terça-feira, julho 04, 2006

Tecnologia provoca segunda onda de desemprego no campo

Em série de artigos agrupados sob o título “Lavoura Moderna”, no caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo, a conclusão é a de que o “Uso de máquina no campo gera onda de desempregados em fazendas de monocultura no Centro-Oeste”.
Em artigo intitulado “Mecanização engorda fileira de sem-terra”, podemos ler que: “A modernização da agricultura, principalmente no Centro-Oeste, está gerando uma onda de desempregados nas fazendas de monocultura que se juntam em acampamentos de sem-terra”.(1)
Isso significa que o tão alardeado “agronegócio”, chave das exportações brasileiras e dos índices positivos da economia da era Lula, não foge a regra de todos os outros setores da economia. O segredo da produtividade é o uso intensivo de tecnologia substitutiva de mão-de-obra. E a conseqüência imediata é o desemprego.
Mas a questão aqui é mais complicada. Isso porque em outra publicação da mesma credibilidade da Folha de S. Paulo, a revista Agro Exame, podemos ler que “A expansão das fronteiras agrícolas, puxadas pelas exportações, gera renda e empregos pelo interior afora, dinamizando de forma inusitada as economias locais”.(2)
Então, ou estamos falando de países diferentes ou temos de interpretar os textos de forma a que a expressão “empregos” fique no seu devido lugar. De fato, quando lemos outro artigo da série da Folha, lemos que: “Como a operação desse maquinário exige conhecimentos específicos, trabalhadores com esse preparo foram ‘importados’ para trabalhar nas fazendas mecanizadas”.(3)
Ai as coisas ficam claras, a renda é para os proprietários, e os empregos são apenas para uma minoria de trabalhadores especializados, vindos de outras regiões. Para os trabalhadores locais, sobra o acampamento do MST. Nada diferente do que ocorre com o “desemprego estrutural” nas cidades.
Só que novamente surge um problema. O investimento maciço em tecnologia é explicado na indústria, no comércio e nos serviços como sendo uma “resposta” dos empresários ao alto custo das contratações em termos de despesas indiretas e obrigações previdenciárias.
A mecanização da agricultura data de pelo menos 80 anos nos países mais avançados. No Brasil e em muitos outros países pobres, a mecanização parcial também já é antiga. Mas, sempre encontrou uma barreira no fato de que qualquer máquina era muito mais cara do que a mão-de-obra rural. O que mudou? Por que de repente assistimos uma segunda onda de mecanização?
Como explicar que nas condições vigentes nas regiões mais atrasadas do país, onde os salários são incrivelmente baixos e o emprego formal praticamente inexiste, sendo o “peão” sempre contratado apenas por empreitada, ainda assim seja economicamente viável a compra de máquinas agrícolas em grandes quantidades? Colheitadeiras chegaram a ser importadas da Ucrânia por falta de condições de entrega da indústria nacional.
Uma boa pista é dada pelo presidente da UDR, Luiz Antonio Nabhan Garcia, quando afirma que “Nas fronteiras agrícolas, para fugir das acusações de trabalho escravo, os produtores estão partindo para a mecanização. É muito caro manter toda uma estrutura como a cobrada pelo Ministério do Trabalho”. (4)
O que significa que mesmo a obediência mínima a CLT, que o Sr. Nabhan Garcia chama de “radicalização do ministério do Trabalho”, torna o trabalhador rural “muito caro”. Talvez se eles aceitassem uma “flexibilização” que permitisse aos patrões a re-introdução do regime escravagista, vivendo em senzalas e sendo submetidos à chibata, pudessem manter seus empregos...
Ironias à parte, o fato é que o trabalhador rural, mesmo com salário muito baixo e virtual ausência de benefícios, já começa a deixar de ser “competitivo” em relação às máquinas. Por que? A resposta está em que o uso da tecnologia é cumulativo em toda a cadeia produtiva mundial. O seguinte quadro informativo nos oferece algumas referências sobre o impacto em diversos setores. Assim, com a mesma mão-de-obra, hoje em dia é possível:

Indústria Eletroeletrônica - Fabricar sete vezes mais televisores
Indústria Automobilística - Fabricar seis vezes mais automóveis
Indústria Têxtil – Produzir quatro vezes mais tecidos
Construção Civil – Construir três vezes mais metros quadrados
Empresas Aéreas – Transportar duas vezes mais passageiros
Siderurgia – Fazer duas vezes mais aço (5)

Podemos estimar que a indústria de máquinas e implementos agrícolas deve se situar próximo da faixa da indústria automobilística. Sendo assim, o preço final desses equipamentos também sofreu quedas razoáveis em seus preços, em função justamente da automação na indústria.
Em outras palavras, a automação nas indústrias de bens de capital tem o efeito de “espalhar” ainda mais o desemprego que cria ao promover a reengenharia de seus próprios métodos de produção. O computador e o robô que tiram o emprego do metalúrgico, fabricam o trator e a colheitadeira mais baratos, que tiram o emprego do “caipira”.
A prova disso está na própria argumentação dos fazendeiros. O primeiro argumento é absurdo, pois consiste em culpar o MST e organizações congêneres por suas opções. É óbvio que uma oferta generosa de empregos, em período de “vagas gordas”, teria o efeito de esvaziar e não engrossar as fileiras desses movimentos. Alias, João Pedro Stedile afirma que “O MST não precisa fazer trabalho de base, o agronegócio está fazendo por ele”.
O segundo vai direto ao ponto, e é claramente o que reflete a realidade: Segundo o mesmo Nabhan Garcia, “O agronegócio não pode ficar para trás. É natural que ele se modernize para competir lá fora”.(6) O que significa que para competir “lá fora”, a questão é custo, pura e simplesmente. Ninguém iria investir em máquinas cujo custo tornasse seu negócio inviável, ainda mais quando se enfrenta a competição internacional.
Analisemos alguns números: Segundo Philip Fearnside, da coordenação do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia), as culturas da soja, do algodão e da cana, quando mecanizadas, geram em média um único emprego para cada 200 hectares.
De acordo com Bernardo Mançano, do Nera (Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária), em média as culturas do agronegócio fecham 11 vagas para cada trabalhador contratado.
Alguns números do “infográfico” da Folha dão mais dimensão ao problema. Intitulado “Desemprego gerado pela mecanização”, o gráfico registra “Quantas vagas são fechadas para cada vaga aberta pela mecanização”: Para o Algodão = 60, para a Cana = 400, para o Feijão = 400.

Não é difícil calcular que é impossível que 400 pessoas, junto com suas famílias, possam custar menos do que uma máquina e seu operador. Nem na condição de escravos seria “bom negócio” para o proprietário rural.
Em um caso específico, um único produtor, Wander Carlos de Souza, simplesmente “trocou” 2.000 empregados por 18 colheitadeiras. O preço das máquinas é estimado em R$ 7,2 milhões. O produtor é responsável por 4% da produção nacional de algodão. Não parece alguém disposto a comprar bugigangas caras apenas para satisfazer seu ego. É evidente que as colheitadeiras irão permitir um lucro no mínimo igual ao obtido com o trabalho dos 2.000 infelizes “descartados”, que passaram a formar o maior acampamento de sem-terra do estado.
Assim chegamos ao degradante quadro descrito num dos textos: “Depois que a colheitadeira passa, um resto de algodão fica no chão. Organizados em fila, os desempregados são autorizados pelo proprietário da terra a juntar do chão esse ‘restolho’ para depois tentar vender por cerca de R$ 4 cada saco de 15 quilos”.(7)
Na antiguidade, os animais procuravam aproveitar as sobras das colheitas feitas pelos homens. No século 21, os homens lutam pelas sobras das colheitas feitas pelas máquinas. Esse é sem dúvida um “admirável mundo novo”.

Notas:

“Mecanização engorda fileira de sem-terra” - Folha de S. Paulo – 12/9/2004 - Pág. B8
“Vem aí o novo caipira” – Xico Graziano – Agro Exame - Setembro de 2004, Pág. 78
“Máquinas avançam e campo tende a ficar com menos empregados” - Folha de S. Paulo – 12/9/2004 – Pág. B8
“Mecanização engorda fileira...”
“Onde Estão os Empregos” – Revista VEJA, 17/12/2004, Pág. 180
“Máquinas avançam...”
“Prefeito em GO demite 2.000 trabalhadores” – Folha de S. Paulo – 12/9/2004 – Pág. B8

http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/

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