quinta-feira, agosto 24, 2006

Líbano refém da guerra, Europa refém dos EUA

Ao fim de três semanas de guerra passamos em revista a tragédia: um país refém de uma agressão criminosa que está para durar; uma segunda nação, a palestiniana, que continua a ser atacada, mas onde a cobertura passou para as notas de rodapé; uma Europa que, procurando distanciar-se dos EUA, uma vez mais é raptada pelos seus governos mais atlantistas; e uma tragédia humanitária sem precedentes na região. Tudo em nome de “um novo Médio Oriente” – o que se descobre no atoleiro iraquiano.
Ao fim de três semanas de guerra, eis a situação: Israel destrói e ocupa, mas o Hezbollah resiste muito para lá do que seria imaginável. É agora claro que o objectivo de guerra de Israel – o desarmamento da Resistência – não será atingido. E Olmert declara que o Tsahal parará as hostilidades mal a ONU coloque «uma força robusta» nas suas linhas. Isso é agora manifestamente impossível. O desejo anterior de Israel – uma força da Nato – morreu ainda na semana passada; o mesmo sucedeu com a hipótese de uma “força europeia” sem mandato da ONU. No Conselho de Segurança da ONU, França e EUA tentam a quadratura do círculo. Sem sucesso. Com efeito, a maioria dos governos europeus e os países árabes moderados perceberam a armadilha em que os EUA e Israel os querem colocar – fornecerem os homens e os caixões para uma «força robusta» com mandato para concluir os objectivos do Tsahal...
Quem de início alinhou com os EUA, condena agora o exército sionista. De facto, os apoios a Condolezza Rice, limitam-se a Blair, Angela Merkel e o governo polaco de extrema-direita. Esta “frente atlantista” é minoritária, mas está a conseguir reeditar um filme já gasto – a inoperância da União Europeia sempre que esta procura uma posição autónoma dos EUA em face dos conflitos no Médio Oriente. Em qualquer caso, as mudanças de posição são de monta. No Parlamento Europeu, a Conferência de presidentes dos grupos parlamentares melhora, de reunião para reunião, os seus compromissos. E no Conselho, a posição francesa, que é também a da presidência finlandesa, é maioritária: uma força multinacional que possa ser olhada pelos libaneses como um corpo de ocupação destinado a concluir a obra de Israel é, além de uma absoluta irresponsabilidade, um prémio ao agressor e uma punição do agredido.
Quanto ao Líbano, cerrou fileiras. Fala a uma só voz desde a fracassada Conferência de Roma.
Fouad Signiora, o primeiro-ministro, deu uma bofetada de dignidade à conselheira norte-americana na manhã em que se conheceu o massacre de Qana. Falharam – pelo menos para já – as tentativa de dividir o governo, isolando os partidos de base chiita. Ao contrário, as posições pró-americanas que se exprimiam no início do conflito em privado, são agora residuais no país dos cedros. Residuais, patéticas e criminosas.
Perante esta situação que corre o risco de se eternizar, agrava-se a situação dos deslocados, cujo contingente se alargou consideravelmente durante os primeiros dias desta semana e atinge 1 milhão de pessoas. Eles são a mais urgente razão para um cessar­‑fogo imediato. Que todos aceitam – menos quem vê nesta guerra o segundo momento do parto sangrento e doloroso do “novo Médio Oriente” prometido por Washington ao Mundo. O problema desta promessa é que ela se revela no atoleiro Iraquiano...
Miguel Portas
http://infoalternativa.org/moriente/mo058.htm

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