Voltamos a questão que mais nos perturba: A inserção de uma nação aos padrões da globalização estaria necessariamente condicionada a eliminação das suas leis e garantias trabalhistas?
Vimos que uma questão essencial na discussão sobre os rumos do processo de globalização da economia mundial é definir se a “inserção” de uma nação no mercado global implica necessariamente na destruição de seu Estado de bem-estar social, quando ele existir.
Também analisamos a contradição insolúvel para as classes políticas, independentemente de seu matiz ideológico aparente, ao ser obrigada a exigir das classes trabalhadoras todo tipo de renuncia e sacrifício, ao mesmo tempo em que cria inúmeras facilidades para as classes patronais, de modo a tornar o país “atrativo” ao capital global.
Vamos examinar melhor essa contradição. Como vimos, a “globalização” que está em discussão a partir dos anos 1980, é muito diferente da alegada globalização que teria sempre existido, até mesmo na época do império romano. A diferença é essencialmente tecnológica.
O problema em entender isso, está no arraigado preconceito de acadêmicos e especialistas em geral, em admitir que as novas tecnologias têm impactos muito profundos nas sociedades modernas. Elas não trazem apenas aumento de produtividade e conforto. Trazem também desemprego, precarização do trabalho e queda contínua na renda dos trabalhadores.
O segundo “efeito colateral” das novas tecnologias é a perda da “soberania nacional” tão cara aos políticos de todo o espectro ideológico. O declínio do poder dos governos eleitos em definir seus projetos nacionais, principalmente em relação ao mercado financeiro (o que mais sedo se beneficiou das transações on-line), apesar de visível em toda à parte, parece passar completamente desapercebido para a maioria das pessoas.
Para mim, que sou profissional de informática a mais de 20 anos, sempre foi um tanto espantoso o fato de que esses efeitos jamais tenham sido discutidos fora dos meios académicos mais teóricos e abstractos.
Enquanto se discute, com um fervor literalmente religioso, o problema dos organismos geneticamente modificados, do uso de células tronco, da conveniência das usinas nucleares, do aquecimento global e outros problemas do gênero, o impacto das novas tecnologias de informática e telecomunicações parece ser visto como tendo apenas o lado positivo.
Parece que se tornou um dogma o fato de que vivemos apenas uma “terceira revolução industrial”. Todo mundo sabe que nas duas primeiras (a primeira sendo a do vapor e a segunda a da eletricidade e do petróleo), os empregos que desapareciam em um setor arcaico, reapareciam imediatamente em outro, mais moderno.
A “extrapolação” desse raciocínio para a realidade atual, parece tão fora de discussão como a Bíblia ou o Alcorão, para os fundamentalistas religiosos. Além disso, criticar a tecnologia seria uma opinião necessariamente retrógrada, coisa dos seguidores malucos de “Ned Ludd”, os “destruidores de máquinas”. Pessoas que fazem parte da “modernidade” devem ver apenas vantagens nas conquistas tecnológicas, principalmente aquelas que favorecem a operação e a expansão do mercado para as grandes corporações globais.
Uma das “verdades estabelecidas” sobre esse assunto, era que em conseqüência das inovações tecnológicas, às antigas industrias “de chaminé”, iriam necessariamente se mudar para os países “em desenvolvimento”, o que só faria elevar o padrão de vida de suas populações miseráveis.
Para as populações do primeiro mundo, e dos “bolsões” de modernidade no terceiro (com São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, etc), surgiria uma “nova economia”, toda baseada no “conhecimento”. Em outras palavras: As fábricas “sujas” iriam para os pobres, enquanto um novo e gigantesco setor de serviços forneceria “milhões” de empregos, altamente especializados, e com tarefas extremamente “criativas” e “motivadoras”, para os felizes trabalhadores dos países ricos.
Isso sempre me causou uma certa sensação do tipo “algo está errado”. Entre outras coisas, porque trabalhei em um grande banco, e acompanhei o brutal “encolhimento” de seu quadro de funcionários na medida exata em que a automação avançava. Além disso, trabalhei em estreita cooperação com uma empresa que desenvolvia software e hardware para o comércio varejista. O orgulho da empresa era dizer que seus terminais de pontos de vendas poderiam ser operados “até por um débil mental”.
Para mim sempre foi evidente que as redes de computadores, a mediada que ficavam “mais inteligentes”, exigiam não só cada vez menos mão-de-obra, como podiam se valer de funcionários cada vez menos especializados. A acelerada proliferação de “estagiários” e empregados “terceirizados” nas grandes empresas, confirmava a minha opinião.
Alem disso, recentemente, iniciou-se o “outsourcing”, para os países pobres, de vários empregos especializados, como os da área de software, de análise financeira, química fina, diagnósticos médicos por imagem, biotecnologia, etc. Pelos pressupostos “economicamente corretos”, isso não iria acontecer.
É por isso que para mim a situação da França parece perfeitamente compreensível. Como em quase todos os países desenvolvidos, suas fábricas “sujas” e seus escritórios “aborrecidos”, já se mudaram ou estão em vias de se mudar para a China, Índia, México, Brasil, Filipinas ou para os inúmeros países do Leste Europeu, recém saídos do desastre do “comunismo”.
Só que os “milhões” de empregos que seriam criados, no setor de serviços e de alta tecnologia, pela sagrada “mão invisível” do não menos sagrado “mercado”, insistem em não aparecer. A nova fé pregada pelos “fundamentalistas de mercado” tem falhado estrondosamente nesse ponto. Milhões de jovens, com nível universitário e até doutoramento, estão simplesmente desempregados.
Pessoas como Milton Friedman e Francis Fukuyama, sumos-sacerdotes da nova “religião”, já fazem seu “mea culpa”. O primeiro confessando que “as instituições importam” e o segundo escrevendo livros sobre como “construir Estados”, no lugar dos “Estados fracos”, falidos pela globalização neoliberal.
O governo francês, portanto, tem poucas chances de resolver o que quer que seja. É óbvio que a simples possibilidade de poder demitir funcionários com mais facilidade, dificilmente estimulará algum empresário a contratar mão-de-obra desnecessária.
A lei do CPE apenas facilitará uma velha e conhecida prática empresarial: O uso da “rotatividade” da mão-de-obra para reduzir salários. Essa definitivamente não é a resposta para criar o prometido paraíso da “Era da Informação”.
Não se pode resolver por leis e decretos uma questão tão intimamente ligada a uma mudança radical de paradigmas tecnológicos. Isso lembra bastante às tentativas de “revogar a lei da gravidade”, muito presente no folclore político do interior do Brasil...
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/
Vimos que uma questão essencial na discussão sobre os rumos do processo de globalização da economia mundial é definir se a “inserção” de uma nação no mercado global implica necessariamente na destruição de seu Estado de bem-estar social, quando ele existir.
Também analisamos a contradição insolúvel para as classes políticas, independentemente de seu matiz ideológico aparente, ao ser obrigada a exigir das classes trabalhadoras todo tipo de renuncia e sacrifício, ao mesmo tempo em que cria inúmeras facilidades para as classes patronais, de modo a tornar o país “atrativo” ao capital global.
Vamos examinar melhor essa contradição. Como vimos, a “globalização” que está em discussão a partir dos anos 1980, é muito diferente da alegada globalização que teria sempre existido, até mesmo na época do império romano. A diferença é essencialmente tecnológica.
O problema em entender isso, está no arraigado preconceito de acadêmicos e especialistas em geral, em admitir que as novas tecnologias têm impactos muito profundos nas sociedades modernas. Elas não trazem apenas aumento de produtividade e conforto. Trazem também desemprego, precarização do trabalho e queda contínua na renda dos trabalhadores.
O segundo “efeito colateral” das novas tecnologias é a perda da “soberania nacional” tão cara aos políticos de todo o espectro ideológico. O declínio do poder dos governos eleitos em definir seus projetos nacionais, principalmente em relação ao mercado financeiro (o que mais sedo se beneficiou das transações on-line), apesar de visível em toda à parte, parece passar completamente desapercebido para a maioria das pessoas.
Para mim, que sou profissional de informática a mais de 20 anos, sempre foi um tanto espantoso o fato de que esses efeitos jamais tenham sido discutidos fora dos meios académicos mais teóricos e abstractos.
Enquanto se discute, com um fervor literalmente religioso, o problema dos organismos geneticamente modificados, do uso de células tronco, da conveniência das usinas nucleares, do aquecimento global e outros problemas do gênero, o impacto das novas tecnologias de informática e telecomunicações parece ser visto como tendo apenas o lado positivo.
Parece que se tornou um dogma o fato de que vivemos apenas uma “terceira revolução industrial”. Todo mundo sabe que nas duas primeiras (a primeira sendo a do vapor e a segunda a da eletricidade e do petróleo), os empregos que desapareciam em um setor arcaico, reapareciam imediatamente em outro, mais moderno.
A “extrapolação” desse raciocínio para a realidade atual, parece tão fora de discussão como a Bíblia ou o Alcorão, para os fundamentalistas religiosos. Além disso, criticar a tecnologia seria uma opinião necessariamente retrógrada, coisa dos seguidores malucos de “Ned Ludd”, os “destruidores de máquinas”. Pessoas que fazem parte da “modernidade” devem ver apenas vantagens nas conquistas tecnológicas, principalmente aquelas que favorecem a operação e a expansão do mercado para as grandes corporações globais.
Uma das “verdades estabelecidas” sobre esse assunto, era que em conseqüência das inovações tecnológicas, às antigas industrias “de chaminé”, iriam necessariamente se mudar para os países “em desenvolvimento”, o que só faria elevar o padrão de vida de suas populações miseráveis.
Para as populações do primeiro mundo, e dos “bolsões” de modernidade no terceiro (com São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, etc), surgiria uma “nova economia”, toda baseada no “conhecimento”. Em outras palavras: As fábricas “sujas” iriam para os pobres, enquanto um novo e gigantesco setor de serviços forneceria “milhões” de empregos, altamente especializados, e com tarefas extremamente “criativas” e “motivadoras”, para os felizes trabalhadores dos países ricos.
Isso sempre me causou uma certa sensação do tipo “algo está errado”. Entre outras coisas, porque trabalhei em um grande banco, e acompanhei o brutal “encolhimento” de seu quadro de funcionários na medida exata em que a automação avançava. Além disso, trabalhei em estreita cooperação com uma empresa que desenvolvia software e hardware para o comércio varejista. O orgulho da empresa era dizer que seus terminais de pontos de vendas poderiam ser operados “até por um débil mental”.
Para mim sempre foi evidente que as redes de computadores, a mediada que ficavam “mais inteligentes”, exigiam não só cada vez menos mão-de-obra, como podiam se valer de funcionários cada vez menos especializados. A acelerada proliferação de “estagiários” e empregados “terceirizados” nas grandes empresas, confirmava a minha opinião.
Alem disso, recentemente, iniciou-se o “outsourcing”, para os países pobres, de vários empregos especializados, como os da área de software, de análise financeira, química fina, diagnósticos médicos por imagem, biotecnologia, etc. Pelos pressupostos “economicamente corretos”, isso não iria acontecer.
É por isso que para mim a situação da França parece perfeitamente compreensível. Como em quase todos os países desenvolvidos, suas fábricas “sujas” e seus escritórios “aborrecidos”, já se mudaram ou estão em vias de se mudar para a China, Índia, México, Brasil, Filipinas ou para os inúmeros países do Leste Europeu, recém saídos do desastre do “comunismo”.
Só que os “milhões” de empregos que seriam criados, no setor de serviços e de alta tecnologia, pela sagrada “mão invisível” do não menos sagrado “mercado”, insistem em não aparecer. A nova fé pregada pelos “fundamentalistas de mercado” tem falhado estrondosamente nesse ponto. Milhões de jovens, com nível universitário e até doutoramento, estão simplesmente desempregados.
Pessoas como Milton Friedman e Francis Fukuyama, sumos-sacerdotes da nova “religião”, já fazem seu “mea culpa”. O primeiro confessando que “as instituições importam” e o segundo escrevendo livros sobre como “construir Estados”, no lugar dos “Estados fracos”, falidos pela globalização neoliberal.
O governo francês, portanto, tem poucas chances de resolver o que quer que seja. É óbvio que a simples possibilidade de poder demitir funcionários com mais facilidade, dificilmente estimulará algum empresário a contratar mão-de-obra desnecessária.
A lei do CPE apenas facilitará uma velha e conhecida prática empresarial: O uso da “rotatividade” da mão-de-obra para reduzir salários. Essa definitivamente não é a resposta para criar o prometido paraíso da “Era da Informação”.
Não se pode resolver por leis e decretos uma questão tão intimamente ligada a uma mudança radical de paradigmas tecnológicos. Isso lembra bastante às tentativas de “revogar a lei da gravidade”, muito presente no folclore político do interior do Brasil...
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/
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