As propostas de Sócrates para a Segurança Social
Com uma arrogância e autismo crescente, o 1º ministro Sócrates afirmou que as oposições não tinham alternativas às suas “propostas para uma reforma estrutural da Segurança Social”. Tal afirmação não corresponde à verdade. Para concluir isso, basta recordar o Projecto de Lei n.º 156/X, publicado na Separata 30/X do Diário da Assembleia da República, com o título “Diversificação das Fontes – A nova forma de contribuição para a Segurança Social, com base no Valor Acrescentado Bruto” apresentado pelo PCP em Outubro de 2005 na Assembleia da República que o grupo parlamentar do PS rejeitou, sem permitir qualquer discussão, por indicação do governo.
As propostas apresentadas pelo 1º ministro, pelo menos as mais graves, não são originais. O governo limitou‑se a copiá-las, apressadamente e sem estudar as suas consequências, do Relatório Económico sobre Portugal da OCDE de 2006. Na pág. 55 deste relatório, no capítulo com o título “Fazendo face à pressão do envelhecimento da população”, pode-se ler o seguinte: Mudanças mais radicais devem ser encaradas, tais como: (1) A diminuição da taxa de substituição (o que significa redução das pensões de reforma); (2) E/ou aumento da idade de reforma decorrente da subida da esperança de vida; (3) Para além disso, afirma a OCDE, algumas distorções devem ser corrigidas como a de um trabalhador ter direito a um valor mínimo de pensão, pois isso desincentiva o trabalhador a trabalhar mais de 30 anos. Portanto, como muitas vezes tem acontecido infelizmente para Portugal, a ânsia de “ser bom aluno”, de cumprir as recomendações de organismos estrangeiros, pouco conhecedores das realidades concretas nacionais, levou o actual governo a apresentar as suas “propostas para uma reforma estrutural da Segurança Social” que não exigem nenhum esforço financeiro às empresas nem tocam nos lucros escandalosos dos grandes grupos económicos.
A PROPOSTA DO GOVERNO NÃO GARANTE A SUSTENTABILIDADE A LONGO PRAZO DA SEGURANÇA SOCIAL COM PENSÕES DIGNAS
As propostas apresentadas por Sócrates, para além de revelarem uma profunda insensibilidade social, pois poupam os patrões de qualquer esforço financeiro, sobrecarregando mais uma vez, sempre, e só os trabalhadores, não responde tecnicamente a um problema grave que enfrenta actualmente a Segurança Social. E esse problema é uma consequência da redução percentual da base de cálculo das contribuições das empresas para a Segurança Social, que resulta das contribuições continuarem a ser calculadas com base apenas nas remunerações, tal como sucedia há cerca de 50 anos quando o sistema foi criado. E dessa data até ao presente o mundo e as empresas mudaram profundamente, facto esse que não é entendido pelo actual governo.
Cada trabalhador produz um determinado valor anual de riqueza – o chamado PIB por empregado – em que uma parte reverte para ele sob a forma da remuneração que recebe e a outra parcela fica directamente para a empresa. Como as contribuições das empresas são calculadas apenas com base nas remunerações, tudo aquilo que não são remunerações, apesar de reverter para a empresa, não entra para a base de cálculo das contribuições das empresas para a Segurança Social. E, como mostram os dados do quadro I, a parcela da riqueza que está excluída do pagamento de contribuições para a Segurança Social correspondia, em 1953, a 51 euros por trabalhador mas, em 2004, já correspondia a 15.815 euros, ou seja, 310 vezes mais do que em 1953. As dificuldades que a Segurança Social poderá enfrentar a médio e longo prazo resultam fundamentalmente disso, ou seja, de uma parcela importante e crescente da riqueza criada em cada empresa por cada trabalhador não estar sujeita à chamada Taxa Social Única, ou seja, não contribuir para a Segurança Social. E nenhuma das propostas apresentadas por Sócrates aborda e resolve esta questão. E a razão é clara: é que este governo não quer mexer nos lucros escandalosos obtidos pelas grandes empresas e grupos económicos.
UMA GRANDE DESIGUALDADE ENTRE AS EMPRESAS DETERMINADA PELO SISTEMA DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES QUE O GOVERNO PRETENDE MANTER
Para além do problema referido, que põe em causa a médio e a longo prazo a sustentabilidade da Segurança Social, o actual sistema de cálculo das contribuições das empresas com base apenas nas remunerações cria também grandes desigualdades entre as empresas, quando se mede o valor dessas contribuições utilizando a percentagem que representam da riqueza criada por cada uma delas, como mostram os dados do Banco de Portugal.
Com excepção dos valores da Banca que são também do Banco de Portugal, os valores anteriores foram obtidos na “Central de Balanços” do Banco de Portugal, e são valores de empresas médias, ou seja, valores médios do agregado de cada subsector, a maioria deles repartidos ainda em dois grupos: (1) Grupo constituído por Pequenas e Média Empresas (PME); (2) Grupo constituído pelas “Outras Empresas”, que são as maiores empresas do subsector analisado.
E na “Central de Balanços” do Banco de Portugal obteve‑se directamente, em relação ao ano de 2004, os dados do VAB, ou seja, da riqueza criada; os “Custos de Pessoal”; o número de trabalhadores; e o valor do “Activo Liquido”. E tudo isto relativamente à empresa média do subsector e, dentro de cada um destes, a empresa média de cada grupo.
É certo que os “Custos de Pessoal” inclui mais despesas que não são remunerações, como são os subsídios de alimentação, várias despesas dos administradores, que não entram actualmente no cálculo das contribuições das empresas para a Segurança Social. No entanto, os valores dos “Custos de Pessoal”, que são os únicos valores disponíveis desta natureza, cujo critério utilizado para os determinar é semelhante em todas as empresas, permite conhecer, com reduzida margem de erro, a desigualdade de tratamento que o actual sistema de cálculo das contribuições com base apenas nas remunerações cria entre empresas, pois possibilita determinar o valor das “Contribuições das empresas para a Segurança Social”. E depois, com base no valor assim obtido, calcular a percentagem que estas “contribuições” representam do VAB de cada empresa, ou seja, da riqueza criada pela empresa.
E são os dados assim obtidos que constam do quadro II. E como se conclui rapidamente, a percentagem que as contribuições assim calculadas representam do VAB varia muito de subsector para subsector, e dentro de cada subsector entre as PME e o grupo de “Outras empresas”, grupo este que é constituído pelas maiores empresas do subsector.
Assim, a percentagem que as contribuições das empresas para a Segurança Social representa do VAB, ou seja, da riqueza criada varia entre 17,5% no subsector das “Pescas” e 4,4% nas maiores empresas do sector das “Telecomunicações”. Isto significa que estas últimas empresas entregam à Segurança Social para o pagamento das suas contribuições apenas 4,4% da riqueza que criam, enquanto as empresas da “Pesca” são obrigadas a entregar 17,5% da riqueza que criam, ou seja, quase quatro vezes mais.
Se a análise for feita dentro do mesmo subsector observa-se, na maior parte dos casos, uma grande desigualdade entre o grupo das PME e o grupo de “Outras empresas” que é constituído pelas maiores empresas do subsector. Por ex., no subsector das “Telecomunicações” as PME entregam, em média, 14,6% do seu VAB à Segurança Social para pagar as suas contribuições (23,75% do valor das remunerações), enquanto as grandes empresas entregam apenas à Segurança Social 4,4% do seu VAB para pagar as suas contribuições à Segurança Social, ou seja, 3,6 vezes menos. A Banca, se estivesse a pagar contribuições à Segurança Social por todos os seus trabalhadores, o que não acontece, entregaria apenas 7,2% do seu VAB. Para além disso, os dados constantes do quadro II, relativos ao valor do “Activo Líquido por trabalhador” mostra que existe uma correlação negativa entre este valor e a percentagem do VAB que é entregue à Segurança Social, ou seja, quanto maior é o valor do activo líquido por trabalhador, menor é a percentagem entregue à Segurança Social, o que indicia que são fundamentalmente as empresas de capital intensivo e, nomeadamente, as empresas dos grandes grupos económicos as mais beneficiadas com o actual sistema de cálculo das contribuições das empresas com base apenas nas remunerações.
É também esta profunda desigualdade que o governo pretende manter com as suas “cinco propostas”, as quais visam apenas agravar ainda mais as condições de vida dos trabalhadores e dos reformados, propostas essas que não garantem a sustentabilidade a médio e a longo prazo da Segurança Social, porque não respondem tecnicamente ao problema mais grave que enfrenta actualmente a Segurança Social, que é o estreitamento, em percentagem do VAB, da sua base contributiva.
OS EFEITOS PREVISÍVEIS DAS PROPOSTAS DO GOVERNO
A principal proposta apresentada por Sócrates – o chamado factor de sustentabilidade – traduz-se, como confessou o 1º ministro, na diminuição da pensão em pelo menos 5% em cada 10 anos, a que se deve juntar uma outra redução da pensão resultante de uma outra das cinco propostas que seria, em média, superior a 2,5% para 80 em cada 100 trabalhadores, devido à passagem da pensão calculada com base nas melhores remunerações de dez dos últimos 15 anos para o sistema de cálculo tendo como base toda a carreira contributiva.
Assim, o trabalhador que se reforme daqui a 10 anos teria uma redução na sua pensão de, pelo menos, 7,5%; daqui a 20 anos 12,5%; daqui a 30 anos pelo menos 17,5%; e os que entrarem agora para o mercado de trabalho teriam, quando se reformarem, uma redução superior a 22,5% na pensão. Em alternativa, ou teriam de trabalhar mais tempo (os que se reformassem daqui a 10 anos, mais cinco meses, daqui 20 anos mais 10 meses; daqui a 30 anos mais 15 meses; daqui a 40 anos mais 20 meses, etc.), ou então aumentar mais o desconto feito apenas nos seus salários.
E tenha-se presente que isto são as contas iniciais feitas por este governo, cujos estudos referidos por Sócrates na sua intervenção ninguém ainda conhece, apesar de se ter comprometido publicamente a entregá‑los à Assembleia da República. E isto porque, introduzido o princípio de que a sustentabilidade da segurança social deverá ser garantida exclusivamente à custa dos trabalhadores, é de prever que daqui a poucos anos este governo, ou outro, utilizando a mesma justificação – o cenário macro económico alterou-se – venha dizer que a redução da pensão necessária para garantir a sustentabilidade já não é 5% por cada 10 anos mas sim 10% ou 15% por cada período de 10 anos ou que, em alternativa, não se tenha de trabalhar mais 5 meses por cada período de 10 anos mas sim um ano, ou mesmo um ano e meio por cada período de 10 anos, ou então que os trabalhadores descontem para a Segurança Social muito mais do que estavam a descontar. Portanto, aceite e introduzido o princípio, a porta fica aberta para todas as manipulações baseadas em pretensos estudos de comissões técnicas.
E neste campo as previsões oficiais são continuamente desmentidas pela realidade (recorde-se as previsões do governo, do Banco de Portugal e da União Europeia sobre o crescimento do PIB, que mudam quase todos os meses). Para além disso, a experiência já mostrou que o governo não cumpre o que promete. Recorde‑se a história do aumento dos impostos – IVA e Imposto sobre os Combustíveis – que Sócrates afirmou que não seriam aumentados, e que a 1ª medida que tomou foi aumentá-los, com a “habilidade” de ter aumentado o ISP de forma que a sua concretização se faça através de sucessivas subidas em vários anos para assim poder dizer que só tomou uma vez a decisão de aumentar. Interessa ainda recordar o compromisso público tomado pelo 1º ministro de que as alterações no Estatuto de Aposentação dos trabalhadores da Administração Pública não iriam determinar carreiras longas, mas depois apresentou uma proposta de lei, que foi aprovada pelo grupo parlamentar do PS sem qualquer debate, a qual determina que mais de 90% dos 440.000 trabalhadores abrangidos por ela, para poderem receber a pensão completa, terão de trabalhar para além dos 65 anos ou ter mais de 40 anos de serviço. Interessa igualmente recordar as repetidas declarações de Vieira da Silva, quer na campanha eleitoral quer já como ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, de que a idade de reforma não seria aumentada, e agora o governo de que faz parte apresentou um conjunto de propostas em que uma alternativa é precisamente o aumento da idade de reforma.
Em relação à sustentabilidade da Segurança Social a médio e longo prazo, a questão que se coloca é a seguinte: ou alarga‑se a base contributiva das empresas através de uma taxa ou de um imposto sobre a riqueza criada por elas que está isenta do pagamento de contribuições para a Segurança Social, pelo menos das grandes empresas de capital e conhecimento intensivo, ou então reduz-se as pensões, aumenta‑se a idade de reforma e sobe‑se os descontos dos trabalhadores sacrificando mais uma vez estes e os reformados. O governo, através das propostas que apresentou, mostrou que a sua opção de classe é proteger, nomeadamente, as grandes empresas, em particular os grandes grupos económicos, pois a sua proposta não determina qualquer esforço financeiro (é nulo) para eles. A “sustentabilidade” de que fala o governo é feita exclusivamente à custa dos trabalhadores e dos reformados.
Eugénio Rosa
http://www.resistir.info/portugal/ss_alternativas.html
Com uma arrogância e autismo crescente, o 1º ministro Sócrates afirmou que as oposições não tinham alternativas às suas “propostas para uma reforma estrutural da Segurança Social”. Tal afirmação não corresponde à verdade. Para concluir isso, basta recordar o Projecto de Lei n.º 156/X, publicado na Separata 30/X do Diário da Assembleia da República, com o título “Diversificação das Fontes – A nova forma de contribuição para a Segurança Social, com base no Valor Acrescentado Bruto” apresentado pelo PCP em Outubro de 2005 na Assembleia da República que o grupo parlamentar do PS rejeitou, sem permitir qualquer discussão, por indicação do governo.
As propostas apresentadas pelo 1º ministro, pelo menos as mais graves, não são originais. O governo limitou‑se a copiá-las, apressadamente e sem estudar as suas consequências, do Relatório Económico sobre Portugal da OCDE de 2006. Na pág. 55 deste relatório, no capítulo com o título “Fazendo face à pressão do envelhecimento da população”, pode-se ler o seguinte: Mudanças mais radicais devem ser encaradas, tais como: (1) A diminuição da taxa de substituição (o que significa redução das pensões de reforma); (2) E/ou aumento da idade de reforma decorrente da subida da esperança de vida; (3) Para além disso, afirma a OCDE, algumas distorções devem ser corrigidas como a de um trabalhador ter direito a um valor mínimo de pensão, pois isso desincentiva o trabalhador a trabalhar mais de 30 anos. Portanto, como muitas vezes tem acontecido infelizmente para Portugal, a ânsia de “ser bom aluno”, de cumprir as recomendações de organismos estrangeiros, pouco conhecedores das realidades concretas nacionais, levou o actual governo a apresentar as suas “propostas para uma reforma estrutural da Segurança Social” que não exigem nenhum esforço financeiro às empresas nem tocam nos lucros escandalosos dos grandes grupos económicos.
A PROPOSTA DO GOVERNO NÃO GARANTE A SUSTENTABILIDADE A LONGO PRAZO DA SEGURANÇA SOCIAL COM PENSÕES DIGNAS
As propostas apresentadas por Sócrates, para além de revelarem uma profunda insensibilidade social, pois poupam os patrões de qualquer esforço financeiro, sobrecarregando mais uma vez, sempre, e só os trabalhadores, não responde tecnicamente a um problema grave que enfrenta actualmente a Segurança Social. E esse problema é uma consequência da redução percentual da base de cálculo das contribuições das empresas para a Segurança Social, que resulta das contribuições continuarem a ser calculadas com base apenas nas remunerações, tal como sucedia há cerca de 50 anos quando o sistema foi criado. E dessa data até ao presente o mundo e as empresas mudaram profundamente, facto esse que não é entendido pelo actual governo.
Cada trabalhador produz um determinado valor anual de riqueza – o chamado PIB por empregado – em que uma parte reverte para ele sob a forma da remuneração que recebe e a outra parcela fica directamente para a empresa. Como as contribuições das empresas são calculadas apenas com base nas remunerações, tudo aquilo que não são remunerações, apesar de reverter para a empresa, não entra para a base de cálculo das contribuições das empresas para a Segurança Social. E, como mostram os dados do quadro I, a parcela da riqueza que está excluída do pagamento de contribuições para a Segurança Social correspondia, em 1953, a 51 euros por trabalhador mas, em 2004, já correspondia a 15.815 euros, ou seja, 310 vezes mais do que em 1953. As dificuldades que a Segurança Social poderá enfrentar a médio e longo prazo resultam fundamentalmente disso, ou seja, de uma parcela importante e crescente da riqueza criada em cada empresa por cada trabalhador não estar sujeita à chamada Taxa Social Única, ou seja, não contribuir para a Segurança Social. E nenhuma das propostas apresentadas por Sócrates aborda e resolve esta questão. E a razão é clara: é que este governo não quer mexer nos lucros escandalosos obtidos pelas grandes empresas e grupos económicos.
UMA GRANDE DESIGUALDADE ENTRE AS EMPRESAS DETERMINADA PELO SISTEMA DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES QUE O GOVERNO PRETENDE MANTER
Para além do problema referido, que põe em causa a médio e a longo prazo a sustentabilidade da Segurança Social, o actual sistema de cálculo das contribuições das empresas com base apenas nas remunerações cria também grandes desigualdades entre as empresas, quando se mede o valor dessas contribuições utilizando a percentagem que representam da riqueza criada por cada uma delas, como mostram os dados do Banco de Portugal.
Com excepção dos valores da Banca que são também do Banco de Portugal, os valores anteriores foram obtidos na “Central de Balanços” do Banco de Portugal, e são valores de empresas médias, ou seja, valores médios do agregado de cada subsector, a maioria deles repartidos ainda em dois grupos: (1) Grupo constituído por Pequenas e Média Empresas (PME); (2) Grupo constituído pelas “Outras Empresas”, que são as maiores empresas do subsector analisado.
E na “Central de Balanços” do Banco de Portugal obteve‑se directamente, em relação ao ano de 2004, os dados do VAB, ou seja, da riqueza criada; os “Custos de Pessoal”; o número de trabalhadores; e o valor do “Activo Liquido”. E tudo isto relativamente à empresa média do subsector e, dentro de cada um destes, a empresa média de cada grupo.
É certo que os “Custos de Pessoal” inclui mais despesas que não são remunerações, como são os subsídios de alimentação, várias despesas dos administradores, que não entram actualmente no cálculo das contribuições das empresas para a Segurança Social. No entanto, os valores dos “Custos de Pessoal”, que são os únicos valores disponíveis desta natureza, cujo critério utilizado para os determinar é semelhante em todas as empresas, permite conhecer, com reduzida margem de erro, a desigualdade de tratamento que o actual sistema de cálculo das contribuições com base apenas nas remunerações cria entre empresas, pois possibilita determinar o valor das “Contribuições das empresas para a Segurança Social”. E depois, com base no valor assim obtido, calcular a percentagem que estas “contribuições” representam do VAB de cada empresa, ou seja, da riqueza criada pela empresa.
E são os dados assim obtidos que constam do quadro II. E como se conclui rapidamente, a percentagem que as contribuições assim calculadas representam do VAB varia muito de subsector para subsector, e dentro de cada subsector entre as PME e o grupo de “Outras empresas”, grupo este que é constituído pelas maiores empresas do subsector.
Assim, a percentagem que as contribuições das empresas para a Segurança Social representa do VAB, ou seja, da riqueza criada varia entre 17,5% no subsector das “Pescas” e 4,4% nas maiores empresas do sector das “Telecomunicações”. Isto significa que estas últimas empresas entregam à Segurança Social para o pagamento das suas contribuições apenas 4,4% da riqueza que criam, enquanto as empresas da “Pesca” são obrigadas a entregar 17,5% da riqueza que criam, ou seja, quase quatro vezes mais.
Se a análise for feita dentro do mesmo subsector observa-se, na maior parte dos casos, uma grande desigualdade entre o grupo das PME e o grupo de “Outras empresas” que é constituído pelas maiores empresas do subsector. Por ex., no subsector das “Telecomunicações” as PME entregam, em média, 14,6% do seu VAB à Segurança Social para pagar as suas contribuições (23,75% do valor das remunerações), enquanto as grandes empresas entregam apenas à Segurança Social 4,4% do seu VAB para pagar as suas contribuições à Segurança Social, ou seja, 3,6 vezes menos. A Banca, se estivesse a pagar contribuições à Segurança Social por todos os seus trabalhadores, o que não acontece, entregaria apenas 7,2% do seu VAB. Para além disso, os dados constantes do quadro II, relativos ao valor do “Activo Líquido por trabalhador” mostra que existe uma correlação negativa entre este valor e a percentagem do VAB que é entregue à Segurança Social, ou seja, quanto maior é o valor do activo líquido por trabalhador, menor é a percentagem entregue à Segurança Social, o que indicia que são fundamentalmente as empresas de capital intensivo e, nomeadamente, as empresas dos grandes grupos económicos as mais beneficiadas com o actual sistema de cálculo das contribuições das empresas com base apenas nas remunerações.
É também esta profunda desigualdade que o governo pretende manter com as suas “cinco propostas”, as quais visam apenas agravar ainda mais as condições de vida dos trabalhadores e dos reformados, propostas essas que não garantem a sustentabilidade a médio e a longo prazo da Segurança Social, porque não respondem tecnicamente ao problema mais grave que enfrenta actualmente a Segurança Social, que é o estreitamento, em percentagem do VAB, da sua base contributiva.
OS EFEITOS PREVISÍVEIS DAS PROPOSTAS DO GOVERNO
A principal proposta apresentada por Sócrates – o chamado factor de sustentabilidade – traduz-se, como confessou o 1º ministro, na diminuição da pensão em pelo menos 5% em cada 10 anos, a que se deve juntar uma outra redução da pensão resultante de uma outra das cinco propostas que seria, em média, superior a 2,5% para 80 em cada 100 trabalhadores, devido à passagem da pensão calculada com base nas melhores remunerações de dez dos últimos 15 anos para o sistema de cálculo tendo como base toda a carreira contributiva.
Assim, o trabalhador que se reforme daqui a 10 anos teria uma redução na sua pensão de, pelo menos, 7,5%; daqui a 20 anos 12,5%; daqui a 30 anos pelo menos 17,5%; e os que entrarem agora para o mercado de trabalho teriam, quando se reformarem, uma redução superior a 22,5% na pensão. Em alternativa, ou teriam de trabalhar mais tempo (os que se reformassem daqui a 10 anos, mais cinco meses, daqui 20 anos mais 10 meses; daqui a 30 anos mais 15 meses; daqui a 40 anos mais 20 meses, etc.), ou então aumentar mais o desconto feito apenas nos seus salários.
E tenha-se presente que isto são as contas iniciais feitas por este governo, cujos estudos referidos por Sócrates na sua intervenção ninguém ainda conhece, apesar de se ter comprometido publicamente a entregá‑los à Assembleia da República. E isto porque, introduzido o princípio de que a sustentabilidade da segurança social deverá ser garantida exclusivamente à custa dos trabalhadores, é de prever que daqui a poucos anos este governo, ou outro, utilizando a mesma justificação – o cenário macro económico alterou-se – venha dizer que a redução da pensão necessária para garantir a sustentabilidade já não é 5% por cada 10 anos mas sim 10% ou 15% por cada período de 10 anos ou que, em alternativa, não se tenha de trabalhar mais 5 meses por cada período de 10 anos mas sim um ano, ou mesmo um ano e meio por cada período de 10 anos, ou então que os trabalhadores descontem para a Segurança Social muito mais do que estavam a descontar. Portanto, aceite e introduzido o princípio, a porta fica aberta para todas as manipulações baseadas em pretensos estudos de comissões técnicas.
E neste campo as previsões oficiais são continuamente desmentidas pela realidade (recorde-se as previsões do governo, do Banco de Portugal e da União Europeia sobre o crescimento do PIB, que mudam quase todos os meses). Para além disso, a experiência já mostrou que o governo não cumpre o que promete. Recorde‑se a história do aumento dos impostos – IVA e Imposto sobre os Combustíveis – que Sócrates afirmou que não seriam aumentados, e que a 1ª medida que tomou foi aumentá-los, com a “habilidade” de ter aumentado o ISP de forma que a sua concretização se faça através de sucessivas subidas em vários anos para assim poder dizer que só tomou uma vez a decisão de aumentar. Interessa ainda recordar o compromisso público tomado pelo 1º ministro de que as alterações no Estatuto de Aposentação dos trabalhadores da Administração Pública não iriam determinar carreiras longas, mas depois apresentou uma proposta de lei, que foi aprovada pelo grupo parlamentar do PS sem qualquer debate, a qual determina que mais de 90% dos 440.000 trabalhadores abrangidos por ela, para poderem receber a pensão completa, terão de trabalhar para além dos 65 anos ou ter mais de 40 anos de serviço. Interessa igualmente recordar as repetidas declarações de Vieira da Silva, quer na campanha eleitoral quer já como ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, de que a idade de reforma não seria aumentada, e agora o governo de que faz parte apresentou um conjunto de propostas em que uma alternativa é precisamente o aumento da idade de reforma.
Em relação à sustentabilidade da Segurança Social a médio e longo prazo, a questão que se coloca é a seguinte: ou alarga‑se a base contributiva das empresas através de uma taxa ou de um imposto sobre a riqueza criada por elas que está isenta do pagamento de contribuições para a Segurança Social, pelo menos das grandes empresas de capital e conhecimento intensivo, ou então reduz-se as pensões, aumenta‑se a idade de reforma e sobe‑se os descontos dos trabalhadores sacrificando mais uma vez estes e os reformados. O governo, através das propostas que apresentou, mostrou que a sua opção de classe é proteger, nomeadamente, as grandes empresas, em particular os grandes grupos económicos, pois a sua proposta não determina qualquer esforço financeiro (é nulo) para eles. A “sustentabilidade” de que fala o governo é feita exclusivamente à custa dos trabalhadores e dos reformados.
Eugénio Rosa
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