Living With War, trigésimo‑segundo álbum de estúdio de Neil Young, é uma colecção de canções sobre política e guerra. Dito assim, pode até parecer pouco. Mas o registro que acaba de chegar às lojas brasileiras em CD é o maior manifesto político de um músico com quatro décadas de carreira, que já condenou a forma como a América foi conquistada e colonizada pelos europeus (“Cortez The Killer”); atacou a repressão aos movimentos pacifistas dos anos 1970 (“Ohio”); retratou as mazelas sociais do país que adoptou como lar, os EUA (“Rockin’ In A Free World”), e é um notório defensor de causas ambientais.
Nas nove faixas autorais de Living With War (Convivendo com a Guerra, em uma tradução livre), o roqueiro canadense, que mora na Califórnia desde meados da década de 1960, foca a campanha militar norte‑americana no Iraque. Por 41 minutos e 36 segundos, Young critica a forma como as decisões foram tomadas em Washington; fala das manifestações antiguerra; defende o diálogo ao lembrar que nem todo o mundo islâmico está ao lado do terror; retrata famílias vendo os seus filhos irem para o front e soldados que voltam à terra natal dentro de caixas de madeira. E, na mais controversa das canções do álbum, “Let’s Impeach the President”, pede a deposição de George W. Bush.
Na música, Young acusa o presidente norte-americano de mentir para justificar a guerra com o Iraque, espionar cidadãos norte-americanos «dentro das suas casas» ao «grampear computadores e telefones» e desperdiçar o dinheiro do povo. Young ainda ironiza ao perguntar se Nova Orleans, devastada pelo furacão Katrina em Setembro de 2005, estaria «mais segura» e teria recebido mais atenção do governo, caso o desastre não tivesse sido motivado por causas naturais e sim por muçulmanos suicidas. Como que para dar mais peso ao que diz, Young permeou o álbum com um coral de cem vozes, conduzido pessoalmente por ele e gravado em uma única sessão de 12 horas. E é em “Let’s Impeach...” onde este coro aparece com mais força.
Em “Lookin’ for a Leader”, faixa imediatamente posterior a “Let’s Impeach...”, Neil Young dá uma pausa às críticas e descreve as características de uma liderança para unir e fortalecer o país. Alguém «correcto e forte», que «está entre o povo», sugere.
ESPERA EM VÃO
«[Este é um disco] sobre troca de ideias. É sobre fortalecer as pessoas ao dar voz a elas», declarou Young em Abril, antes do disco ser lançado. «Eu sei que nem todos acreditam no que eu disse, mas (...) vermelho e azul não são preto e branco. Estamos todos juntos. É um disco sobre unificação». E, para reforçar essa ideia, entra a última faixa do álbum, a única que não saiu do punho de Young. Uma versão vocal para a tradicional canção patriótica norte-americana “America The Beautiful”.
«Estava esperando alguém jovem, com 18, 22 anos, que escrevesse essas canções», justificou-se ao Los Angeles Times sobre o intervalo de três anos entre o início da guerra e o lançamento de LWW – quase quatro, se contabilizadas as primeiras insinuações de invasão. «Eu esperei bastante. Então decidi que talvez a geração que tinha que fazer isso ainda era a geração dos anos 1960», disse Young, que completa 61 anos em Novembro.
Para ampliar o poder de impacto de LWW, Young fez-se valer da Internet para o lançamento do disco. Antes de chegar em CD nas lojas norte-americanas, o álbum ficou disponível no seu site oficial [www.neilyoung.com] em streaming áudio. Porém, ele tomou cuidados para que a polémica em torno de “Let’s Impeach...” não obscurecesse o resto do trabalho. Para ouvir o disco, o internauta teria de fazê-lo desde a primeira faixa, sem opção de avançar as músicas. Uma maneira de compreender o trabalho de maneira ampla, argumentou ao New York Times. «Ao invés de simplesmente ir a “Let’s Impeach the President”, as pessoas terão de absorver a coisa como um todo. Isso protege os meus direitos de artista de ter o trabalho apresentado do modo que o criei».
Apesar da possibilidade de ouvir o disco na íntegra desde o final de Abril (duas semanas antes do lançamento oficial) quando LWW chegou às lojas, entrou directo na 15ª posição da parada de álbuns da Billboard. E, para alegria dos puristas, nesta semana, ganha uma edição em vinil de 200 gramas nos EUA.
A VOLTA DA “OLD BLACK”
Porém, mais que um disco de protesto – ou de reconciliação, como prefere Young – LWW é um álbum de rock. A enxutíssima banda que o acompanha, formada por Rick Rosas (baixo), Chad Cromwell (bateria) e Tommy Bray (trompete), é parte da mesma equipa com quem trabalhara em dois dos álbuns que o reaproximaram do rock após alguns anos de experimentalismo na década de 1980 – This Note’s for You [1988] e Freedom [1989].
Desde Mirror Ball [1995], quando recrutou os músicos do então novato Pearl Jam como sua banda de apoio, a sua “Old Black” Les Paul não soava tão suja, distorcida e inquieta para construir riffs. O álbum, que ganhou resenha positiva da Rolling Stone (cotação de quatro estrelas de cinco possíveis tanto da revista quanto dos leitores), foi concebido e gravado em menos de duas semanas – com algumas das faixas gravadas no mesmo dia em que foram escritas. Isso deu a LWW uma sonoridade crua como a de Broken Arrow [1996]. Tão crua que alguns críticos chegaram a dizer que o disco parece mal acabado.
Mal acabado ou não, Neil Young resgata em LWW alguns dos seus mais inspirados momentos musicais, comparável até mesmo a obras clássicas do seu vasto catálogo. Seja nos belos backing vocais de “Families”, que remete a álbuns dos anos 1970; nas simples e directas “Flags of Freedom” e “Shock And Awe”, que poderiam estar em Ragged Glory [1990], ou nas poderosas “Let’s Impeach...” e “The Restless Consumer”, onde a sua surrada Les Paul dispara acordes tão potentes quanto as palavras para as quais dá moldura.
SITES RELACIONADOS
Para ouvir o álbum na íntegra
http://www.neilyoung.com
Blog de LWW
http://livingwithwar.blogspot.com
Letras de LWW (em inglês)
http://www.freedomtoexhale.com/lww.htm
em castelhano:
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=31175
Wilson Sobrinho
Nas nove faixas autorais de Living With War (Convivendo com a Guerra, em uma tradução livre), o roqueiro canadense, que mora na Califórnia desde meados da década de 1960, foca a campanha militar norte‑americana no Iraque. Por 41 minutos e 36 segundos, Young critica a forma como as decisões foram tomadas em Washington; fala das manifestações antiguerra; defende o diálogo ao lembrar que nem todo o mundo islâmico está ao lado do terror; retrata famílias vendo os seus filhos irem para o front e soldados que voltam à terra natal dentro de caixas de madeira. E, na mais controversa das canções do álbum, “Let’s Impeach the President”, pede a deposição de George W. Bush.
Na música, Young acusa o presidente norte-americano de mentir para justificar a guerra com o Iraque, espionar cidadãos norte-americanos «dentro das suas casas» ao «grampear computadores e telefones» e desperdiçar o dinheiro do povo. Young ainda ironiza ao perguntar se Nova Orleans, devastada pelo furacão Katrina em Setembro de 2005, estaria «mais segura» e teria recebido mais atenção do governo, caso o desastre não tivesse sido motivado por causas naturais e sim por muçulmanos suicidas. Como que para dar mais peso ao que diz, Young permeou o álbum com um coral de cem vozes, conduzido pessoalmente por ele e gravado em uma única sessão de 12 horas. E é em “Let’s Impeach...” onde este coro aparece com mais força.
Em “Lookin’ for a Leader”, faixa imediatamente posterior a “Let’s Impeach...”, Neil Young dá uma pausa às críticas e descreve as características de uma liderança para unir e fortalecer o país. Alguém «correcto e forte», que «está entre o povo», sugere.
ESPERA EM VÃO
«[Este é um disco] sobre troca de ideias. É sobre fortalecer as pessoas ao dar voz a elas», declarou Young em Abril, antes do disco ser lançado. «Eu sei que nem todos acreditam no que eu disse, mas (...) vermelho e azul não são preto e branco. Estamos todos juntos. É um disco sobre unificação». E, para reforçar essa ideia, entra a última faixa do álbum, a única que não saiu do punho de Young. Uma versão vocal para a tradicional canção patriótica norte-americana “America The Beautiful”.
«Estava esperando alguém jovem, com 18, 22 anos, que escrevesse essas canções», justificou-se ao Los Angeles Times sobre o intervalo de três anos entre o início da guerra e o lançamento de LWW – quase quatro, se contabilizadas as primeiras insinuações de invasão. «Eu esperei bastante. Então decidi que talvez a geração que tinha que fazer isso ainda era a geração dos anos 1960», disse Young, que completa 61 anos em Novembro.
Para ampliar o poder de impacto de LWW, Young fez-se valer da Internet para o lançamento do disco. Antes de chegar em CD nas lojas norte-americanas, o álbum ficou disponível no seu site oficial [www.neilyoung.com] em streaming áudio. Porém, ele tomou cuidados para que a polémica em torno de “Let’s Impeach...” não obscurecesse o resto do trabalho. Para ouvir o disco, o internauta teria de fazê-lo desde a primeira faixa, sem opção de avançar as músicas. Uma maneira de compreender o trabalho de maneira ampla, argumentou ao New York Times. «Ao invés de simplesmente ir a “Let’s Impeach the President”, as pessoas terão de absorver a coisa como um todo. Isso protege os meus direitos de artista de ter o trabalho apresentado do modo que o criei».
Apesar da possibilidade de ouvir o disco na íntegra desde o final de Abril (duas semanas antes do lançamento oficial) quando LWW chegou às lojas, entrou directo na 15ª posição da parada de álbuns da Billboard. E, para alegria dos puristas, nesta semana, ganha uma edição em vinil de 200 gramas nos EUA.
A VOLTA DA “OLD BLACK”
Porém, mais que um disco de protesto – ou de reconciliação, como prefere Young – LWW é um álbum de rock. A enxutíssima banda que o acompanha, formada por Rick Rosas (baixo), Chad Cromwell (bateria) e Tommy Bray (trompete), é parte da mesma equipa com quem trabalhara em dois dos álbuns que o reaproximaram do rock após alguns anos de experimentalismo na década de 1980 – This Note’s for You [1988] e Freedom [1989].
Desde Mirror Ball [1995], quando recrutou os músicos do então novato Pearl Jam como sua banda de apoio, a sua “Old Black” Les Paul não soava tão suja, distorcida e inquieta para construir riffs. O álbum, que ganhou resenha positiva da Rolling Stone (cotação de quatro estrelas de cinco possíveis tanto da revista quanto dos leitores), foi concebido e gravado em menos de duas semanas – com algumas das faixas gravadas no mesmo dia em que foram escritas. Isso deu a LWW uma sonoridade crua como a de Broken Arrow [1996]. Tão crua que alguns críticos chegaram a dizer que o disco parece mal acabado.
Mal acabado ou não, Neil Young resgata em LWW alguns dos seus mais inspirados momentos musicais, comparável até mesmo a obras clássicas do seu vasto catálogo. Seja nos belos backing vocais de “Families”, que remete a álbuns dos anos 1970; nas simples e directas “Flags of Freedom” e “Shock And Awe”, que poderiam estar em Ragged Glory [1990], ou nas poderosas “Let’s Impeach...” e “The Restless Consumer”, onde a sua surrada Les Paul dispara acordes tão potentes quanto as palavras para as quais dá moldura.
SITES RELACIONADOS
Para ouvir o álbum na íntegra
http://www.neilyoung.com
Blog de LWW
http://livingwithwar.blogspot.com
Letras de LWW (em inglês)
http://www.freedomtoexhale.com/lww.htm
em castelhano:
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=31175
Wilson Sobrinho
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