Empoleirados na posição de árbitros das habilidades tecnológicas da mídia, os jornalistas parecem isentos de qualquer crítica. Seus mitos profissionais exaltam a autonomia, a liberdade, a busca individual, mas ignoram, quase em absoluto, a realidade socialNa noite do dia nacional de mobilização, 10 de Junho, a emissora de televisão TF1 dedicou três minutos e 47 segundos aos grevistas e manifestantes, contra 14 minutos e cinco segundos àqueles que os denunciavam. O mesmo equilíbrio na emissora France 2: o telejornal das 20 horas do dia 24 de Maio dedicara um minuto e meio à palavra dos manifestantes contra oito minutos e 50 segundos aos incómodos causados pelas greves.Por pelo menos três vezes (13, 14 e 16 de Maio), os telespectadores do serviço público puderam se emocionar com os infortúnios de uma “emergente” parisiense, seguramente muito representativa dos trabalhadores franceses. Inversamente, a “França dos grevistas”, difamada como aquela dos “retardatários” e dos “privilegiados”, era simbolizada por Marselha. “Deve ser dito que nesta cidade os serviços públicos e para públicos ocupam um espaço muito grande e que existem inúmeros aposentados, desempregados e beneficiários da renda mínima”, salientava Patrick Poivre-d’Arvor na TF1 (4 de Junho).“Fazendo a festa com a mídia” Durante as grandes mobilizações dos meses de Maio e Junho, a “França dos grevistas” foi difamada pela mídia como a dos “retardatários” e dos “privilegiados”. Seria necessária, então, toda a sofisticada perspicácia de David Abiker, comentarista do programa “Arrêt sur Image” (France 5), para deplorar o tratamento favorável reservado aos grevistas: “Olhando estas imagens, eu disse a mim mesmo que a greve pode ter sido uma série de pequenas felicidades (...). Não tenho certeza, tendo constatado ao redor, com meus colegas, que isso foi, de forma autêntica e sistemática, um prazer. Deve ser possível encontrar um ou dois usuários que tenham fervido interiormente de raiva, ou que tenham ficado injuriados1.” Sim, eles os encontraram... Uma ideia muito difundida, no entanto, pretende que o tratamento dado pela mídia aos conflitos sociais seja a resultante das estratégias de comunicação empreendidas pelos actores do conflito. A imprensa serviria então de caixa de ressonância para os protagonistas. Ela relataria seus esforços para ter acesso à mídia, ganhando assim a simpatia da “opinião pública2”. Por meio de diferentes abordagens, ela restituiria todos os pontos de vista. No caso contrário, a divulgação, através de pesquisas, da popularidade de uma contestação iria obrigar as empresas de comunicação a equilibrar suas linhas editoriais para conservar a clientela. Em virtude desse postulado, um dirigente de um instituto de pesquisa de opinião afirmou: “Não se pode dizer que em 1995 os grevistas não tenham feito a festa com a mídia3.” A mídia como protagonista social Esta tese tem a seu favor as aparências: não se orgulham os governantes de sua preocupação constante com a “pedagogia”, os sindicatos, de suas estratégias de comunicação, e os contestadores de sua capacidade de organizar manifestações que interessarão aos jornalistas e lhes permitirão, dessa forma, “sensibilizar a opinião pública”? Empoleirados na posição de árbitros das habilidades mediáticas, os profissionais da informação parecem isentos de qualquer crítica, pois as críticas só podem provir de gente rabugenta, distante das coisas da mídia. Uma ideia muito difundida pretende que o tratamento dado pela mídia aos conflitos sociais decorra da estratégia de comunicação empreendida pelos grevistas.Nos antípodas desta concepção vaporosa de um mercado auto-regulado da informação, a cobertura das greves da primavera de 2003 lembra que a mídia (muitas vezes, pertencente a grandes grupos capitalistas) não é um mero espectador, mas um actor nos conflitos sociais. Segundo um roteiro já familiar, o plano governamental de reforma das aposentadorias foi aclamado pelos comentaristas de maior destaque; os signatários do acordo, felicitados. Aos ministros e às direcções sindicais distribuíram-se incentivos no sentido de “resistir” à pressão de “multidões impuras4”; convidaram-se “peritos” para ratificar “cientificamente” a reforma. Os pesquisadores intimaram os pesquisados a optarem entre diversas variantes de uma mesma proposta, enquanto a imprensa brandia os resultados como prova do apoio popular a um plano de redução dos “direitos adquiridos”, ainda que este fosse diferente, em detalhes, do projetos governamental. E, entre duas notícias anunciando a “asfixia” do movimento, os jornalistas se precipitaram contra esses grevistas “fanáticos”, acusados de “bloquear a economia num momento em que é até difícil defender reivindicações simplistas e ultracorporativistas5”. Os grevistas faziam de novo “a festa”. Como latas de conservas empilhadas para serem alvejadas com bolas de meia... Questão salarial é “monótona” A cobertura dada ao conflito sobre as aposentadorias e à descentralização de parte do pessoal da educação nacional ressaltou imediatamente a quase ausência, na França, de informação sobre o social. Em tempos normais, nenhum dos três grandes jornais nacionais, ditos “de referência”, comporta uma editoria diária sobre este tema. As relações sociais na empresa ou estão isoladas – nos suplementos semanais amplamente ocupados por classificados destinados à contratação de executivos (caderno “Emprego”, do jornal Libération, por exemplo) – ou engolidas pelo noticiário policial nas páginas da editoria “sociedade”, ou rejeitadas, nas editorias de “economia” ou “empresas”, dedicadas à micro economia e redigidas do ponto de vista dos “donos das decisões”. Nenhum caderno dedicado às lutas sindicais se compara com os suplementos “dinheiro”, “moda” e “presentes” (de luxo). A mesma situação no audiovisual: com excepção da France 5, os canais hertzianos (abertos) não programam qualquer discussão social regular, embora pululem notas sobre a “sociedade”. Um dirigente de um instituto de pesquisa de opinião afirmou: “Não se pode dizer que em 1995 os grevistas não tenham feito a festa com a mídia” Dentro da profissão, o jornalismo social não tem vez. Para os editores, o problema se deve à monotonia da questão salarial: ele não seria do interesse dos consumidores de jornais... e, principalmente, dos anunciantes. François de Closets, jornalista de economia, justificou essa lacuna: “É muito difícil fazer nascer uma demanda implícita dos problemas sociais. Os sindicatos são uma coisa que faz fugir todo mundo6.” Seria realmente todo mundo? Ou deveria se ver nesta repulsa (imaginada) o resultado da formação, pelas escolas de poder, de uma elite profissional oriunda dos meios abastados, dotada de tamanho etnocentrismo de classe que, para um “repórter especial”, “subir os degraus que levam aos apartamentos [de conjuntos populares], equivale a penetrar num outro universo7”?Hierarquia define a coberturaContrariamente às “odisseias” dos patrões, o social só é divulgado em situações de crise. Para que uma janela da mídia se abra sobre o mundo do trabalho, é preciso que uma explosão abale uma cidade (o caso da AZF, de Toulouse), que uma greve induza a perturbações (ferroviários), ou que uma escalada eleitoral de extrema-direita seja atribuída aos operários. Ou então que haja a emergência de uma forma de acção considerada “nova” pelos jornalistas (caso da Cellatex e dos empregados do McDonald’s) 8. Quanto ao resto, ou seja, quanto ao essencial, silêncio. Dessa censura espontânea decorre uma consequência maior: enquanto a divulgação de um conflito de grande amplitude só começa depois das primeiras mobilizações, as decisões que desencadeiam esse conflito já foram objecto de um profundo acompanhamento da mídia.Desde meados da década de 80, a urgência de uma reforma liberal das estruturas do Estado social adoptadas por ocasião do final da II Guerra foi constantemente proclamada pelos semanários Le Point e Le Nouvel Observateur, pelos jornais Le Monde e Le Figaro, por emissoras de televisão e rádios como TF1, France 2, France Inter e Europe 1. A hierarquia das redacções define os caminhos editoriais ao longo dos quais vai serpentear a cobertura quotidiana de uma greve ou de um conflito. A cobertura das greves da primavera de 2003 lembra que os meios de comunicação não são meros espectadores, mas actores nos conflitos sociaisEm 1993, o diretor da revista Le Point exigia que Edouard Balladur, recém-nomeado primeiro-ministro, operasse sem mais tardar “a anunciada cirurgia sobre as aposentadorias e a previdência social9” Dez anos mais tarde, o director-adjunto do Nouvel Observateur, notando com pesar que “a França [era] um dos últimos países que ainda não reformaram a previdência social nem as aposentadorias”, exortava o governo a ultrapassar de uma vez “a barreira da reforma10”. Nesse meio tempo, inúmeros artigos sobre o tema “Será ainda possível reformar o Estado?” teriam, ao mesmo tempo, destilado e denunciado “um sentimento difuso de bloqueio. Aposentadorias, educação nacional, ferrovias, Ministério da Fazenda, algumas reformas accionadas e em grande parte abortadas. O suficiente para alimentar o refrão daqueles que desprezam a esfera pública11”.Jornalistas, os privilegiadosEstas considerações ideológicas, sempre dissimuladas em nome da “racionalidade”, da “modernidade”, da Europa ou do “realismo”, ajustam-se a um dique doutrinal comum: “Há 20 anos”, acha o comentarista de economia de um grande jornal nacional, “os países europeus fizeram uma opção ruim. Não aumentaram suas despesas básicas – polícia, justiça, exército, gastos administrativos (...). Em compensação, o Estado social (saúde, aposentadoria, auxílio-moradia, auxílio-desemprego, programa de renda mínima) não pára de progredir12”. Para além das divergências de forma sabiamente colocadas em cena, os jornalistas que “formam a opinião pública” convergiam há muito tempo sobre o essencial: a reconstrução “inevitável” do sistema de aposentadorias, a “necessária” contribuição do trabalho, e não do capital, o alinhamento “incontornável” da duração da contribuição dos servidores públicos em relação aos trabalhadores de empresas privadas.“Isto decorre de uma solidariedade muito normal entre os franceses, para quem não se acomoda com uma sociedade de privilégios13”, dispararam. Sociedade de privilégios? Os executivos da imprensa nacional se abstiveram, em todo caso, de assinalar que se beneficiavam, eles próprios, de um abatimento fiscal automático de 7.620 euros (24.750 reais), de pelo menos 12 semanas de férias e recuperação do tempo de trabalho, de um 13o salário, de aposentadorias complementares, de juros, de “jabaculês de ouro”. E, sobretudo, de salários muito superiores à média14.“Baderneiros” e “vítimas”Dentro da profissão, o jornalismo social não têm vez. Para os editores, isto se deve à monotonia da questão salarial, que não interessa os leitores...Quando François Fillon revelou suas intenções, aqueles que oito anos antes exaltavam “a audácia” e “o equilíbrio” do plano Juppé juraram, então, uma vez mais: “Não há alternativa15.” E como, em 1995, numerosos foram os guardiães do “círculo da razão” liberal que jogaram os contestadores no campo dos deficientes mentais (leia, nesta edição, o artigo de Serge Halimi). A política vaiada por milhões de manifestantes era, de certa forma, a deles.Foi neste leito editorial que escorreu o fluxo quotidiano da informação do grande público sobre as greves. Neste registro, o impacto da televisão e da rádio predominam16. Para ater-se às informações difundidas pelos principais telejornais durante as greves da primavera de 2003, (re)aparecem várias figuras impostas pela cobertura que fez a mídia dos conflitos sociais17. Em primeiro lugar, a definição dos protagonistas e a designação de seus papéis. Desde o dia que se seguiu ao da mobilização de 13 de Maio, a esmagadora maioria das reportagens da TF1, France 2 e, em menor medida, da France 3, dividiam a sociedade em dois campos irredutivelmente opostos, fáceis de identificar e, sobretudo, de descrever. No papel dos incómodos, os grevistas sindicalizados do funcionalismo público; no papel de suas “vítimas”, os pais de alunos, usuários dos transportes colectivos, estudantes, trabalhadores. A “França do trabalho”A hierarquia das redacções define os caminhos editoriais ao longo dos quais vai serpentear a cobertura quotidiana de uma greve ou de um conflitoAssim se opera a derrubada pela mídia dos antagonismos que estruturam o conflito: vistos na televisão, os trabalhadores já não se opõem a um governo e a um patronato decididos a amputar seus direitos; eles se opõem entre eles. Porque a maioria das reportagens apresenta os grevistas como profissionais, mas da parada do trabalho; eles não têm filhos, nunca usam transporte colectivo, nem frequentam os comércios. Reciprocamente, martela-se esta outra “verdade”: os trabalhadores normalmente constituídos não fazem greve, mas “buscam por todos os meios chegar a seu trabalho” (France 2, 13 horas, 13 de Maio).Não é preciso, sem dúvida, buscar muito longe os fundamentos de tal evidência: os jornalistas que nos informaram sobre as desordens e as manifestações de 3 de Abril, 13 e 25 de Maio, 3, 10 e 19 de Junho haviam optado, eles próprios, por não fazer greve naqueles dias, apesar de um pré-aviso divulgado pelo SNJ-CGT (Sindicato Nacional dos Jornalistas, secção CGT) 18. Não teria esta tido influência sobre a selecção das “micro-calçadas” constantemente difundidas na abertura dos jornais? Seria difícil enumerar os insultos de usuários invariavelmente “tomados como reféns” contra os condutores das estradas de ferro –“canalhas e egoístas”, “nazistas”, que seria preciso “jogar na cadeia19”... A “França do trabalho” modelada pela mídia era paradoxalmente representada por fracções minoritárias da população economicamente activa: executivos, directores de empresas, profissionais liberais – de preferência, parisienses. A indignação de pequenos e grandes patrões transbordava na tela. Na TF1, Jean-Pierre Pernaut contabilizava as “inúmeras categorias profissionais que não se sentem tocados por essa reforma nas aposentadorias. Os comerciantes, por exemplo: que pensam eles da agitação actual?” (19 de Maio). Na France 2, David Pujadas elucidava outro mistério: “Ontem, pôde-se ouvi-lo, o patrão dos patrões, Ernest Antoine Seillières, dizendo que a França empobrecia na rua. Que a greve custava caro à economia. Como vivem as empresas estes dias de lentidão?” (14 de Maio).Os “reféns” dos “mal-humorados”Assim como em 1995, numerosos foram os guardiães do “círculo da razão” liberal que jogaram os contestadores no campo dos deficientes mentais. Segunda figura imposta pela cobertura audiovisual de um conflito social: a remoção de suas questões reais em proveito de problemas exploráveis pela mídia. À medida que se afastava a perspectiva da revogação ou da renegociação das “reformas” Fillon e Ferry, a televisão procurava novos ângulos para alimentar seu noticiário. Reconfiguraram, então, o conflito em torno de temas em suspenso, férteis em controvérsias e repercussão. As infelicidades dos usuários, é claro, mas também a legalidade ou não da greve dos ferroviários, a adopção de um serviço mínimo, a polémica em torno de uma “pequena frase” de Jean-Pierre Raffarin20, sobre a “radicalizarão do movimento” pela extrema-esquerda. E, principalmente, a suspensão ou não das provas do exame de admissão à universidade. Desde o dia 16 de Maio, Daniel Bilalian expunha na France 2 o problema que iria cristalizar a atenção das redações: “Haverá ou não um boicote ao exame de admissão, é aí que está toda a questão.”Um movimento de vários meses contra a descentralização, e em seguida contra a reforma das aposentadorias, foi, portanto, reduzido a uma problemática sem relação com as reivindicações dos manifestantes. A contar desta data, quase todas as reportagens colocavam os grevistas da educação nacional na defensiva. “Vejamos o mau humor dos professores. Sua greve perturba seriamente as famílias, seja por causa da guarda das crianças menores, seja pelas provas dos mais velhos”, atirou Jacques Legros às 13 horas do dia 21 de Maio, na TF1, antes de encadear o retrato de uma família inquieta. Incitados pelos jornalistas a se explicarem sobre o eventual boicote das provas, os professores deviam também se justificar diante dos pais de alunos e dos estudantes que consideravam por sua vez ter sido “tomados como reféns21” em eco ao estribilho da mídia.Preguiça e importância do ibope O resultado desta redefinição das questões pela mídia foi a relegação ao segundo plano do jornal das informações sobre as manifestações e as razões das greves. A “bagunça” engendrada pelo movimento estava detalhada na “abertura”. Como explicava, involuntariamente, um apresentador da TF1, “quando se evocam todas estas greves, isso é feito tomando o que há de mais espectacular; acabamos de vê-lo com os garis, mas principalmente com as greves nos transportes” (13 horas, 10 de Junho).A individualização das lutas colectivas por meio de um retrato é o terceiro mata-burro em que escorrega e cai uma parte da mídia. Todo mundo conserva vivo, na memória, o badalado ícone da “primavera de Pequim” em 1989: um único homem detendo o avanço de uma coluna de tanques, a vontade do indivíduo contra a força do Estado. As centenas de milhares de manifestantes apinhados em volta dele foram excluídos da cena. Se o recurso compulsivo ao retrato, tanto na imprensa escrita quanto na audiovisual, deriva deste individualismo, ele decorre também de uma preguiça alimentada pela corrida pela audiência (ou pela tiragem). Mais fáceis de realizar que uma reportagem, os retratos de alunos, de pais ou de comerciantes perturbados pelas greves são também mais atractivos: apelam ao íntimo, à emoção. É por esse modo narrativo que os telespectadores descobriram os grevistas, muitas vezes encantados por se prestar ao jogo, acreditando estarem servindo ao movimento.“Delícias” jornalísticasO resultado da redefinição dos objectivos do conflito feita pela mídia relegou a segundo plano as informações sobre as manifestações e razões das greves Mas esse género não é apropriado às causas comuns. Ele privilegia o que diferencia às custas do que une. Os antagonismos políticos e sociais se dissolvem na psicologia individual. “Eis aqui, para entender a questão, quatro exemplos, quatro retratos. Eles não trabalharão amanhã e irão à manifestação”, anuncia David Pujadas na France 2 (20 horas, 12 de Maio). O retrato não é uma simples ilustração; ele demonstra. Dois minutos e trinta “para compreender” a greve, com “Karine, da empresa de ferrovias”, “Dominique, funcionário da prefeitura”, “Sylvie, professora de letras” e “Michel, delegado sindical pela central Força Operária”. Além disso, seriam três páginas “para entender” porque Julie, Joseph e Olivier pararam o trabalho, enquanto Robert, Yann e Clio continuaram em seus postos22. E se, em ambos os casos, o “discurso dos grevistas” e o “discurso dos professores” parecem equilibrar o de seus detractores, a análise legítima do movimento permanece monopólio dos editores e dos “especialistas”.Encenação de uma oposição entre assalariados, eliminação dos motivos reais do conflito em proveito de polémicas secundárias, insistência obsessiva sobre os prejuízos da greve e incapacidade de relatar as actividades colectivas... estas delícias jornalísticas incitaram alguns manifestantes exasperados a se reunirem diante das sedes das empresas de comunicação para denunciar a “cobertura tendenciosa” da greve.Desilusão e ressentimento?Algumas semanas mais tarde, o contraste com o conflito dos trabalhadores temporários23 da área de espectáculos podia parecer surpreendente. A abordagem ao mesmo tempo mais detalhada e mais favorável da qual se beneficiaram – pelo menos num primeiro momento... – esclarece a fundo as razões da animosidade da mídia para com os funcionários públicos. É evidente que a proximidade social e cultural dos quadros da grande imprensa com o mundo artístico teve seu peso: um editor-chefe sente espontaneamente maior afinidade com um diretor de cinema do que com um recepcionista da previdência social.Mas, mais fundamentalmente, são o estilo de vida e os valores propalados que unificam os jornalistas, incluindo os mais precários, profissionais liberais ou artistas. Diante da figura do repórter ou do entrevistador, os mitos profissionais da imprensa exaltam a autonomia, a criatividade, a liberdade, a audácia, a flexibilidade, a transgressão, a busca individual, em suma, valores que em tudo se opõem à imagem que a mídia transmite do funcionário público: rigidez, hierarquia, rotina, anonimato... No entanto, nenhum observador de uma redacção ignora que estes termos depreciativos actualmente descrevem o quotidiano da maioria dos trabalhadores da imprensa. Seria, então, a desilusão sem revolta, nascida da realidade morna de seu trabalho, que inspira a tantos jornalistas este ressentimento contra os servidores do público que – eles, sim – ainda se rebelam?
Pierre Rimbert, Gilles Balbastre
http://pt.indymedia.org/ler.php?numero=77200&cidade=1
Pierre Rimbert, Gilles Balbastre
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