídos pelo capital, ampliar a oferta de bens e serviços solidários e expandir as redes de produtores e consumidores, melhorando as condições de vida de todos que aderem à produção e ao consumo solidários. O sucesso aqui se avalia não apenas pela quantidade de trabalhadores que se integram à Rede, mas pelas condições de realização de sua dignidade humana através do trabalho, bem como pela remontagem das cadeias produtivas, uma vez que os novos empreendimentos visam estrategicamente passar a produzir aquilo que ainda é adquirido no mercado capitalista, sejam bens e serviços para consumo final ou insumos, materiais de manutenção e outros itens demandados no processo produtivo. Esse expediente visa corrigir os fluxos de valor, a fim de que o consumo final e o consumo produtivo não desaguem na acumulação privada fora das redes, mas possam nelas realmente a produção e o consumo solidários, completando os segmentos das cadeias produtivas sobre os quais as redes ainda não tenham autonomia.
Politicamente, as redes de colaboração solidária defendem a gestão democrática do poder, buscando garantir a todos iguais condições de participar e decidir não apenas sobre as actividades de produção e consumo praticadas nas redes, mas também, nas demais esferas políticas da sociedade, visando combater toda forma de exploração de trabalhadores, expropriação de consumidores e dominação cultural, enfatizando o valor da cidadania activa na busca do bem comum e da cooperação entre os povos.
No campo da informação e educação, as redes de colaboração solidária buscam promover da melhor maneira possível a circulação da informação e geração de interpretantes que não apenas permitam ampliar os conhecimentos de cada pessoa, suas habilidades técnicas e domínios tecnológicos ou a sua competência em produzir e interpretar novos conhecimentos necessários às tomadas de decisão em todas as esferas de sua vida, mas que além disso permitam recuperar a sensibilidade, a auto-estima e outros elementos de ordem ética e estética imprescindíveis à realização do bem viver de cada pessoa e de toda a colectividade.
Eticamente as redes de colaboração solidária promovem a solidariedade, isto é, o compromisso pelo bem viver de todos, o desejo do outro em sua valiosa diferença, para que cada pessoa possa usufruir, nas melhores condições possíveis, das liberdades públicas e privadas. Desejar a diferença significa acolher a diversidade, de etnias, de religiões e credos, de esperanças, de artes e linguagens, em suma, acolher as mais variadas formas de realização singular da liberdade humana que não neguem as liberdades públicas e privadas eticamente exercidas. Promover as liberdades significa garantir às pessoas as condições materiais, políticas, informativas e educativas para uma existência ética, solidária.
Conclusão
Operando sob o paradigma da complexidade, desdobramos as consequências económicas de uma hipótese simples: sendo praticados a produção e o consumo solidários em laços de Realimentação, qualquer unidade produtiva pode vender toda a sua produção, gerando um excedente de valor económico que permite criar novas unidades produtivas solidárias que, conectadas em rede, podem atender a uma diversidade ainda maior de elementos demandada pelo consumo final e produtivo de novas células, incorporando um número progressivamente maior de consumidores e produtores em um movimento auto-sustentável de expansão. A essa hipótese acrescentamos uma segunda: os sujeitos actualmente excluídos nas sociedades capitalistas podem organizar redes de colaboração solidária em suas comunidades, partindo das acções que actualmente desenvolvem de consumo, posto que a prática de compras solidárias e colectivas permite melhorar o padrão de consumo de todos os participantes e, ainda, poupar recursos que podem financiar actividades solidárias de produção que, por sua vez, possibilitam aprimorar ainda mais o seu consumo em quantidade, qualidade e diversidade. O conjunto dessas duas hipóteses, que começa a ser confirmado pelas redes de colaboração solidária que estão se constituindo, nos leva à conclusão de que uma certa revolução económica - integrando acções locais, regionais e globais - pode difundir-se contemporaneamente na medida em que os actores, que buscam gerar alternativas de auto-sustentação económica frente à exclusão capitalista, conectem suas acções de produção e consumo em uma ampla rede de colaboração solidária. Essa revolução económica está necessariamente conectada a uma revolução política e cultural, que são as três faces de um mesmo processo social em curso, compreendido aqui de maneira complexa sob a perspectiva histórica dos segmentos sociais excluídos e daqueles que lhes são solidários.
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Notas:
1. Veja-se Thomas Kuhn. A Estrutura das Revoluções Científicas. Editora Perspectiva, 1987
2. Veja-se: Fernando Bastos de ÁVILA. Neo-capitalismo, Socialismo e Solidarismo. Rio de Janeiro, Livraria Agir, 1963 e, do mesmo autor, a terceira edição desse livro, revista e ampliada: Solidarismo, Rio de Janeiro, Livraria Agir, 1965
3. Na perspectiva anarquista veja-se: Workers solidarity Movment em http://flag.blackened.net/revolt/wsm.html e Anarchism is international em http://flag.blackened.net/revolt/inter.html. Na perspectiva de desdobramentos da doutrina social da Igreja Católica, veja-se "Movimiento Solidarista Costarricense" em http://par.sicanet.org.sv/cis/movsolcr.htm. A projeção desse movimento na Costa Rica pode ser percebida na seguinte passagem do referido texto: "A finales de la década del 40 y principios de la del 50 aparecieron las primeras empresas solidaristas... Por varios años este movimiento se mantuvo inactivo... De 1972 a 1982, el Movimiento Solidarista pasó de 12 asociaciones a varios centenares. Especialmente de 1978 en adelante, el Movimiento se extendió del Valle Central a la zona Atlántica, el Pacífico Sur y al Norte del país. Se ha trasladado del sector industrial y comercial al agrícola, del sector privado al público, y de Costa Rica que fue el primer país que lo impulsó y puso en práctica, a El Salvador, Guatemala, Nicaragua, Honduras, Colombia y Venezuela. La promulgación de la Ley de Asociaciones Solidaristas en 1984, le ha dado al solidarismo los mismos derechos y prerrogativas legales de los otros movimientos sociales como el cooperativismo y el sindicalismo democrático. // Actualmente, a la par de su promulgación, está en la etapa de profundización doctrinaria y de renovación técnica y administrativa, para lo que cuenta con el gran impulso del Movimiento Solidarista Costarricense.// El crecimiento del solidarista ha sido asombroso, como lo demuestra el estudio del Ministerio de Trabajo y Seguridad Social de septiembre de 1987, según el cual existen 1836 asociaciones solidaristas con 212.088 trabajadores afiliados."
4. Uma grande variedade dessas práticas de economia solidária pode ser pesquisada a partir do site mantido pela Rede de Colaboração Solidária da cidade de Curitiba, acessível no seguinte endereço eletrônico http://www.ifil.org/rcs

http://www.milenio.com.br/mance/

sábado, abril 22, 2006

A decadência da classe política

É possível perceber por toda parte uma inexorável decadência da classe política. Existe uma correlação estreita entre esse processo e a correspondente decadência da classe trabalhadora, bem como, do estreitamento do poder do Estado nacional.
Os meios de comunicação não nos cansam de brindar com o “espectáculo da corrupção” proporcionado pelo governo Lula e do Partido dos Trabalhadores. O PT, anteriormente um partido tido como exemplo de “ética na política” parece ter adoptado, em poucos meses, praticamente todas as mais abomináveis práticas da política com “p” minúsculo.
Aquela parte da esquerda que não se “converteu” ao neoliberalismo e nem aderiu ao “pragmatismo” do aparelhamento, do “caixa 2” e dos “mensalões”, lança irada a acusação de traição. A velha “direita”, fora do poder, esbraveja contra as praticas que sempre usou por décadas.
Estamos em meio a já antiga novela das CPI, com seus depoimentos absurdos e contradições risíveis. As revelações bombásticas de secretárias, motoristas e doleiros. As confissões chorosas de escroques de todos os tipos.
Hoje vemos o paradoxo da “direita” condenando indignada, as práticas que sempre a caracterizaram, ao mesmo tempo em que defende “ideologicamente” todo o programa económico do governo “esquerdista”.
Do outro lado, líderes empresariais e do comércio, se aliam aos segmentos mais radicais da esquerda em sua condenação a “submissão ao FMI”, as metas de superávit primário, e a política de juros altos, que apenas favoreceria aos “banqueiros”.
O que estaria acontecendo? A resposta não é simples. Inclusive porque isso acontece no mundo todo, e não apenas no Brasil. Mas podemos nos aventurar a apontar pelo menos duas causas prováveis para o quadro de “esquizofrenia” política em que vivemos.
A primeira é a inexorável decadência da classe trabalhadora sob o novo paradigma tecnológico, gerencial e económico, derivado do processo da globalização. O segundo tem relação com a tendência irresistível dos Estados nacionais para a irrelevância.
A consequência disso é uma decadência irreversível do que chamaríamos de “classe política”. Não estamos querendo dizer que ocupantes de cargos executivos e legislativos estão condenados ao desemprego. O que queremos provar é que seu poder de decisão é cada vez menor, e tende a mais completa insignificância.
Na realidade a maioria dos partidos políticos já percebeu isso. Basta ver os programas do “horário político” para notar que na verdade nenhum partido de fato “toma partido” sobre coisa alguma.
Todos parecem se apresentar como “administradores” bem sucedidos, falando apenas de suas “realizações”. É tudo incrivelmente idêntico ao tradicional “currículo” apresentado por executivos quando pleiteiam um cargo em alguma empresa privada.
Alguns exemplos: Ninguém é contra ou a favor do direito ao aborto, todos são a favor da “protecção à mulher”. Não existem políticos contra ou a favor da pena de morte, todos são a favor da “segurança” dos cidadãos de bem. Ninguém discute a questão da mudança da idade de responsabilidade penal. Todos defendem as “crianças e os adolescentes”.
Foi incrivelmente sintomática, a absoluta ausência de políticos individuais ou partidos nas campanhas do “sim” e do “não”, no último plebiscito sobre o comércio de armas de fogo e munições. Como de costume, foram grupos da “sociedade civil” e lobistas que se mobilizaram dos dois lados.
Todos os políticos procuram posições “firmemente em cima do muro”. Todos querem mais habitações, mais empregos, melhores salários, mais infra-estrutura, etc. Por outro lado todos condenam a “carga tributária” excessiva e abominam taxas de qualquer tipo.
Nenhum político defende a redução de gastos do governo. Ninguém propõe a racionalização e redução da burocracia e nem a revisão nos valores de aposentadorias milionárias e outros “direitos adquiridos”. Mas todos concordam que o governo “gasta mal” o dinheiro do contribuinte.
A realidade é que o lugar dos partidos políticos vem sendo ocupado cada vez mais pelas “organizações não governamentais” as “ONG”. Na realidade são elas que “tomam partido” em qualquer questão. Seja a discussão do “casamento gay” até a defesa dos direitos dos animais, são essas organizações que se “politizam”, enquanto os políticos “de verdade” tornam-se meros “gestores” administrativos, sem nenhuma opinião sobre nada.
Isso decorre da própria lógica de formação dos partidos políticos. Nunca se viu um partido “dos banqueiros” ou “dos industriais”, ou um partido “dos latifundiários do Brasil” ou o “Partido Nacional dos Patrões”. Essas classes participam da política através de seus respectivos representantes, que alegam falar em nome do “interesse maior” da classe trabalhadora. Esses são os partidos de “direita”.
Os intelectuais de todo tipo, engajados em um real enfrentamento com essas classes, procuram se identificar com as classes trabalhadoras e tornar-se suas “vanguardas”. São os partidos de “esquerda”.
Mas a questão crucial é que ambos representavam interesses nacionais. Fossem “classes dominantes” ou “classes trabalhadoras”, o objectivo era a obtenção do poder do Estado em prol dos interesses locais, muitas vezes antagónicos aos interesses internacionais.
Com o advento da globalização, a classe trabalhadora entrou em decadência, entre outras coisas, porque fica confinada às fronteiras nacionais. As “classes produtoras”, por sua vez, se libertaram da necessidade premente da protecção dos seus respectivos Estados nacionais.
Em outras palavras, os políticos não podem mais contar com o controle que exerciam sobre as classes trabalhadoras pela simples razão de que essas tendem a se pulverizar através dos processos de “reengenharia” da produção capitalista em todo mundo.
Aos poucos a classe trabalhadora vai deslizando para a “informalidade”, para o trabalho precário, em tempo parcial, ou por “conta própria” e a velha “consciência de classe” desaparece por completo, substituída por interesses conflituantes.
Mais ou menos a mesma coisa ocorre com as “classes produtoras”. Elas agora dividem seus interesses por vários países e actuam em múltiplos mercados. Perderam o interesse no controle e na mediação exercida sobre os trabalhadores pela classe política.
Por outro lado, a margem de manobra dos governos nacionais é cada vez menor. Mesmo para os países “centrais”, os governos estão completamente “atados” por tratados, acordos e sistemas liderados por vários organismos internacionais.
Isso explica também porque um partido que chega ao poder, independente de sua “coloração”, limita-se a seguir políticas já traçadas e a cumprir metas pré-estabelecidas. Tudo que de fato tem importância real já foi a muito decidido. Resta ao político apenas demonstrar competência para um pequeno “ajuste fino”.
O que sobra não passa de meras acções paroquiais e programas assistencialistas. Já vai longe o tempo em que o poder sobre o Estado significava oportunidades ilimitadas para o exercício do poder pessoal do governante e de seu partido.
O futuro da classe política será o de simples executores de programas e metas traçadas a nível global. Serão apenas executivos, substituíveis sempre que forem pegos com dólares em contas no exterior, ou em casos extremos, na cueca. Mas devidamente mantidos e prestigiados sempre que o “mercado” ameaçar ficar “nervoso”. É simples assim.


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