terça-feira, julho 18, 2006

"Factor de sustentabilidade”, a expressão armadilha

Neste estudo, vai-se analisar a proposta apresentada pelo 1º ministro na Assembleia da República, chamada "factor sustentabilidade" da Segurança Social. O primeiro aspecto a que interessa chamar a atenção, até para motivar a reflexão, é que a escolha da expressão "factor de sustentabilidade" não é inocente. Ela enquadra-se naquilo que Philippe Breton, na sua obra A palavra manipulada, chama "palavra-armadilha". É uma palavra que, em termos de comunicação, se denomina também "palavra-virtude", porque desencadeia naturalmente em nós, a nível do subconsciente, determinado tipo de reflexos e pensamentos, procurando assim coagir-nos a aceitar automaticamente o argumento da outra parte, tornando mais difícil ao receptor defender-se da manipulação a que está a ser sujeito.Seria mais correcto, para ser mais facilmente compreensível pelos portugueses os objectivos que se pretendem atingir, que ao invés de se chamar "factor de sustentabilidade" se denominasse "factor de mais sacrifícios para os já mais sacrificados".Esta proposta do governo esquece aspectos importantes da realidade. Em primeiro lugar, que cada trabalhador empregado cria, à medida que aumenta a sua qualificação e o desenvolvimento cientifico e tecnológico se acentua, muito mais riqueza. De acordo com dados publicados pelo Banco de Portugal, a riqueza criada por cada empregado em Portugal passou, entre 1974 e 2004, de 641 euros para 26.332 euros a preços correntes, ou seja, aumentou 41 vezes.Em segundo lugar, como as contribuições das empresas continuariam a ser calculadas apenas com base nas remunerações, e como uma parcela crescente da riqueza criada pelas empresas não reverte para os trabalhadores sob a forma de remunerações, então a parte restante, que é cada vez maior, ficaria isenta do pagamento de contribuições para a Segurança Social. Para se poder ficar com uma ideia do que isso significa, basta ter presente que, de acordo também com dados do Banco de Portugal, em 1953 a parcela do valor do PIB criado por cada empregado que não estava sujeito nem a quotizações nem a contribuições para a Segurança Social, por não constituir remunerações, era 51 euros por trabalhador, enquanto em 2004 já alcançava 15.815 euros, ou seja, 310 vezes mais.Finalmente, o governo pretende introduzir, desta forma, uma solução donde as empresas são excluídas, o que permitiria no futuro fazer os ajustamentos que se revelassem necessários para enfrentar quaisquer dificuldades financeiras da Segurança Social — poupando as empresas mas sobrecarregando os trabalhadores e os reformados com mais sacrifícios, já que as suas propostas não garantem a sustentabilidade da Segurança Social.Uma solução diferente, seria alterar o cálculo das contribuições das empresas que deveria passar a ser feito com base em toda a riqueza criada pelas mesmas, e não em apenas com base na remunerações, ou seja, em menos de metade dessa riqueza. Tal não significaria nem um novo imposto como afirma o ministro do Trabalho nem determinaria a diminuição da competitividade das empresas como afirma a direita. Nenhuma destas afirmações tem qualquer fundamento técnico. Apenas significaria a substituição da actual forma de calcular as contribuições das empresas com base nas remunerações — que foi criada há mais de 50 anos e que por isso já não se adequa ao rápido desenvolvimento cientifico e tecnológico verificado desde então — por uma nova forma de calcular as contribuições das empresas, mais ajustada à realidade actual destas. Teria a vantagem, por um lado, de eliminar as injustiças entre empresas geradas pelo sistema actual de cálculo tornando a contribuição de cada empresa proporcional à riqueza criada por cada uma delas, portanto mais equitativa, e, por outro lado, na medida em que faria mais que duplicar a base de cálculo das contribuições das empresas, garantiria de uma forma mais sólida a sustentabilidade futura da Segurança Social, o que não sucede com as proposta do governo. Teria também a vantagem de permitir a substituição da actual taxa de 23,75% sobre as remunerações, por uma taxa muito mais baixa que estimamos ser suficiente de 11% sobre o VAB. Para além disso, dificultaria a evasão e fraude actual das empresas baseada na subdeclaração ou mesmo não declaração de remunerações.Apesar do ritmo de crescimento das pensões ser tão criticado pelo ministro do Trabalho e da Segurança Social e por todo o governo, que o consideram muito elevado, a pensão média em Portugal, em Junho de 2005, era ainda de 278 euros por mês, portanto abaixo do limiar da pobreza que é já superior a 300 euros por mês, pensão média essa que variava entre 165 euros (pensão de sobrevivência) e 321 euros (pensão de velhice que, segundo o governo, rondou, em todo o ano de 2005, cerca de 350 euros, portanto um valor continua a ser muito baixo)

Eugénio Rosa
http://resistir.info/

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