Apesar de ser universalmente acusado de ser o responsável pelo desemprego, talvez o projeto neoliberal não esteja funcionando exatamente por causa da queda de renda, provocada pelas tecnologias substitutivas de mão-de-obra.
O modelo de Keynes.
Nos anos setenta o keynesianismo entrou em uma crise irreversível. O motivo foi essencialmente a sua incapacidade de conter a inflação. Vamos tentar entender porque isso aconteceu.. Considera-se que a inflação se deve ao excesso de demanda em relação à oferta de bens e serviços. Dentro do “formulário” preconizado por Keynes portanto, para conter a inflação, é preciso reduzir a demanda mediante corte de despesa pública, aumento de arrecadação fiscal e contenção da oferta monetária.
De forma um tanto quanto simplificada, significa mais ou menos fazer o contrário do que o “formulário” estabelecia como modo de tirar a economia da depressão. O governo deveria deliberadamente, provocar uma recessão “controlada”. Reduzindo-se a atividade econômica, os salários caem, a demanda também e portanto pela lógica, os preços terão de cair. Tudo voltaria a uma situação de equilíbrio. Mas isso não aconteceu.
Ao ser aplicada a receita, notou-se que o que ocorria era uma “estagflação”. A ação do governo levava a economia à depressão, mas os preços e salários simplesmente não caiam. O motivo básico era que com o longo período de dirigismo, a economia se tornou mais ou menos indiferente a tradicional “luta de classes” entre empresários e trabalhadores.
A reação do empresário à redução da atividade econômica, não era mais demitir ou forçar a queda dos salários. Era simplesmente manter os preços e repassar os custos ao consumidor. O trabalhador, mesmo quando demitido, não ficava mais na miséria, o estado de bem-estar-social lhe garantia um padrão de vida razoável, mesmo sem trabalhar.
Criava-se um círculo vicioso. Os trabalhadores exigiam aumentos, mesmo com a economia em recessão, sob a alegação de que havia um aumento do “custo de vida” e os empresários aumentavam seus preços alegando aumento de custos e redução do volume de vendas. Todos culpavam o governo e exigiam dele uma solução.
No Brasil esse processo ficou um tanto mascarado pela “correção monetária” e pela “indexação” generalizada da economia. Mas o princípio era o mesmo.
O Projeto Neoliberal.
Diante da impotência dos governos em conter as espirais inflacionárias, ficou claro que outro modelo tinha de ser buscado. A inflação só cairia se os preços ou os salários caíssem. Controlar os preços se mostrou inviável, e portanto, era preciso reduzir os salários. Para isso seria necessário restabelecer um grau razoável de desemprego combinado a redução das garantias do estado de bem–estar-social. Só assim, os trabalhadores aceitariam perder seus privilégios.
Em resumo, o impasse “preços x salários” deveria ser quebrado pelo lado mais fraco.
O projeto encontrava obstáculos óbvios nas democracias ocidentais. Até o advento da eleição da dupla Thatcher e Reagan, na Inglaterra e nos EUA. Como sabemos, as políticas adotadas a partir daí, de fato conseguiram controlar a inflação.
Mas o pressuposto básico era que uma vez controlados os preços, obtida a estabilidade, os níveis de emprego logo voltariam ao normal. Isso porque para os teóricos neoliberais, o desemprego resulta de opções individuais dos trabalhadores, e portanto é essencialmente “voluntário”. Se quiser trabalhar, qualquer pessoa normal só tem de aceitar as condições reais do mercado de trabalho.
Nesse caso, após um recuo relativamente curto em seu padrão de vida, todos poderiam voltar a gozar da prosperidade geral, resultante do crescimento econômico que todos concordavam que logo viria. Mas de novo algo deu errado.
O desemprego que não é voluntário.
Notou-se que se o programa neoliberal podia estabilizar a economia, simplesmente não consegue promover o crescimento econômico. Por que isso ocorre? Devido a um novo fator não previsto: O desemprego tecnológico.
Recapitulando um pouco, vamos ver que a crítica fundamental dos neoliberais as posturas dos governos social-democratas, era a de que não se podia ter aumento de salário sem aumento de “produtividade”. Mantendo-se as margens de lucro, isso é uma verdade inquestionável.
Só que ao fazer a balança pender decisivamente para o lado dos empresários, por via institucional e política, abriu-se para eles a possibilidade de utilizar a vontade, as novas tecnologias de automação, informática e telecomunicações. Essas são tecnologias substitutivas de mão-de-obra em larga escala.
Nesse caso, os aumentos de produtividade não serviram para estabelecer uma renda “sustentável” para os trabalhadores, e sim tão somente para gerar lucros espantosos para as corporações e seus executivos e acionistas. A maior produtividade foi obtida pela exclusão do trabalhador. Tornando o desemprego “involuntário”. Não era essa a idéia.
A concentração de renda e a precarização do mercado de trabalho, tiveram um efeito inesperado. Se antes os preços cresciam por conta de mecanismos automáticos de reajustes de salários e vice-versa, agora os preços ficam inibidos pela falta crescente de demanda. Um ambiente totalmente negativo para os negócios.
O trabalhador sindicalizado e protegido por leis generosas era o “sócio” natural do grande capital enquanto consumidor. A espiral “preços x salários” na prática interessava também aos empregadores.
Com a entrada em cena do desemprego causado pelas novas tecnologias, o mercado de trabalho vem entrando em colapso. O número de trabalhadores “normais” vem decaindo por toda à parte. Surge em seu lugar uma nova classe de pessoas que vivem na insegurança do trabalho informal e/ou precário.
Longe do cenário esperado pelos neoliberais, em que os trabalhadores iriam simplesmente negociar “voluntariamente” seu reemprego em “bases razoáveis”, surgiu o trabalhador “excluído”. Seja devido à dificuldade de adaptação, seja por que sua função simplesmente desapareceu.
Embora os índices de emprego não tenham tido quedas dramáticas, o “novo trabalhador” é essencialmente o que trabalha em meio período, por projetos, como autônomos ou em negócios do tipo “eu S/A”. Estudos como “A armadilha da qualidade do emprego na América”, desenham um quadro sombrio.
Estatísticas pelo mundo afora apontam para fatos estranhos como “recuperações sem emprego”. Nesse caso a economia cresce mas os empregos não. Em quase toas às economias a renda do trabalho cai, mesmo com a economia em crescimento. Isso vale para EUA, Japão, Europa e países periféricos como o Brasil.
Esse trabalhador da “nova era” do capitalismo, está muito longe de viver as certezas e esperanças de seus pais. Ele vem adotando uma série de posturas que levam a tudo, menos ao alegre consumo despreocupado, típico dos “anos de ouro” das décadas de 50 a 80 do século passado.
Isso leva a um perfil de consumo completamente diferente. Velhos hábitos de poupança, parcimônia e decisões baseadas no puro medo da miséria, voltaram a moda. As grandes redes varejistas como Wal-Mart, já vem registrando essas tendências (e as quedas nas vendas).
A explosão da “bolha” das empresas “ponto-com” se deveu em grande parte ao fracasso das projeções de crescimento da Internet. Grandes investidores no mercado de telefonia fixa e celular, televisão a cabo e por satélite, transportes aéreos e turismo, viram suas previsões de crescimento do consumo desabarem.
Grandes redes de telecomunicações, jornais e revistas impressos, vêm às verbas publicitárias minguarem de forma incessante. Há consenso sobre a “crise da classe média”, no mundo todo. Antes era o alvo preferencial dos negócios mais atraentes e de maior rentabilidade.
Os cortes de impostos e as privatizações só agravaram o quadro, as burocracias governamentais e os complexos industrial-militares se mostraram praticamente imunes a “reestruturação” dos Estados. Em muitos países (Brasil, por exemplo) os cortes se deram nos investimentos em infra-estrutura essencial, comprometendo os próprios projetos de desenvolvimento neoliberal.
Trabalhadores dos EUA e suas famílias, convivem hoje com dramas de saúde publica que lembram bastante o dos “segurados” do SUS no Brasil.O “estado mínimo” se tornou realidade apenas para os pobres e para os desempregados.
O projeto neoliberal acabou por desencadear um conjunto de forças com as quais a sua divindade suprema, o mercado, simplesmente não pode lidar. Sem dúvida uma ironia.
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/
O modelo de Keynes.
Nos anos setenta o keynesianismo entrou em uma crise irreversível. O motivo foi essencialmente a sua incapacidade de conter a inflação. Vamos tentar entender porque isso aconteceu.. Considera-se que a inflação se deve ao excesso de demanda em relação à oferta de bens e serviços. Dentro do “formulário” preconizado por Keynes portanto, para conter a inflação, é preciso reduzir a demanda mediante corte de despesa pública, aumento de arrecadação fiscal e contenção da oferta monetária.
De forma um tanto quanto simplificada, significa mais ou menos fazer o contrário do que o “formulário” estabelecia como modo de tirar a economia da depressão. O governo deveria deliberadamente, provocar uma recessão “controlada”. Reduzindo-se a atividade econômica, os salários caem, a demanda também e portanto pela lógica, os preços terão de cair. Tudo voltaria a uma situação de equilíbrio. Mas isso não aconteceu.
Ao ser aplicada a receita, notou-se que o que ocorria era uma “estagflação”. A ação do governo levava a economia à depressão, mas os preços e salários simplesmente não caiam. O motivo básico era que com o longo período de dirigismo, a economia se tornou mais ou menos indiferente a tradicional “luta de classes” entre empresários e trabalhadores.
A reação do empresário à redução da atividade econômica, não era mais demitir ou forçar a queda dos salários. Era simplesmente manter os preços e repassar os custos ao consumidor. O trabalhador, mesmo quando demitido, não ficava mais na miséria, o estado de bem-estar-social lhe garantia um padrão de vida razoável, mesmo sem trabalhar.
Criava-se um círculo vicioso. Os trabalhadores exigiam aumentos, mesmo com a economia em recessão, sob a alegação de que havia um aumento do “custo de vida” e os empresários aumentavam seus preços alegando aumento de custos e redução do volume de vendas. Todos culpavam o governo e exigiam dele uma solução.
No Brasil esse processo ficou um tanto mascarado pela “correção monetária” e pela “indexação” generalizada da economia. Mas o princípio era o mesmo.
O Projeto Neoliberal.
Diante da impotência dos governos em conter as espirais inflacionárias, ficou claro que outro modelo tinha de ser buscado. A inflação só cairia se os preços ou os salários caíssem. Controlar os preços se mostrou inviável, e portanto, era preciso reduzir os salários. Para isso seria necessário restabelecer um grau razoável de desemprego combinado a redução das garantias do estado de bem–estar-social. Só assim, os trabalhadores aceitariam perder seus privilégios.
Em resumo, o impasse “preços x salários” deveria ser quebrado pelo lado mais fraco.
O projeto encontrava obstáculos óbvios nas democracias ocidentais. Até o advento da eleição da dupla Thatcher e Reagan, na Inglaterra e nos EUA. Como sabemos, as políticas adotadas a partir daí, de fato conseguiram controlar a inflação.
Mas o pressuposto básico era que uma vez controlados os preços, obtida a estabilidade, os níveis de emprego logo voltariam ao normal. Isso porque para os teóricos neoliberais, o desemprego resulta de opções individuais dos trabalhadores, e portanto é essencialmente “voluntário”. Se quiser trabalhar, qualquer pessoa normal só tem de aceitar as condições reais do mercado de trabalho.
Nesse caso, após um recuo relativamente curto em seu padrão de vida, todos poderiam voltar a gozar da prosperidade geral, resultante do crescimento econômico que todos concordavam que logo viria. Mas de novo algo deu errado.
O desemprego que não é voluntário.
Notou-se que se o programa neoliberal podia estabilizar a economia, simplesmente não consegue promover o crescimento econômico. Por que isso ocorre? Devido a um novo fator não previsto: O desemprego tecnológico.
Recapitulando um pouco, vamos ver que a crítica fundamental dos neoliberais as posturas dos governos social-democratas, era a de que não se podia ter aumento de salário sem aumento de “produtividade”. Mantendo-se as margens de lucro, isso é uma verdade inquestionável.
Só que ao fazer a balança pender decisivamente para o lado dos empresários, por via institucional e política, abriu-se para eles a possibilidade de utilizar a vontade, as novas tecnologias de automação, informática e telecomunicações. Essas são tecnologias substitutivas de mão-de-obra em larga escala.
Nesse caso, os aumentos de produtividade não serviram para estabelecer uma renda “sustentável” para os trabalhadores, e sim tão somente para gerar lucros espantosos para as corporações e seus executivos e acionistas. A maior produtividade foi obtida pela exclusão do trabalhador. Tornando o desemprego “involuntário”. Não era essa a idéia.
A concentração de renda e a precarização do mercado de trabalho, tiveram um efeito inesperado. Se antes os preços cresciam por conta de mecanismos automáticos de reajustes de salários e vice-versa, agora os preços ficam inibidos pela falta crescente de demanda. Um ambiente totalmente negativo para os negócios.
O trabalhador sindicalizado e protegido por leis generosas era o “sócio” natural do grande capital enquanto consumidor. A espiral “preços x salários” na prática interessava também aos empregadores.
Com a entrada em cena do desemprego causado pelas novas tecnologias, o mercado de trabalho vem entrando em colapso. O número de trabalhadores “normais” vem decaindo por toda à parte. Surge em seu lugar uma nova classe de pessoas que vivem na insegurança do trabalho informal e/ou precário.
Longe do cenário esperado pelos neoliberais, em que os trabalhadores iriam simplesmente negociar “voluntariamente” seu reemprego em “bases razoáveis”, surgiu o trabalhador “excluído”. Seja devido à dificuldade de adaptação, seja por que sua função simplesmente desapareceu.
Embora os índices de emprego não tenham tido quedas dramáticas, o “novo trabalhador” é essencialmente o que trabalha em meio período, por projetos, como autônomos ou em negócios do tipo “eu S/A”. Estudos como “A armadilha da qualidade do emprego na América”, desenham um quadro sombrio.
Estatísticas pelo mundo afora apontam para fatos estranhos como “recuperações sem emprego”. Nesse caso a economia cresce mas os empregos não. Em quase toas às economias a renda do trabalho cai, mesmo com a economia em crescimento. Isso vale para EUA, Japão, Europa e países periféricos como o Brasil.
Esse trabalhador da “nova era” do capitalismo, está muito longe de viver as certezas e esperanças de seus pais. Ele vem adotando uma série de posturas que levam a tudo, menos ao alegre consumo despreocupado, típico dos “anos de ouro” das décadas de 50 a 80 do século passado.
Isso leva a um perfil de consumo completamente diferente. Velhos hábitos de poupança, parcimônia e decisões baseadas no puro medo da miséria, voltaram a moda. As grandes redes varejistas como Wal-Mart, já vem registrando essas tendências (e as quedas nas vendas).
A explosão da “bolha” das empresas “ponto-com” se deveu em grande parte ao fracasso das projeções de crescimento da Internet. Grandes investidores no mercado de telefonia fixa e celular, televisão a cabo e por satélite, transportes aéreos e turismo, viram suas previsões de crescimento do consumo desabarem.
Grandes redes de telecomunicações, jornais e revistas impressos, vêm às verbas publicitárias minguarem de forma incessante. Há consenso sobre a “crise da classe média”, no mundo todo. Antes era o alvo preferencial dos negócios mais atraentes e de maior rentabilidade.
Os cortes de impostos e as privatizações só agravaram o quadro, as burocracias governamentais e os complexos industrial-militares se mostraram praticamente imunes a “reestruturação” dos Estados. Em muitos países (Brasil, por exemplo) os cortes se deram nos investimentos em infra-estrutura essencial, comprometendo os próprios projetos de desenvolvimento neoliberal.
Trabalhadores dos EUA e suas famílias, convivem hoje com dramas de saúde publica que lembram bastante o dos “segurados” do SUS no Brasil.O “estado mínimo” se tornou realidade apenas para os pobres e para os desempregados.
O projeto neoliberal acabou por desencadear um conjunto de forças com as quais a sua divindade suprema, o mercado, simplesmente não pode lidar. Sem dúvida uma ironia.
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