Há muito tempo que a Júlia (chamemos-lhe assim) se vinha preparando para o teste: A Júlia é professora e, na altura em que tirou o curso, foi-lhe conferido o grau de bacharel. Mas sabe-se como essas coisas são. Hoje em dia, em Portugal, não se faz nada por menos que doutor, e a pobre da Júlia, para subir de escalão e não ficar atrás nos concursos, lá se abalançou a uma formação complementar para conseguir a licenciatura. Disciplinada, meteu mãos à obra e, fora das horas de trabalho, mergulhou, noites a fio, nas «ciências da educação». E o dia do teste lá chegou. Na Escola Superior de Educação Almeida Garrett. Disciplina de Educação e Valores. Cheia de brio, atacou a primeira pergunta:
«A educação é moldura adaptável pelo professor ao aluno no decurso do processo educativo. Concorda? Porquê?»
Como é óbvio, a Júlia não concordava nem deixava de concordar. A pergunta dava para tudo. Já cá volto, vamos à segunda.
«Numa época de canhestros, sistemáticos e fragmentários dogmatismos, labilismos, labialismos, turismos culturais, pragmatismos, cepticismos, determinismos, fatalismos, autismos, narcisismos, parolismos... - mais ou menos camuflados por dinâmicas endógenas e exógenas - um relance, embora perfunctório, sobre a ossatura programática da Disciplina, permite afigurar-se razoável, liminarmente, a susceptibilidade de desfibrá-la, entre outras, nas seguintes dïcotomias axiológicas mediáticas multifacetáveis, confinantes, congruentes, sinalagmáticas..., a entrecruzarem-se, transumirem-se, transubstanciarem-se, transversalizarem-se, etc., v.g: Educação-Ética; Cultura-Civllização; Valores-Referências. Sem irrelevar o subjacente, atípico e ágrafo património - genético, material e espiritual - a montante e a jusante do aluno, teça um comentário sinóptico (corroborante ou repudiante), ancorado em dimensão axiológica e argumentos, empíricos ou especulativos, minimamente válidos.»
Júlia estava compreensivelmente assustada. Não sabia se havia de corroborar ou repudiar. Para mais de forma sinóptica. Vamos ver a próxima.
«Causalizando os respectivos objectivantes, o maior ou menor sucesso intelectivo-educacional materializa-se em facultar ao Homem/Aluno uma plena e interactiva adaptação ao meio, preconizando a sua vivência numa sociedade virtual que ainda não existe. Sufraga ou impugna? Justifique.»
Júlia estava quase a ter uma coisinha má. Não fazia a mínima ideia se queria sufragar ou impugnar. Mas ainda atacou mais outra.
«No acervo do "mapa-múndi" noosférico (habitat cultural dos valores), sem intuitos exaustivos, trace a noção génese, características, mudança, hierarquia, taxinomia, teleologia, filosofia, peregrinação, utopia, potestade e heurística axiológicas.»
Para cinco valores.Júlia rompeu em pranto. Vamos longe, vamos.
PS: Desenganem-se os que pensam que eu ando a tomar coisas. Tenho uma cópia do teste em casa se alguém tiver dúvidas.
Paixão pela Educação
Pedro Norton
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