Agora são cartoons do profeta Maomé com um turbante em forma de bomba. Embaixadores são retirados da Dinamarca, nações do Golfo Pérsico tiram das suas prateleiras os produtos dinamarqueses, homens armados em Gaza ameaçam a União Europeia. Na Dinamarca, o editor de cultura do jornal em que apareceram essas tontas caricaturas em Setembro passado, anuncia que estamos a ser testemunhas de um «choque de civilizações» entre as democracias laicas ocidentais e as sociedades islâmicas. O que estamos a presenciar é a infantilidade das civilizações.
Comecemos pelas verdades elementares. Isto não é uma questão de laicismo versus Islão. Para os muçulmanos, o profeta é o homem que recebeu as palavras divinas directamente de Deus. Nós vemos os nossos santos e profetas, quando muito, como figuras históricas vagas, contrapostos aos nossos avançados direitos humanos, quase como caricaturas deles mesmos. O facto é que os muçulmanos vivem a sua religião, nós não. Eles conservaram a sua fé através de inúmeras vicissitudes históricas. Nós perdemos a nossa fé desde há muito. É por isso que falamos de “ocidente versus Islão” em vez de “cristãos versus Islão” – porque não restam muitos cristãos na Europa. Não há forma de podermos contornar isto reunindo todas as outras religiões do mundo e perguntando por que não nos é permitido brincar com Maomé.
Além disso, podemos exercer a nossa própria hipocrisia em torno dos sentimentos religiosos. Recordo como, há mais de uma década, um filme chamado A última tentação de Cristo mostrava Jesus a fazer amor com uma mulher. Em Paris, alguém pôs fogo ao cinema que exibia o filme, matando um jovem. Em Portugal o presidente da câmara da época Krus Abecassis promoveu uma manifestação à porta do cinema onde se iria exibir o filme para impedir as pessoas de o verem. Houve escaramuças e a polícia teve que intervir.
Em outras palavras, enquanto exigimos que os muçulmanos se comportem como bons laicos quando se trata da liberdade de expressão – ou de caricaturas de mau gosto –, nós podemos preocupar‑nos quase tanto com os aderentes da nossa preciosa religião. Também ouvi as pomposas declarações de homens de estado europeus dizendo que não podem controlar a liberdade de expressão ou os jornais. Isso também é uma tolice. Se esse cartoon tivesse mostrado um rabino com um chapéu em forma de bomba, teríamos ouvido “anti‑semitismo” gritado nos nossos ouvidos – e com razão – tal como frequentemente ouvimos os israelitas queixarem‑se acerca das caricaturas anti‑semitas nos jornais egípcios.
Mais: em algumas nações europeias – a França é uma, a Alemanha e a Áustria estão entre as outras – é proibido pela lei negar actos de genocídio. Em França, por exemplo, é ilegal dizer que os Holocaustos judeu e arménio não existiram. Assim, é de facto proibido fazer certas declarações em países europeus. Ainda não estou seguro se essas leis atingem os seus objectivos; por muito que se proíba a negação do Holocausto, os anti‑semitas sempre tentarão encontrar uma forma de dar a volta. Dificilmente podemos exercer as nossas restrições políticas para impedir os negacionistas do Holocausto, e depois começar a gritar sobre laicismo quando descobrimos que os muçulmanos se opõem à nossa provocadora e insultante imagem do profeta.
Para muitos muçulmanos, a reacção islâmica a este caso é um embaraço. Há razão para crer que os muçulmanos gostariam de ver algum elemento de reforma introduzido na sua religião. Se este cartoon tivesse promovido a causa daqueles que querem debater esta questão tema, ninguém se importaria. Mas tiveram claramente a intenção de serem provocativos. Foi tão ultrajante que só causou reacção.
Este não é o momento mais adequado para acender o velho lixo sobre um choque de civilizações. O Irão tem novamente um governo clerical. O mesmo ocorre, na prática, no Iraque, que não era suposto terminar com um governo clerical democraticamente eleito, mas isso é o que acontece quando se derrubam ditadores.
No Egipto, a Irmandade Muçulmana ganhou 20 por cento dos assentos parlamentares nas recentes eleições legislativas. Agora temos o Hamas a cargo da Palestina. Há aqui uma mensagem, não há? De que as políticas americanas – mudança de regime, no Médio Oriente – não estão a atingir os seus fins. Estes milhões de eleitores preferiram o Islão aos governos corruptos que os ocidentais lhes impuseram.
Que os cartoons dinamarqueses sejam lançados em cima deste fogo é certamente perigoso.
Em qualquer caso, não se trata de se o profeta deve ou não ser retratado. O Corão não proíbe imagens do Profeta ainda que milhões de muçulmanos o façam. O problema é que estes cartoons retrataram Maomé como uma imagem de violência. Retrataram o Islão como uma religião violenta. Não o é. Ou queremos que assim o seja?
http://www.infoalternativa.org/autores/fisk/fisk075.htm
Comecemos pelas verdades elementares. Isto não é uma questão de laicismo versus Islão. Para os muçulmanos, o profeta é o homem que recebeu as palavras divinas directamente de Deus. Nós vemos os nossos santos e profetas, quando muito, como figuras históricas vagas, contrapostos aos nossos avançados direitos humanos, quase como caricaturas deles mesmos. O facto é que os muçulmanos vivem a sua religião, nós não. Eles conservaram a sua fé através de inúmeras vicissitudes históricas. Nós perdemos a nossa fé desde há muito. É por isso que falamos de “ocidente versus Islão” em vez de “cristãos versus Islão” – porque não restam muitos cristãos na Europa. Não há forma de podermos contornar isto reunindo todas as outras religiões do mundo e perguntando por que não nos é permitido brincar com Maomé.
Além disso, podemos exercer a nossa própria hipocrisia em torno dos sentimentos religiosos. Recordo como, há mais de uma década, um filme chamado A última tentação de Cristo mostrava Jesus a fazer amor com uma mulher. Em Paris, alguém pôs fogo ao cinema que exibia o filme, matando um jovem. Em Portugal o presidente da câmara da época Krus Abecassis promoveu uma manifestação à porta do cinema onde se iria exibir o filme para impedir as pessoas de o verem. Houve escaramuças e a polícia teve que intervir.
Em outras palavras, enquanto exigimos que os muçulmanos se comportem como bons laicos quando se trata da liberdade de expressão – ou de caricaturas de mau gosto –, nós podemos preocupar‑nos quase tanto com os aderentes da nossa preciosa religião. Também ouvi as pomposas declarações de homens de estado europeus dizendo que não podem controlar a liberdade de expressão ou os jornais. Isso também é uma tolice. Se esse cartoon tivesse mostrado um rabino com um chapéu em forma de bomba, teríamos ouvido “anti‑semitismo” gritado nos nossos ouvidos – e com razão – tal como frequentemente ouvimos os israelitas queixarem‑se acerca das caricaturas anti‑semitas nos jornais egípcios.
Mais: em algumas nações europeias – a França é uma, a Alemanha e a Áustria estão entre as outras – é proibido pela lei negar actos de genocídio. Em França, por exemplo, é ilegal dizer que os Holocaustos judeu e arménio não existiram. Assim, é de facto proibido fazer certas declarações em países europeus. Ainda não estou seguro se essas leis atingem os seus objectivos; por muito que se proíba a negação do Holocausto, os anti‑semitas sempre tentarão encontrar uma forma de dar a volta. Dificilmente podemos exercer as nossas restrições políticas para impedir os negacionistas do Holocausto, e depois começar a gritar sobre laicismo quando descobrimos que os muçulmanos se opõem à nossa provocadora e insultante imagem do profeta.
Para muitos muçulmanos, a reacção islâmica a este caso é um embaraço. Há razão para crer que os muçulmanos gostariam de ver algum elemento de reforma introduzido na sua religião. Se este cartoon tivesse promovido a causa daqueles que querem debater esta questão tema, ninguém se importaria. Mas tiveram claramente a intenção de serem provocativos. Foi tão ultrajante que só causou reacção.
Este não é o momento mais adequado para acender o velho lixo sobre um choque de civilizações. O Irão tem novamente um governo clerical. O mesmo ocorre, na prática, no Iraque, que não era suposto terminar com um governo clerical democraticamente eleito, mas isso é o que acontece quando se derrubam ditadores.
No Egipto, a Irmandade Muçulmana ganhou 20 por cento dos assentos parlamentares nas recentes eleições legislativas. Agora temos o Hamas a cargo da Palestina. Há aqui uma mensagem, não há? De que as políticas americanas – mudança de regime, no Médio Oriente – não estão a atingir os seus fins. Estes milhões de eleitores preferiram o Islão aos governos corruptos que os ocidentais lhes impuseram.
Que os cartoons dinamarqueses sejam lançados em cima deste fogo é certamente perigoso.
Em qualquer caso, não se trata de se o profeta deve ou não ser retratado. O Corão não proíbe imagens do Profeta ainda que milhões de muçulmanos o façam. O problema é que estes cartoons retrataram Maomé como uma imagem de violência. Retrataram o Islão como uma religião violenta. Não o é. Ou queremos que assim o seja?
http://www.infoalternativa.org/autores/fisk/fisk075.htm
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