segunda-feira, agosto 28, 2006

A Likud Connection

Nenhum massacre desvia os Estados Unidos do seu alinhamento incondicional com os crimes de Israel. Pelo contrário, Bush insiste na recusa da condenação das matanças de civis e no bloqueio de qualquer resolução da ONU sobre o bombardeamento dos seus próprios funcionários.
Israel é o porta-aviões que nunca vai ao fundo, dizia um antigo secretário de Estado, Alexander Haig. Mas hoje é muito mais do que isso: o sionismo mais extremo é o cimento da elite republicana no poder em Washington. Esse compromisso é renovado por duas influências combinadas: a da tribo neoconservadora e a do fundamentalismo evangélico.

A SOMBRA NEOCONSERVADORA SOBRE O LÍBANO

Durante os difíceis tempos clintonianos, os neoconservadores procuraram novos aliados. No Médio-Oriente, a ponte com Israel, e em particular com a direita do Likud, era estratégica para o futuro. A 8 de Julho de 1996, o guru neoconservador Richard Perle foi a Telavive entregar a Benjamim Netanyahu, o então primeiro­‑ministro, um relatório que lhe tinha sido encomendado: “Uma Clara Ruptura: Nova Estratégia para Assegurar o Essencial”. Dois dias depois, Netanyahu discursou perante o Congresso norte-americano e retomou literalmente parte do texto.
A estratégia do relatório é simples e violenta. Começa por argumentar que o processo de negociações de paz com Arafat enfraqueceu Israel e criou uma «exaustão nacional». Em resposta, a negociação devia ser substituída pela força, para conter os palestinianos, e em toda a região, para enfrentar a ameaça árabe. O direito de assassinar dirigentes e ocupar territórios palestinianos, a anexação permanente de Gaza, a guerra contra o Iraque e a Síria, a cooperação com a Turquia e a Jordânia, tudo era tratado no texto sob a forma de um grande desenho estratégico para transformar o mapa do Médio-Oriente.
O relatório, contemporâneo do manifesto neoconservador “Projecto para um Novo Século Americano”, também foi escrito por uma equipa do American Entreprise Institute (AEI). Com Richard Perle, que já passara pela direcção do Jerusalem Post, estavam James Colbert, do Jewish Institute for National Security Affairs (JINSA), Douglas Feith, que chegaria com Bush a número três do Departamento da Defesa, e David Wurmser, hoje primeiro conselheiro do vice-presidente Dick Cheney para assuntos do Médio-Oriente. Antes de ser eleito, também Cheney estava nos quadros do JINSA – uma organização que conta nas suas actividades com o financiamento de colonatos nos territórios ocupados – assim como John Bolton, actual embaixador na ONU, com o perfil que se conhece na presente crise.
O compromisso dos neoconservadores com a direita do Likud foi ainda mais longe, e alguns deles dispuseram­‑se mesmo a ir trabalhar para Benjamin Netanyahu. Antes de se tornar porta-voz da Casa Branca durante os primeiros anos da ocupação do Iraque, Ari Fleischer era conselheiro eleitoral de Netanyahu. Douglas Feith foi também conselheiro de Netanyahu, embora se tenha afastado dele depois, considerando que mesmo a direita mais dura fazia cedências aos palestinianos. Já no Pentágono, Feith foi essencial na ligação a Ahmed Chalabi, iraquiano que passou de conferencista do JINSA a homem dos neoconservadores para o pós-Saddam. Soube­‑se depois que este foi o circuito de destilação das mentiras sobre armas de destruição massiva que precederam a invasão do Iraque. Como advogado, Feith partilhara escritório com Marc Zell, extremista do Likud e porta-voz de colonatos da Cisjordânia, escritório onde também marcou presença Salem Chalabi, sobrinho de Ahmed e presidente do tribunal especial para Saddam em Bagdade. O consulado de Feith como subsecretário da Defesa (2001-2005) terminou com investigações do FBI sobre o seu envolvimento na passagem de informações secretas sobre o Irão, do Pentágono para a embaixada israelita.
Mas os “Likudniks” da administração Bush não caíram todos em desgraça com a crise iraquiana. O melhor exemplo disso é Elliot Abrams, adjunto do Presidente e responsável pelo Médio Oriente no Conselho de Segurança Nacional (NSC). Abrams chegou a ser condenado por mentir ao Congresso no âmbito do processo Irão­‑Contras, mas foi indultado por Bush pai e recuperado por Bush filho. Nos anos 80, Israel era entreposto norte­‑americano para fornecimentos secretos de armas a Khomeini contra Saddam e aos Contras da Nicarágua – e Abrams, bem relacionado em Telavive, era homem para esse serviço. Extremista judeu, Abrams é um segregacionista, que defende a endogamia judia e escolas separadas: «Fora de Israel, não pode haver dúvidas de que os judeus devem manter-se à parte da nação onde vivem. A verdadeira natureza de ser judeu é estar à parte – excepto em Israel – do resto da população» (in Faith or Fear: How Jews Can Survive in a Christian America, New York: Free Press, 1999). Em 2000, Abrams lança-se contra as organizações judaicas norte­‑americanas que defendiam a continuação das negociações com a Autoridade Palestiniana e exigiam a interrupção dos ataques israelitas. Em 2002, chega ao Conselho de Segurança Nacional, onde se mantém até hoje. A sua nomeação está assinada pela então presidente do NSC... Condolezza Rice.

O SIONISMO DOS CRISTÃOS FUNDAMENTALISTAS

Igualmente incondicional no apoio à ala mais violenta do regime israelita é a chamada “Bible Belt”, a direita evangélica que constituiu a aliança mais importante da reeleição de Bush em plena crise iraquiana, com uma campanha centrada nos casamentos homossexuais, aborto e educação sexual. Já com o Líbano sob fogo, em finais de Julho, 3400 delegados reuniram-se no Texas para a apresentação dos Cristãos Unidos por Israel. A organização pretende ser um elemento de pressão institucional e de campanha pela intransigência expansionista de Israel. Estiveram presentes o embaixador israelita e Ken Mehlman, presidente do Partido Republicano. Bush e Olmert enviaram as suas saudações.
A história desta afinidade entre a direita cristã norte-americana e o extremismo israelita é a do crescimento do peso das correntes evangélicas apocalípticas: sondagens recentes apontam para que 20% a 25% dos cerca de 100 milhões de evangélicos norte-americanos são receptivos às teses do sionismo cristão, uma vez que se reconhecem na profecia do fim dos tempos e do Armagedão (Reagan fazia alusões frequentes à sua crença nestes anúncios). Para as correntes cristãs sionistas, o Estado de Israel ocupando toda a Palestina histórica é a concretização da profecia do Antigo Testamento e uma pré-condição divina para o retorno do Messias. A guerra torna­‑se dogma religioso. Estas doutrinas, que já contam mais de século e meio, ganharam relevância política na última década, graças à forte participação eleitoral dos conservadores evangélicos e à sua vinculação crescente aos neoconservadores. Os cristãos sionistas tiveram grande relevo na disputa da opinião pública norte­‑americana contra os acordos de Oslo e empenham-se no financiamento de novos colonatos, com o apoio à imigração de judeus de países de Leste. São visitas frequentes dos líderes israelitas, e sustentam em referências bíblicas o seu alinhamento com Sharon e Olmert.
De facto, seja pela mão do cinismo neoconservador – teorizado por Leo Strauss sobre o bom uso da religião pela elite esclarecida –, seja pelo peso próprio do fundamentalismo religioso, a globalização armada apresenta­‑se, como escreveu Bob Woodward em A Guerra de Bush, inserida «na grande visão de um plano de Deus». Ou, como reza a passagem bíblica citada pela família Cheney no seu cartão de Natal, «se um pardal não pode cair no chão sem que Ele saiba, será possível que um império possa emergir sem a Sua ajuda?».
Além da narrativa religiosa, nos EUA como em Israel, vive uma agenda precisa: um Médio-Oriente redesenhado, com centro militarizado em Telavive, Estados fracos e desestruturados em toda a região, e tutela imperial sobre as suas riquezas naturais. Para lá chegar, o choque de fundamentalismos é o mundo perfeito da “Likud connection”.

Jorge Costa
http://infoalternativa.org/moriente/mo059.htm

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