Ao contrário do que muitos acreditam, a apatia pós-moderna não se revela pela ausência de socialização. O homem e a mulher pós-modernos estão sujeitos ao campo vertiginoso dos possíveis. É uma nova forma de socialização. Uma socialização flexível, volátil e económica, necessária ao capitalismo pós-moderno enquanto sistema acelerado, mutável e sistemático. É a mudança permanente de referências que gera a apatia. É a abundância de estímulos e não a sua ausência que gera a incapacidade de planear o modo de vida. A nova apatia leva a que tudo se passe ao nível da experiência.
Note-se o que se passa nos diferentes modos de vida. Ninguém se refere a uma actividade duradoura. Todos trabalham em projectos, experiências, das quais não se espera que resultem acções duradouras. Tudo começa e acaba no projecto, na experiência. O resultado destas não é objectivado, quantificado, descrito. Tudo se resume à adjectivação. O projecto «foi muito giro». A experiência «muito interessante». A vida não se vive, consome-se.
«O narcisismo tornou-se um dos temas centrais da cultura americana» (1). Não só o individualismo extremo, mas a centração sobre si mesmo distraído dos outros, é um fenómeno em desenvolvimento desde os anos setenta. Para o homem e a mulher pós-modernos nada existe fora das suas pessoas, do seu espírito e do seu corpo. O narcisismo é um elemento inerente ao novo capitalismo. «O narcisismo designa [agora] a emergência de um perfil inédito do indivíduo nas suas relações consigo próprio e com o seu corpo, com outrém, com o mundo e com o tempo, no momento em que o capitalismo autoritário dá a vez a um capitalismo hedonista e permissivo» (2).
O desinteresse para com as instituições está marcado pelo narcisismo pós-moderno. No mundo ocidental a despolitização e a dessindicalização ganham proporções não atingidas nos dois últimos séculos. A esperança revolucionária morreu. A contestação seja estudantil seja dos assalariados, globalmente, desapareceu. Resta, de forma ténue, a dos que dependem das estruturas do Estado. De um Estado em destruição permanente. A noção de contracultura é agora uma noção estranha, desconhecida, em completo desuso. A cultura dominante, volátil, produzida para consumo imediato, domina de forma totalitária. Raras são as causas capazes de galvanizarem seja quem for a prazo. Restam alguns entusiasmos na condição de terem duração efémera.
«A pluralidade e a desagregação dos impulsos, a falta de sistematização entre eles, leva a uma vontade fraca; a coordenação dos impulsos sob o predomínio de um deles leva a uma vontade forte» (3). O papel atribuído à comunicação social, pelo poder dominante, é o de promover a desagregação dos impulsos, substituindo a informação pela espuma informativa, dando relevo ao efémero, ao sensacional, bombardeando os indivíduos com fait divers sepultando, desse modo, os factos relevantes da vida.
As comunidades são agora desertos sociais e culturais. «Cada macaco no seu galho», «cada coelho na sua toca», sob a ventania de uma imensa solidão. A República — a Praça da República — está desvitalizada, é um elemento estranho à sociedade de mercado, ao mundo dos negócios, do produz, compra e vende que domina, de forma totalitária, a sociedade ocidental. As grandes questões filosóficas, económicas, sociais, culturais ou políticas suscitam mais ou menos o mesmo entusiasmo, a mesma curiosidade que um fait divers.
A sociedade narcísica também se caracteriza pela perda de sentido histórico. Viver no presente, apenas no presente e não em função do passado e do futuro é uma característica do novo capitalismo. O neoliberalismo faz apelos permanentes à reforma perdendo, e negando, toda a perspectiva histórica. Contra tudo e contra todos contam os interesses dominantes do presente. Não há gente, princípios, ideologias, ideias, há negócios.
A sociedade de consumo terraplenou a vida. Todos os cumes foram desbastados pouco a pouco, arrasados pela vasta operação de neutralização e banalização sociais. O capitalismo pós-moderno não pode permitir que o ser humano se ocupe ou se distraia com outra coisa que não seja o consumo dos bens de curta duração que produz. O homem e a mulher pós-modernos estão inteiramente ao serviço do consumo e do lucro que dele resulta.
Desta vaga de apatia, só a vida privada parece sair ainda vitoriosa. Zelar pelo direito ao consumo das suas crianças. Zelar de forma obcecada pela saúde e pela conservação do corpo. Defender a situação material. Rodear-se de objectos. Perder os complexos. Aprender a comportar-se como deve ser. Emagrecer. Vestir-se. Ver as imagens televisivas. Esperar as férias e a reforma. Viver sem ideal e sem fins transcendentes é a vida possível. «É a vida».
http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=4231
Note-se o que se passa nos diferentes modos de vida. Ninguém se refere a uma actividade duradoura. Todos trabalham em projectos, experiências, das quais não se espera que resultem acções duradouras. Tudo começa e acaba no projecto, na experiência. O resultado destas não é objectivado, quantificado, descrito. Tudo se resume à adjectivação. O projecto «foi muito giro». A experiência «muito interessante». A vida não se vive, consome-se.
«O narcisismo tornou-se um dos temas centrais da cultura americana» (1). Não só o individualismo extremo, mas a centração sobre si mesmo distraído dos outros, é um fenómeno em desenvolvimento desde os anos setenta. Para o homem e a mulher pós-modernos nada existe fora das suas pessoas, do seu espírito e do seu corpo. O narcisismo é um elemento inerente ao novo capitalismo. «O narcisismo designa [agora] a emergência de um perfil inédito do indivíduo nas suas relações consigo próprio e com o seu corpo, com outrém, com o mundo e com o tempo, no momento em que o capitalismo autoritário dá a vez a um capitalismo hedonista e permissivo» (2).
O desinteresse para com as instituições está marcado pelo narcisismo pós-moderno. No mundo ocidental a despolitização e a dessindicalização ganham proporções não atingidas nos dois últimos séculos. A esperança revolucionária morreu. A contestação seja estudantil seja dos assalariados, globalmente, desapareceu. Resta, de forma ténue, a dos que dependem das estruturas do Estado. De um Estado em destruição permanente. A noção de contracultura é agora uma noção estranha, desconhecida, em completo desuso. A cultura dominante, volátil, produzida para consumo imediato, domina de forma totalitária. Raras são as causas capazes de galvanizarem seja quem for a prazo. Restam alguns entusiasmos na condição de terem duração efémera.
«A pluralidade e a desagregação dos impulsos, a falta de sistematização entre eles, leva a uma vontade fraca; a coordenação dos impulsos sob o predomínio de um deles leva a uma vontade forte» (3). O papel atribuído à comunicação social, pelo poder dominante, é o de promover a desagregação dos impulsos, substituindo a informação pela espuma informativa, dando relevo ao efémero, ao sensacional, bombardeando os indivíduos com fait divers sepultando, desse modo, os factos relevantes da vida.
As comunidades são agora desertos sociais e culturais. «Cada macaco no seu galho», «cada coelho na sua toca», sob a ventania de uma imensa solidão. A República — a Praça da República — está desvitalizada, é um elemento estranho à sociedade de mercado, ao mundo dos negócios, do produz, compra e vende que domina, de forma totalitária, a sociedade ocidental. As grandes questões filosóficas, económicas, sociais, culturais ou políticas suscitam mais ou menos o mesmo entusiasmo, a mesma curiosidade que um fait divers.
A sociedade narcísica também se caracteriza pela perda de sentido histórico. Viver no presente, apenas no presente e não em função do passado e do futuro é uma característica do novo capitalismo. O neoliberalismo faz apelos permanentes à reforma perdendo, e negando, toda a perspectiva histórica. Contra tudo e contra todos contam os interesses dominantes do presente. Não há gente, princípios, ideologias, ideias, há negócios.
A sociedade de consumo terraplenou a vida. Todos os cumes foram desbastados pouco a pouco, arrasados pela vasta operação de neutralização e banalização sociais. O capitalismo pós-moderno não pode permitir que o ser humano se ocupe ou se distraia com outra coisa que não seja o consumo dos bens de curta duração que produz. O homem e a mulher pós-modernos estão inteiramente ao serviço do consumo e do lucro que dele resulta.
Desta vaga de apatia, só a vida privada parece sair ainda vitoriosa. Zelar pelo direito ao consumo das suas crianças. Zelar de forma obcecada pela saúde e pela conservação do corpo. Defender a situação material. Rodear-se de objectos. Perder os complexos. Aprender a comportar-se como deve ser. Emagrecer. Vestir-se. Ver as imagens televisivas. Esperar as férias e a reforma. Viver sem ideal e sem fins transcendentes é a vida possível. «É a vida».
http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=4231
Sem comentários:
Enviar um comentário