Entrevista com o vice‑primeiro‑ministro palestiniano
O doutor Naser Dine Muhammad Ahmad Sha’er ocupa a função de vice-primeiro‑ministro e ministro da Educação e do Ensino Superior no governo palestiniano formado pelo Hamas. Nascido em 1961, originário de Nablus, pai de seis crianças, este professor de Direito e de Legislação, reitor da Faculdade de Direito da Universidade Nacional de Al-Najah, perseguido por Israel, é hoje forçado a viver em clandestinidade. Pronuncia‑se aqui a respeito do que o Ocidente recusa ver: o Hamas está bastante bem inserido no tecido social e, perante a opressão israelita – tal como o Hezbollah no Líbano –, move-se na Palestina “como um peixe na água”.
SILVIA CATTORI: Os palestinianos votaram pelo Hamas num escrutínio que foi considerado como livre e autêntico pelos observadores internacionais. Contudo, o seu resultado não foi aceite pelos Estados Unidos e pela União Europeia que recusam ainda reconhecer a legitimidade do novo governo. Pior, a União Europeia subordinou a continuação da sua ajuda financeira ao seu afastamento. Foi assim que se viu, pela primeira vez na história, um povo sob ocupação sujeito a sanções internacionais por ter escolhido aqueles que o defendem. Como vão poder superar estes obstáculos e evitar a uma população já muito penalizada pela ocupação, mais sofrimentos?
NASER SHAER: Há um equívoco. Um incrível equívoco por parte do Ocidente, a nosso respeito, e a respeito do nosso governo. Convém recordar que dois terços dos ministros e dos deputados que aceitaram trabalhar com o governo formado pelo Hamas não são membros do Hamas. Este governo é composto de técnicos, professores, de homens e mulheres educados, diplomados em universidades ocidentais, e que são especialistas deste ou daquele domínio.
A que partido político pertence?
Nunca fiz política e não pertenço a nenhum partido.
Os palestinianos que encontro dia após dia não compreendem a punição que lhes infligem estes países que falam sempre dos direitos humanos e fazem tão pouco caso dos crimes que Israel comete. Para sair deste impasse não serão obrigados a formar outro governo?
Depois de ter ganho as eleições, o Hamas tinha três modos de formar um governo. O primeiro era formar um governo exclusivamente composto de membros do Hamas. O segundo era formar um governo com todos os partidos. O terceiro era formar um governo composto, em parte de membros do Hamas, e em parte de pessoas que não pertencem ao Hamas. O Hamas agiu de maneira pragmática. A escolha foi feita com base nas competências das pessoas e não com base na sua pertença ao Hamas. Temos cristãos no governo. O ministro do Plano, por exemplo, tinha trabalhado anteriormente neste domínio demonstrando reais competências. No que me diz respeito, como ministro da Educação, tenho quinze anos de experiência neste domínio. Isso significa que este governo, que foi qualificado sem razão de islâmico, inclui uma maioria de técnicos e de especialistas altamente qualificados. Os ministros que pertencem ao Hamas são uma minoria.
Quando Israel raptou metade do vosso governo no final de Junho de 2006, aqui na Cisjordânia, ou seja, oito ministros e quinze deputados, o seu nome não estava na lista?
Quiseram prender-me, mas não estava em casa na noite em que fizeram esta razia. É por isso que sou obrigado a tomar precauções para escapar à detenção da parte deles. Veja, desliguei o meu telefone. Nunca durmo no mesmo lugar; mudo cada noite. Espero agora, que a situação se torne mais fácil do que foi nestas últimas semanas.
O exército pode surgir de um momento para o outro?
Sim, é possível. É por isso que passo apenas alguns minutos no mesmo lugar e vou ter de deixá-la em breve.
É possível governar em tais condições?
É muito difícil. Mas apesar disso, continuamos a trabalhar. Os nossos empregados continuam a trabalhar nos ministérios. Quando o governo do Hamas foi formado, exceptuando os postos de direcção, não procedemos a nenhuma mudança de pessoal.
Não houve reticências por parte daqueles que, fiéis ao governo cessante, não aceitaram a chegada do Hamas?
Antes da detenção de uma parte do governo, havia algumas tensões entre palestinianos. Fizemos o nosso melhor para pôr termo às discórdias. Trabalhamos juntos, unimo-nos, ajudamo-nos uns aos outros. Estamos contentes, agora, de que não haja problemas sérios, mesmo se temos alguns desacordos sobre este ou aquele ponto. Mas, de modo geral, estamos de acordo, estamos prontos para trabalhar e a partilhar o poder com o presidente Abu Mazen. É necessário formar um novo governo. Mas não antes que os nossos ministros e deputados encarcerados em Israel sejam liberados.
Parece muito optimista…
Optimista, sim.
Através das suas sanções, Israel, os Estados Unidos e a União Europeia, não esconderam querer fazer cair o Hamas. Esperam que o povo, uma vez mergulhado na maior aflição, acabe por se revoltar contra vós. A estratégia deles pode resultar?
Já falharam. Não tiveram êxito em fazer o povo mudar de parecer. Razão pela qual, nestes últimos dias, autorizaram o pagamento de várias dezenas de milhões de dólares por um banco egípcio. Isso significa para nós que se encontram numa posição que é moralmente inaceitável e que deverão encontrar uma saída para pôr termo a estas sanções.
Como compreender que a União Europeia tenha chegado a alinhar-se com as posições de Israel e dos Estados Unidos e assimilado o governo palestiniano a uma entidade terrorista?
Devido à propaganda israelita que é muito preponderante no Ocidente. E também, talvez, porque os Estados Unidos e a União Europeia não querem ouvir a nossa voz, o nosso sofrimento. Como sabe, a maior parte de nós estudou e viveu cinco, dez, quinze anos na América e na Europa. Conhecemos a cultura ocidental. Eu próprio, estudei na Universidade de Manchester. Depois de ter obtido o doutoramento, fui para a Universidade de Nova Iorque. Conhecemos tudo do Ocidente. O problema não diz respeito às nossas pessoas, à nossa cultura, à nossa religião; o problema é que Israel não quer que este governo do Hamas tenha êxito. Israel quer que falhe. É por isso que Israel não cessa de dizer ao mundo que não tem interlocutores palestinianos com quem falar. Em primeiro lugar, tenho aqui a precisar que o nosso governo não fecha a porta, que todos são bem-vindos. Nós estamos abertos, prontos para entrar em contacto com todos os Estados e seus representantes. Nós mantemos a porta aberta, estamos prontos a estabelecer relações com qualquer governo no mundo. Em segundo lugar, quando as pessoas, do exterior, pensam que poderíamos falhar, após seis meses deste regime de sanções, podem constatar que o nosso povo continua connosco, ao nosso lado, embora não haja dinheiro, não haja salário, e o seu quotidiano se degrade.
Pode ir à rua e perguntar às pessoas o que pensam. Dir-lhe-ão que gostam efectivamente de nós, que têm necessidade que continuemos dignamente, e que têm necessidade que mantenhamos uma posição honrosa. Acredite em mim, se alguns soldados israelitas chegassem de repente com a intenção de me prender, veria imediatamente pessoas acorrer para me avisar para deixar este lugar. Num minuto estaria longe daqui, a salvo.
Quer dizer que a grande maioria das pessoas aqui não vai se distanciar do Hamas mesmo que o Ocidente persista na sua política de estrangulamento?
Sim. E porquê? Porque sabem que este governo que “o Ocidente” penaliza, trabalha no interesse dos palestinianos e não no interesse deste ou daquele grupo. É claro para eles que as autoridades que elegeram querem o seu bem, querem ter êxito, querem fazer tudo para aligeirar as suas dificuldades e fazer face à ocupação. É por isso que as pessoas gostam tanto de nós. É por isso que este governo não falhará. É por isso que os governos ocidentais procuram dividir-nos e fazer pressão através desta chantagem com o dinheiro.
O problema é que, a 27 de Dezembro de 2001, o Conselho de Ministros da União Europeia inscreveu o Hamas – Izz al-Din al-Qassem na sua lista das organizações terroristas; e depois, a 6 de Setembro de 2003, o próprio Hamas, respondendo assim à vontade de Israel e dos Estados Unidos. Se não há nenhuma esperança de que estes últimos reconsiderem a sua posição, pensa que a União Europeia acabará, ela, por rever a sua?
É o meu desejo. Os palestinianos têm necessidade de apoio em numerosos domínios e o ministério da Educação que dirijo é terrivelmente afectado por esta situação. A educação é de uma importância crucial para a nossa juventude brutalizada pela ocupação e não podemos deixar um vazio.
Estados como a Suíça, por exemplo, não inscreveram o movimento Hamas na lista dos “terroristas”. Não estão pois ligados a estas sanções. Podem eles, em parte, preencher este vazio?
Sim, podem-no; todos os Estados são bem-vindos. Estamos prontos a acolhê‑los.
Jornalista suíça.
Silvia Cattori
http://infoalternativa.org/moriente/mo066.htm
O doutor Naser Dine Muhammad Ahmad Sha’er ocupa a função de vice-primeiro‑ministro e ministro da Educação e do Ensino Superior no governo palestiniano formado pelo Hamas. Nascido em 1961, originário de Nablus, pai de seis crianças, este professor de Direito e de Legislação, reitor da Faculdade de Direito da Universidade Nacional de Al-Najah, perseguido por Israel, é hoje forçado a viver em clandestinidade. Pronuncia‑se aqui a respeito do que o Ocidente recusa ver: o Hamas está bastante bem inserido no tecido social e, perante a opressão israelita – tal como o Hezbollah no Líbano –, move-se na Palestina “como um peixe na água”.
SILVIA CATTORI: Os palestinianos votaram pelo Hamas num escrutínio que foi considerado como livre e autêntico pelos observadores internacionais. Contudo, o seu resultado não foi aceite pelos Estados Unidos e pela União Europeia que recusam ainda reconhecer a legitimidade do novo governo. Pior, a União Europeia subordinou a continuação da sua ajuda financeira ao seu afastamento. Foi assim que se viu, pela primeira vez na história, um povo sob ocupação sujeito a sanções internacionais por ter escolhido aqueles que o defendem. Como vão poder superar estes obstáculos e evitar a uma população já muito penalizada pela ocupação, mais sofrimentos?
NASER SHAER: Há um equívoco. Um incrível equívoco por parte do Ocidente, a nosso respeito, e a respeito do nosso governo. Convém recordar que dois terços dos ministros e dos deputados que aceitaram trabalhar com o governo formado pelo Hamas não são membros do Hamas. Este governo é composto de técnicos, professores, de homens e mulheres educados, diplomados em universidades ocidentais, e que são especialistas deste ou daquele domínio.
A que partido político pertence?
Nunca fiz política e não pertenço a nenhum partido.
Os palestinianos que encontro dia após dia não compreendem a punição que lhes infligem estes países que falam sempre dos direitos humanos e fazem tão pouco caso dos crimes que Israel comete. Para sair deste impasse não serão obrigados a formar outro governo?
Depois de ter ganho as eleições, o Hamas tinha três modos de formar um governo. O primeiro era formar um governo exclusivamente composto de membros do Hamas. O segundo era formar um governo com todos os partidos. O terceiro era formar um governo composto, em parte de membros do Hamas, e em parte de pessoas que não pertencem ao Hamas. O Hamas agiu de maneira pragmática. A escolha foi feita com base nas competências das pessoas e não com base na sua pertença ao Hamas. Temos cristãos no governo. O ministro do Plano, por exemplo, tinha trabalhado anteriormente neste domínio demonstrando reais competências. No que me diz respeito, como ministro da Educação, tenho quinze anos de experiência neste domínio. Isso significa que este governo, que foi qualificado sem razão de islâmico, inclui uma maioria de técnicos e de especialistas altamente qualificados. Os ministros que pertencem ao Hamas são uma minoria.
Quando Israel raptou metade do vosso governo no final de Junho de 2006, aqui na Cisjordânia, ou seja, oito ministros e quinze deputados, o seu nome não estava na lista?
Quiseram prender-me, mas não estava em casa na noite em que fizeram esta razia. É por isso que sou obrigado a tomar precauções para escapar à detenção da parte deles. Veja, desliguei o meu telefone. Nunca durmo no mesmo lugar; mudo cada noite. Espero agora, que a situação se torne mais fácil do que foi nestas últimas semanas.
O exército pode surgir de um momento para o outro?
Sim, é possível. É por isso que passo apenas alguns minutos no mesmo lugar e vou ter de deixá-la em breve.
É possível governar em tais condições?
É muito difícil. Mas apesar disso, continuamos a trabalhar. Os nossos empregados continuam a trabalhar nos ministérios. Quando o governo do Hamas foi formado, exceptuando os postos de direcção, não procedemos a nenhuma mudança de pessoal.
Não houve reticências por parte daqueles que, fiéis ao governo cessante, não aceitaram a chegada do Hamas?
Antes da detenção de uma parte do governo, havia algumas tensões entre palestinianos. Fizemos o nosso melhor para pôr termo às discórdias. Trabalhamos juntos, unimo-nos, ajudamo-nos uns aos outros. Estamos contentes, agora, de que não haja problemas sérios, mesmo se temos alguns desacordos sobre este ou aquele ponto. Mas, de modo geral, estamos de acordo, estamos prontos para trabalhar e a partilhar o poder com o presidente Abu Mazen. É necessário formar um novo governo. Mas não antes que os nossos ministros e deputados encarcerados em Israel sejam liberados.
Parece muito optimista…
Optimista, sim.
Através das suas sanções, Israel, os Estados Unidos e a União Europeia, não esconderam querer fazer cair o Hamas. Esperam que o povo, uma vez mergulhado na maior aflição, acabe por se revoltar contra vós. A estratégia deles pode resultar?
Já falharam. Não tiveram êxito em fazer o povo mudar de parecer. Razão pela qual, nestes últimos dias, autorizaram o pagamento de várias dezenas de milhões de dólares por um banco egípcio. Isso significa para nós que se encontram numa posição que é moralmente inaceitável e que deverão encontrar uma saída para pôr termo a estas sanções.
Como compreender que a União Europeia tenha chegado a alinhar-se com as posições de Israel e dos Estados Unidos e assimilado o governo palestiniano a uma entidade terrorista?
Devido à propaganda israelita que é muito preponderante no Ocidente. E também, talvez, porque os Estados Unidos e a União Europeia não querem ouvir a nossa voz, o nosso sofrimento. Como sabe, a maior parte de nós estudou e viveu cinco, dez, quinze anos na América e na Europa. Conhecemos a cultura ocidental. Eu próprio, estudei na Universidade de Manchester. Depois de ter obtido o doutoramento, fui para a Universidade de Nova Iorque. Conhecemos tudo do Ocidente. O problema não diz respeito às nossas pessoas, à nossa cultura, à nossa religião; o problema é que Israel não quer que este governo do Hamas tenha êxito. Israel quer que falhe. É por isso que Israel não cessa de dizer ao mundo que não tem interlocutores palestinianos com quem falar. Em primeiro lugar, tenho aqui a precisar que o nosso governo não fecha a porta, que todos são bem-vindos. Nós estamos abertos, prontos para entrar em contacto com todos os Estados e seus representantes. Nós mantemos a porta aberta, estamos prontos a estabelecer relações com qualquer governo no mundo. Em segundo lugar, quando as pessoas, do exterior, pensam que poderíamos falhar, após seis meses deste regime de sanções, podem constatar que o nosso povo continua connosco, ao nosso lado, embora não haja dinheiro, não haja salário, e o seu quotidiano se degrade.
Pode ir à rua e perguntar às pessoas o que pensam. Dir-lhe-ão que gostam efectivamente de nós, que têm necessidade que continuemos dignamente, e que têm necessidade que mantenhamos uma posição honrosa. Acredite em mim, se alguns soldados israelitas chegassem de repente com a intenção de me prender, veria imediatamente pessoas acorrer para me avisar para deixar este lugar. Num minuto estaria longe daqui, a salvo.
Quer dizer que a grande maioria das pessoas aqui não vai se distanciar do Hamas mesmo que o Ocidente persista na sua política de estrangulamento?
Sim. E porquê? Porque sabem que este governo que “o Ocidente” penaliza, trabalha no interesse dos palestinianos e não no interesse deste ou daquele grupo. É claro para eles que as autoridades que elegeram querem o seu bem, querem ter êxito, querem fazer tudo para aligeirar as suas dificuldades e fazer face à ocupação. É por isso que as pessoas gostam tanto de nós. É por isso que este governo não falhará. É por isso que os governos ocidentais procuram dividir-nos e fazer pressão através desta chantagem com o dinheiro.
O problema é que, a 27 de Dezembro de 2001, o Conselho de Ministros da União Europeia inscreveu o Hamas – Izz al-Din al-Qassem na sua lista das organizações terroristas; e depois, a 6 de Setembro de 2003, o próprio Hamas, respondendo assim à vontade de Israel e dos Estados Unidos. Se não há nenhuma esperança de que estes últimos reconsiderem a sua posição, pensa que a União Europeia acabará, ela, por rever a sua?
É o meu desejo. Os palestinianos têm necessidade de apoio em numerosos domínios e o ministério da Educação que dirijo é terrivelmente afectado por esta situação. A educação é de uma importância crucial para a nossa juventude brutalizada pela ocupação e não podemos deixar um vazio.
Estados como a Suíça, por exemplo, não inscreveram o movimento Hamas na lista dos “terroristas”. Não estão pois ligados a estas sanções. Podem eles, em parte, preencher este vazio?
Sim, podem-no; todos os Estados são bem-vindos. Estamos prontos a acolhê‑los.
Jornalista suíça.
Silvia Cattori
http://infoalternativa.org/moriente/mo066.htm
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