sábado, junho 24, 2006

Timor

Há três anos, escrevi uma peça sobre as tentativas de correr com o PM Mari Alkatiri em Timor Leste, então uma nova nação independente que porfiava. Escrevi que acreditava que os USA e a Austrália estavam determinados a correr com o líder timorense, devido à sua posição dura sobre o petróleo e o gás, a sua determinação em não aceitar empréstimos internacionais, e o desejo deles de verem tomar o poder o Presidente Xanana Gusmão, amigo da Austrália.
Três anos mais tarde, infelizmente tenho que dizer que os eventos que previ estão actualmente a tomar forma. Os media patrióticos da Austrália, que sem se interrogarem tomam o partido de qualquer parte da agenda do Pacífico de John Howard – incluindo a excursão às Ilhas Solomon – apregoam agora a queda de Alkatiri, um homem que corajosamente desafiou as reivindicações da Austrália sobre o seu petróleo e gás, [com] muitos dos editores de questões internacionais dos jornais claramente mais em sintonia com as exortações do Departamento de Negócios Estrangeiros e Comércio da Austrália do que com os sentimentos dos timorenses.
Cheguei a Dili precisamente quando rebentaram os primeiros distúrbios em 28 de Abril deste ano – e como testemunhei da frente do desassossego, os muito jovens soldados pareciam ter ajuda do exterior – crendo­‑se serem políticos locais e “do exterior”. A maioria dos observadores citaram a capacidade dos soldados dissidentes de passar de grupo vocal desarmado a um com centenas brandindo paus e armas, o que levantou a locais suspeitas de que isto não era um protesto “orgânico”. Entrevistei muita gente – desde fontes internas da Fretlin, a políticos da oposição e jornalistas locais – e nem um único descartou o facto que os distúrbios tinham sido feitos reféns de “outros” propósitos. O próprio primeiro-ministro o afirmou. Num discurso em 7 de Maio, chamou-lhe um golpe – e disse que “estrangeiros e pessoas do exterior” estavam a tentar mais uma vez dividir a nação. Eu relatei isso para a ABC Radio – e perguntaram-se se tinha a tradução errada. Expliquei pacientemente que não – tínhamos revisto com cuidado o discurso palavra por palavra, e qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento da política timorense perceberia que era isso precisamente o que o primeiro­‑ministro queria dizer. Mais nenhum media se preocupou em ir ao evento – os media australianos preferindo ir ter com os soldados rebeldes ou com os diplomatas australianos que querem Alkatiri “fora”.
Desde a sua eleição, Alkatiri tinha deixado de lado a figura mais importante na política timorense – o presidente Xanana Gusmão – e a tensão entre os dois tornou-se imediatamente evidente. Alkatiri tem uma visão diferente de Gusmão sobre como deve ocorrer o desenvolvimento do país – devagar, sem “os ricos a encherem­‑se à porta fechada” foi o modo como mo descreveu, com uma estrutura sólida de desenvolvimento para desenvolver uma nação verdadeiramente independente. A sua habilidade em defender os interesses de Timor no petróleo e no gás, contra os interesses agressivos da Austrália e de negociantes poderosos, e a sua criação de um Fundo do Petróleo para proteger o dinheiro do petróleo de Timor de uma futura corrupção, nunca estiveram de acordo com a caricatura de um “ditador corrupto” criada pelos seus detractores australianos e americanos.
A campanha para expulsar Alkatiri começou no mínimo há quatro anos – lembro-me da data depois de um oficial americano ter começado a deixar escapar boatos sobre a corrupção de Alkatiri, quando eu trabalhava como freelancer para a ABC Radio. Investiguei essas alegações – e não encontrei nada – mas fiquei mais preocupada com o tom das críticas feitas por responsáveis americanos e australianos que sugeriam claramente que queriam ver­‑se livres deste primeiro-ministro “criador de problemas”. Como Somare, ele não estava a fazer as coisas à maneira deles. Depois de ter entrevistado os principais líderes políticos, era claro que muitos não parariam diante de nada para se livrarem do primeiro-ministro de Timor Leste. O presidente Xanana Gusmão, há três anos atrás, não descartou a possibilidade de dissolver o parlamento e de formar um “governo de unidade nacional”.
Gusmão e os seus apoiantes (incluindo José Ramos-Horta) chamaram em privado a Alkatiri “comunista angolano” com a sua ideia de desenvolvimento em ritmo lento com o qual nem Gusmão nem os seus apoiantes australianos concordam. Para além disso, é difícil compreender porque é que o presidente Gusmão autorizaria forças a removerem inconstitucionalmente este primeiro-ministro. Em Timor, muitos criticam Gusmão, por discordar do primeiro-ministro sobre o despedimento dos soldados (devia ter sido resolvido em privado) enquanto outros o vêem como o arquitecto de todo o fiasco, [tendo] a sua frustração com os limites políticos do seu cargo permitido ser convencido pelos seus conselheiros australianos a embarcar num desnecessário golpe sangrento.
Nos últimos dias temos ouvido jovens escritores timorenses que estão actualmente no Festival de Escritores em Sydney. Eles têm uma visão diferente da dos media australianos sobre o que está a acontecer em Timor. Considere esta citação de um jovem escritor:
«… é suspeito e questionável. É difícil analisar porque é que a Austrália quer ir para lá. Penso que é guiada mais por preocupações sobre a segurança económica da Austrália, incluindo o petróleo debaixo do mar, do que por preocupações com o povo de Timor Leste. Receio que tem menos a ver com a segurança de Timor Leste do que com os interesses e segurança da Austrália».
Gil Gutteres, o líder da Associação de Jornalistas de Timor, TILJA, disse igualmente no mês passado que medos do comunismo, ao velho estilo, e os interesses económicos da Austrália moviam a campanha anti-Alkatiri e estavam por detrás da violência. De facto, não há ninguém em Timor que não entenda que isto é sobre grandes políticas – ajudadas por figuras internas que querem controlar o bolo do petróleo e do gás.
E contudo a imprensa australiana está cheias dos “nossos rapazes” que nos trazem orgulho. Isto não condiz com o sentimento no terreno, nem responde à questão de onde é que as forças rebeldes podiam receber apoio para esta mal amanhada campanha que levou a que tantos timorenses estejam assustados, inquietos e sem casa.
Ainda esta noite, testemunhas falavam de tropas australianas presentes enquanto a milícia disparava contra uma igreja em Belide. Durante a violência inicial, nem um soldado da ONU interveio para parar os pequenos bandos de desordeiros, e as recentes acções das tropas australianas juntam petróleo à especulação de que estão a deixar Timor arder.
Alkatiri, pela sua parte recusa-se a sair, dizendo que somente a Fretilin, o seu partido, lhe pode pedir para se demitir. Se ele sair, os timorenses têm que agradecer aos media australianos pelo seu inquestionável apoio a este golpe. Talvez possam explicar aos esfomeados cidadãos (que já foram ignorados pela Austrália durante 25 anos) porque é que a Austrália agora controla o seu petróleo e o seu gás. Mais importante ainda, os políticos de Timor que são parte da violência terão que explicar ao povo o seu envolvimento neste último capítulo da sua história traumática.

Maryann Keady
http://www.infoalternativa.org

Maryann Keady é uma jornalista e produtora de rádio australiana que tem informado de Dili desde 2002. Ela é actualmente uma associada profissional do Instituto Weatherhead da Universidade de Columbia ocupando­‑se da política externa dos EUA e da China.

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