quarta-feira, julho 05, 2006

A incapacidade dos neoliberais para compreender a actual crise

Não é com planos de caridade, como os propostos por Cavaco Silva e Sócrates, que se conseguirá resolver o agravamento das desigualdades em Portugal


Portugal enfrenta neste momento uma grave crise económica e social com características novas e diferentes das crises passadas, que os economistas neoliberais têm revelado uma grande incapacidade em compreender, como mostra o relatório recente da OCDE e o Boletim da Primavera do Banco de Portugal . Essa crise resulta de causas que ou não existiam nas crises passadas ou que não tinham o peso e a importância que têm na crise actual.Por ex. a politica de "euro forte" posta em prática pelo Banco Central Europeu tem contribuído para a perda de competitividade da Economia Portuguesa. E isto porque o euro valorizado do BCE torna as mercadorias portuguesas mais caras para os clientes de países exteriores à União Europeia, e torna mais baratas as mercadorias dos nossos concorrentes asiáticos que estão a invadir a União Europeia, ocupando os segmentos de mercado que antes eram ocupados por produtos portugueses.A Economia Portuguesa e as empresas portuguesas estão a perder a batalha da competitividade. OCDE aponta como causa para a perda de competitividade da Economia Portuguesa o facto de que as "empresas portuguesas têm mantido a sua especialização na produção de mercadorias tradicionais baseadas em trabalho intensivo e de baixo valor acrescentado, estando a perder os mercados para onde exportavam devido ao aparecimento de novos concorrentes com custos ainda mais baixos, como é a China" (pág. 19). Para o Banco de Portugal, " a evolução das exportações tem sido afectada pelo respectivo padrão de especialização, caracterizado por um peso muito elevado de produtos com baixos conteúdos tecnológicos e de capital humano intensivo, como os têxteis, vestuário e calçado. Estes sectores enfrentam uma concorrência acrescida por parte de novos intervenientes no comércio internacional, produtores a baixos custos." (págs. 9 e 10 do Boletim da Primavera).É evidente que não se consegue mudar o "padrão de especialização" de um momento para outro. Para o conseguir é necessário investir muito mais e aumentar significativamente o nível de escolaridade da população empregada portuguesa que, no fim de 2005, cerca de 72% tinha apenas o ensino básico ou menos.E tudo isto se torna ainda mais difícil quando a politica do actual governo centrada na obsessão do défice está a determinar a quebra continuada do investimento. Segundo o Banco de Portugal, "a FBCF registou um diminuição em 2005, apesar da manutenção das condições de financiamento favoráveis, elevando para mais de 15% a redução acumulada desde 2002" (pág. 10 do seu Boletim da Primavera). A redução do investimento público foi ainda maior. Assim, em 2006 o investimento público será inferior ao de 2005 em -27,8%. E se compararmos o investimento público previsto para 2006 com o de 2002 a quebra é de -26,9%. E isto é a preços nominais, porque se for em termos reais, as quebras são muito maiores pois tem-se de entrar com o aumento dos preços.Perante este quadro real da economia portuguesa, como é que se poderá defender, como faz Victor Constâncio e outros economistas neoliberais do Banco de Portugal e da OCDE "mais do mesmo", ou seja, um maior agravamento da politica seguida pelo actual governo que está precisamente a reduzir o investimento e, consequentemente, a agravar e a prolongar a actual crise económica e social?Um dos mais graves problemas sociais e económicos que Portugal enfrenta actualmente, que é também uma das causas mais importantes da crise actual, é precisamente a grave desigualdade (a pior de toda a U.E.) na repartição da riqueza e do rendimento. Segundo dados do Eurostat, em 2001, 20% da população portuguesa, isto é mais de 2.100.000 portugueses viviam abaixo do limiar da pobreza, ou seja, com menos de 300 euros por mês. Depois de 2001, a situação agravou-se ainda mais em Portugal. Em 1995, último ano do governo do PSD de Cavaco Silva, Portugal apresentava uma elevada desigualdade na repartição do rendimento. Nesse ano, os 20% mais ricos recebiam 7,4 vezes mais rendimento do que os 20% mais pobres, quando a média da União Europeia era de 5,1. Entre 1995 e 2000, verifica-se em Portugal uma redução das desigualdades, mas a partir de 2000, registou-se um aumento do agravamento das desigualdades no nosso País, atingindo, em 2004, o valor de 7,2 que é superior em 50% à media comunitária que era 4,8. Para além disso, em 2005, 72% da população empregada portuguesa, que é constituída por trabalhadores por conta de outrem recebiam apenas 40% do PIB, quando a média comunitária atingia 50%, e em 1975 os trabalhadores portugueses receberam, sob a forma de remunerações, o correspondente a 59% do PIB.Perante estes dados, como é que se pode pensar que o Plano de Inclusão Social defendido pelo PR, ou Cavaco Silva, ou o "complemento de solidariedade" de que falou o 1º ministro Sócrates logo a seguir, para mostrar que estava sintonizado com Cavaco Silva (e é de pensar que esteja), poderão alterar efectivamente a grave injustiça na repartição da riqueza e do rendimento que existe em Portugal?

Eugénio Rosa
http://resistir.info/

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