sábado, agosto 19, 2006

Uma força liderada pela NATO seria do interesse de Israel, não do Líbano

Como é que George Bush e Lord Blair de Kut al­‑Amara – após os seus inevitáveis desastres no Afeganistão e no Iraque – acreditam que uma força liderada pela NATO vai sobreviver na fronteira sul do Líbano? Os israelitas obviamente desfrutarão vendo a sua mobilização – será o momento de o Ocidente arcar com as baixas – mas o Hezbollah provavelmente verá a sua chegada como aliada do exército israelita. É suposta ser, no final de contas, uma força de interposição para proteger Israel – não, como rapidamente notaram os libaneses, para proteger o Líbano – e o último exército da NATO que veio a este país foi literalmente voado para fora [blasted out] da sua missão por bombistas suicidas.
Com que ligeireza os governos estadunidense e britânico apagaram a narrativa da antiga Força Multinacional – a FMN – que chegou a Beirute para escoltar os guerrilheiros palestinianos para fora do Líbano, em Agosto de 1982, e depois, após o massacre de 1700 guerrilheiros palestinianos nos campos de Sabra e Chatila às mãos da milícia libanesa aliada de Israel, regressaram para proteger os sobreviventes e estender a soberania do governo libanês.
Soa isso familiar? E também vieram para treinar o exército libanês – uma das missões impingidas ao novo exército de Bush-Blair – e fracassaram. Feitos explodir por bombistas suicidas no seu quartel em Beirute com a perda de 241 vidas norte­‑americanas, os marines estadunidenses retiraram-se do terreno, escavando túneis sob o aeroporto de Beirute.
E aí viveram até que o exército libanês recentemente treinado se desfez em Fevereiro de 1984 – ponto em que o presidente Ronald Reagan decidiu “redistribuir” as suas tropas no exterior. Como muitas outras retiradas históricas – a retirada de Napoleão de Moscovo, por exemplo, ou a última retirada de Custer – representava um desastre nacional, um golpe colossal para o prestígio dos EUA na região e uma advertência de que tais aventuras libanesas sempre terminam em lágrimas. O contingente militar francês foi-se embora pouco depois. O mesmo fizeram os italianos. Uma companhia de tropas britânica foi a primeira a escapulir­‑se.
Assim, como é possível alguém acreditar que o próximo exército estrangeiro que chegue à picadora de carne libanesa vai ser mais bem sucedido? É verdade, a FMN não estava apoiada por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. Mas desde quando foi o Hezbollah susceptível à ONU? Já reprovaram em se desarmar – como lhes era requerido pela resolução 1559 da ONU – e um dos exércitos guerrilheiros mais fortes do mundo não vai entregar as suas armas a generais da NATO. Mas a maioria da força será muçulmana, dizem-nos. Isto pode ser verdade, e os turcos já concordam imprudentemente em participar. Mas vão os libaneses aceitar os descendentes do odiado império otomano? O sul xiita do Líbano aceitará soldados muçulmanos sunitas?
De facto, como é que as pessoas do sul do Líbano não foram consultadas sobre o exército que é suposto viver nas suas terras? Porque, evidentemente, não vem por elas. Virá porque os israelitas e os estadunidenses o querem ali para ajudar a redesenhar o Médio Oriente. Isto, sem dúvida, faz sentido em Washington – onde o auto­‑engano governa a diplomacia quase tanto como em Israel – mas os sonhos dos Estados Unidos habitualmente transformam-se nos pesadelos do Médio Oriente.
E desta vez, veremos a desintegração de um exército liderado pela NATO de perto. O sudoeste do Afeganistão e o Iraque são agora tão perigosos que nenhum jornalista pode testemunhar a carnificina que está a ser perpetrada como resultado dos nossos irremediáveis projectos. Mas, no Líbano, será uma cobertura em tempo real de um desastre que só pode ser evitado pelo único passo diplomático que os senhores Bush e Blair se recusam a dar: falar com Damasco.
Assim, quando este último exército estrangeiro chegar, contem os dias – ou as horas – para o primeiro ataque contra ele. Então escutaremos uma vez mais que estamos a lutar contra o mal, que “eles” – o Hezbollah ou os guerrilheiros palestinianos, ou quem quer que esteja a planear destruir “o nosso” exército – odeiam os nossos valores; e depois, é claro, dir-nos-ão que tudo isto é parte da “guerra contra o terror” – o disparate que Israel tem vindo a vender. E depois talvez nos lembremos do que George Bush pai disse depois de os aliados do Hezbollah terem atacado com bombistas suicidas os marines em 1982, que a política estadunidense não seria mudada por um bando de «insidiosos covardes terroristas».
E todos nós sabemos o que aconteceu então. Ou esquecemo-lo? (...)

Robert Fisk
http://infoalternativa.org/autores/fisk/fisk092.htm

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