quarta-feira, setembro 27, 2006

Novas rotas para o petróleo e o gás

A 13 de Abril de 2005, Tóquio concedeu direitos de exploração a várias companhias petrolíferas no mar da China, perto das ilhas a que os japoneses chamam Senkaku e os chineses, que reclamam a sua soberania, Diaoyu. Esta querela ilustra a concorrência a que se entregam os países de forte crescimento para se abastecerem em gás natural e petróleo. A Rússia compreendeu-o bem, estando a trabalhar em grandes projectos de transporte.

A economia russa assenta na exportação de petróleo bruto e de gás natural. Assim, o extraordinário dinamismo dos gigantes industriais da Ásia Oriental constitui uma excelente oportunidade para valorizar esse potencial. No entanto, o contraste entre este dinamismo e as vastas extensões virgens a leste da Sibéria Central dá a sensação de que a região é vulnerável. A China, que está bastante próxima, dispõe de uma mão­‑de­‑obra abundante e de recursos importantes. Os russos, por sua vez, estão numa posição que é simultaneamente de força e de fraqueza. Qual poderá ser então a sua estratégia para o Nordeste Asiático?

Ao longo da última década, a China alcançou o Japão e a Coreia em termos da quantidade de petróleo bruto importado, sendo que metade dessas importações é proveniente do Médio Oriente. No caso do Japão e da Coreia, esse número aproxima-se dos 80 a 85 por cento. O petróleo transita, em grande parte, pelos estreitos de Ormuz e de Malaca, geralmente considerados como «zonas de conflitos potenciais». Os problemas acrescidos no Médio Oriente e a vulnerabilidade dos petroleiros constituem ameaças reais. Segundo consumidor mundial, a China, tal como o Japão e a Coreia, tem urgentemente de encontrar fontes de aprovisionamento e vias de transporte alternativas.

No que ao gás natural diz respeito, muitas cidades da região estão prontas a utilizá-lo, uma vez que pretendem reduzir a poluição atmosférica. As importações de gás natural liquefeito (GNL) realizadas pelo Japão, Coreia do Sul e Taiwan representam quase 80 por cento do comércio mundial deste produto. O custo do GNL constituiu um impedimento para a China, que procura formas mais económicas de aumentar o seu aprovisionamento. Ora, a vizinha Sibéria e a ilha de Sacalina possuem importantes reservas de hidrocarbonetos.

O subsolo da bacia de Irkutsk, no planalto oriental da Sibéria Central, esconde petróleo e gás natural em grandes quantidades – sem que se conheça ainda a sua real dimensão. As futuras prospecções deverão permitir um incremento considerável do volume de reservas mundiais. Entretanto, a grande refinaria próxima da capital, Angarsk, não muito longe de Irkutsk, importa actualmente o seu petróleo bruto da Sibéria... Ocidental.

Os especialistas prevêem a existência de grandes reservas de hidrocarbonetos na bacia de Irkutsk, no Nordeste, onde as explorações de petróleo não estão ainda terminadas. A extracção e o transporte de petróleo e de gás implicam a travessia de um território onde o gelo é permanente, o que é tecnicamente possível, mas bastante caro. O oleoduto que atravessa o Alasca, num terreno semelhante, envolveu um investimento colossal de 8 mil milhões de dólares (em 1975). Se juntarmos as reservas estimadas na bacia de Krasnoyarsk, as reservas existentes na Sibéria Central devem ser gigantescas. No entanto, ignora-se ainda o tempo e os montantes de capital que serão necessários antes que as explorações possam ser transformadas em produção.

Na ilha de Sacalina, pelo contrário, as coisas correm a bom ritmo. Estando já esgotadas a maior parte das reservas terrestres, estão em curso, sobretudo no nordeste da ilha, vários projectos de exploração marinha de petróleo e de gás [1]. Entre estes, encontra-se o Sacalina-I. Os seus promotores prevêem a construção de oleodutos que atravessarão a ilha de lés a lés para desembocarem em De Kastri, porto petrolífero siberiano, onde o petróleo bruto será vendido em leilão a compradores de todo o mundo [2]. Em certos cenários, realizados para utilização do gás de Sacalina-I, encara-se a venda através de gasoduto às duas Coreias e ao Japão. No entanto, tendo em conta o isolamento político da Coreia do Norte, a concretização de um cenário que envolva as duas metades da península coreana não parece estar para breve.

O projecto Sacalina-II, por sua vez, está sob a alçada de um consórcio multinacional dirigido pela Shell (55 por cento) e que inclui várias empresas japonesas. Numa primeira fase, iniciada em 1999, foi possível produzir uma média de 70.000 barris por dia e atingir mais de mil milhões de dólares por ano. A fase seguinte, em preparação, exige um investimento de mais de 10 mil milhões de dólares – o que faz dele o mais importante investimento estrangeiro actualmente em curso na Federação Russa. O gás e o crude deverão ser encaminhados por pipeline até à ponta sul de Sacalina, onde dois portos estão em construção, um para o petróleo e outro para o GNL.

Sempre que existe um sistema de oleodutos é raro recorrer-se ao transporte rodoviário ou ferroviário uma vez que, segundo cálculos realizados em 1993, para um percurso de 4000 quilómetros, o transporte ferroviário implica um custo adicional de 1,5 a 2 dólares por barril de crude [3]. Na falta de oleodutos, a Rússia anunciou recentemente a sua vontade de aumentar o volume de petróleo da Sibéria Oriental transportado para a China por via ferroviária, devendo atingir 15 milhões de toneladas em 2006 – o que se torna bastante caro.

Os analistas ocidentais tendem a pensar que os russos não desejam verdadeiramente vender energia a preços reduzidos aos chineses. É verdade que os dois gigantes resolveram recentemente as suas disputas fronteiriças, mas a China emerge rapidamente e em simultâneo como um rival político e como um concorrente industrial e económico. Com a sua voracidade energética, a China tinha já importado do Cazaquistão, em 2003, cerca de um milhão de toneladas de petróleo bruto por via ferroviária. No entanto, para além das capacidades limitadas desta forma de transporte, o seu custo suplementar repercute-se inevitavelmente a jusante nas indústrias energética e química.

Os chineses, muito preocupados com esta questão, assinaram um contrato com o grupo Iukos para a construção de um oleoduto com 2400 quilómetros entre Angarsk e Daqing que deveria ser alimentado pelos campos da Sibéria Ocidental. No entanto, em 2004, quando os trabalhos estavam prestes a começar, o governo russo lançou uma ofensiva contra o grupo petrolífero para simultaneamente destruir um centro de poder emergente e retomar o controlo de um recurso privatizado durante os anos de pilhagem que caracterizaram o reinado de Boris Ieltsin. Esta iniciativa faz parte da estratégia delineada por Vladimir Putin para alinhar os objectivos dos grandes conglomerados privados com os do Estado russo.

Houve um outro factor que contribuiu de forma importante para comprometer o projecto Angarsk­‑Daqing. De facto, os japoneses insistiram na proposta de um oleoduto menos caro e capaz de transportar diariamente um milhão de barris numa distância maior (3800 quilómetros), contornando o território chinês para chegar a Nakhodka, perto de Vladivostok. Os japoneses concederam igualmente empréstimos num montante de 5 mil milhões de dólares (o custo do oleoduto estava estimado entre 8 e 10 mil milhões de dólares). As instalações portuárias de Nakhodka permitirão que os petroleiros de todos os países participem nos leilões organizados para vender o petróleo siberiano, procedimento extremamente lucrativo num período de penúria.

Actualmente, a Rússia depende em 80 por cento do mercado europeu para as suas vendas do ouro negro. Os recentes acontecimentos na Ucrânia e na Bielorrússia, que distanciaram estas duas repúblicas da Rússia, bem como o alargamento a leste da OTAN, impelem os responsáveis russos para a diversificação das suas vendas. Daí o seu interesse por um projecto que pretende ligar os campos petrolíferos da Sibéria Ocidental aos portos do mar de Barents. Esta rota subpolar, para além de ser mais curta do que os dois projectos de oleoduto do leste da Sibéria, faz com que a distância entre Murmansk e os terminais petrolíferos de Houston, nos Estados Unidos, seja quase metade da distância que separa o porto texano do Golfo Pérsico. Este projecto está assim em sintonia com o diálogo russo­‑americano na área da energia. A ideia tinha já sido lançada em 2000-2001 pelo consórcio privado à frente do qual se encontrava Mikhail Khodokovsky, patrão do grupo Iukos que se encontra actualmente preso.

UMA ARMA CONTRA A POLUIÇÃO

A «decisão de princípio» de construir o oleoduto que passa por Taishet-Skovorodino-Perevoznaya até ao Pacífico foi anunciada por Moscovo no final de Dezembro de 2004. Apesar disso, os japoneses não tiraram proveito da sua vitória. Como as negociações russo-japonesas têm progredido lentamente, as autoridades moscovitas têm dado a entender que poderão construir uma derivação a partir da linha principal com intuito de servir Daqing. Skovorodino dista apenas 50 quilómetros da fronteira chinesa – uma distância suficientemente pequena para obrigar os negociadores japoneses a permanecerem vigilantes.

Só falta determinar a proveniência do petróleo. Se o Leste da Sibéria Central pode revelar uma imensa capacidade potencial, os recursos actualmente disponíveis não parecem, todavia, imediatamente suficientes para aprovisionar em simultâneo o oleoduto de Nakhodka e a derivação para Daqing. Só o troço principal, de Taishet a Nakhodka, exigirá a extracção anual de 30 milhões de toneladas do solo da Sibéria Ocidental, quantidade que provavelmente será obtida através da redução das exportações para a Europa.

Os russos admitem que o seu nível de produção actual não será suficiente para assegurar a canalização de 80 toneladas para o Japão e a derivação de Daqing [4]. Para tal, será necessário desenvolver novas reservas no Leste da Sibéria Central. Por enquanto, o défice estimado situa-se entre 20 e 50 milhões de toneladas de petróleo bruto para alimentar em simultâneo o Japão e a China. É evidente que muito vai depender da sincronização entre o desenvolvimento dos campos petrolíferos e a construção do oleoduto.

As discussões em tomo do oleoduto de Nakhodka complicaram-se pelo facto de ainda hoje não existir um tratado de paz entre a Rússia e o Japão. A Rússia conservou as quatro ilhas mais meridionais do arquipélago das Curilas que as tropas soviéticas ocuparam no final da Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, nas negociações com os soviéticos, e depois com os russos, os japoneses mostraram-se mais ou menos flexíveis, mas nunca esqueceram a «questão dos territórios do Norte» [5]. A compra de gás de Sacalina para a cidade de Tóquio é um exemplo desta flexibilidade, tendo sido seguida de vários outros acordos de aquisição de GNL concluídos pelo Japão.

Deve ser sublinhado que o Nordeste Asiático consome proporcionalmente menos gás natural do que a América do Norte ou a Europa, o que se deve essencialmente aos problemas de aprovisionamento. Honshu, a principal ilha do Japão, não dispõe de uma rede completa de gasodutos devido às regras muito estritas de segurança e ao preço elevado dos terrenos: o custo do “direito de passagem” tornaria proibitiva a construção de um novo gasoduto. Assim, as importações japonesas de GNL alimentam sobretudo as centrais eléctricas. Em Maio de 2003, a cidade de Tóquio concluiu um acordo, no quadro do projecto Sacalina­‑II, envolvendo cerca de 1,1 milhões de toneladas por ano. Muitas outras empresas com sede no Japão e nos Estados Unidos assinaram igualmente contratos para a aquisição de GNL produzido por Sacalina-II [6].

Ao contrário do Japão, a Coreia do Sul possui uma rede muito desenvolvida de gasodutos destinada ao uso doméstico. Tecnicamente, o gás proveniente de Sacalina-II por mar e desembarcado em De Kastri poderia muito bem ser encaminhado ao longo da costa e através da Coreia do Norte até ao Sul. No entanto, as dificuldades actuais, que a opõem ao seu vizinho, obrigam a Coreia do Sul a encarar a hipótese de construir um gasoduto submarino a partir da China. Estima-se que esta solução, que consiste em trazer o gás siberiano por pipeline através da China custaria menos 25 por cento do que as actuais importações de GNL.

Todas as grandes cidades chinesas têm uma necessidade urgente de gás natural para poderem reduzir os níveis de poluição. Tal como a Índia, a China gostaria de importar gás natural desde que o preço fosse razoável. Também como a Índia, a China não investiu em dispendiosos equipamentos de recepção para o GNL. No entanto, na Índia, diversos grandes grupos multinacionais empreenderam a construção de fábricas de regaseificação.

Se os preços o permitissem, a região de Xangai e a zona urbana de Tianjin­‑Pequim teriam sido as candidatas naturais para o abastecimento com GNL. No entanto, o governo chinês impôs um preço relativamente baixo para o gás natural que transita por um gasoduto interior, de oeste para leste, até Xangai, o que parece ter levado várias multinacionais a interromper os seus investimentos nos gasodutos e a congelar os projectos de regaseificação na província de Zhejiang.

A China almeja activamente também a construção de um gasoduto para transportar anualmente cerca de 30 mil milhões de metros cúbicos, desde os campos de gás de Kovykta (oblast de Irkutskaya) em direcção ao Nordeste da China. Uma outra rota, com menos 1500 quilómetros, poderia passar pelo território da República da Mongólia, um percurso tecnicamente fiável e claramente menos caro. No entanto, em 1998, as negociações entre russos, mongóis, chineses, coreanos e japoneses fracassaram. Os russos tinham-se proposto vender uma parte do seu gás à Mongólia, que procurava desesperadamente um meio para despoluir o ar de Ulan Bator. Mas tudo o que possa assemelhar-se a um entendimento entre russos e mongóis é visto com suspeita por Pequim, a quem repugna conceder vantagens a um país que é tendencialmente considerado como a mais setentrional das suas províncias.

A visita de Putin à China em Outubro de 2004 não permitiu alcançar um acordo sobre a questão dos pipelines. As negociações posteriores entre a China e o Cazaquistão tiveram por objectivo aumentar o aprovisionamento chinês em petróleo bruto e em gás. Ainda que inacabada, a construção do oleoduto avança, estando já em funcionamento a secção Atyrau-Kenkiyak. A secção que vai ligar Kenkiyak a Atasu está na fase de concepção e foi assinado um contrato de 700 milhões de dólares para os 1240 quilómetros que separam Atasu de Alashanku.

A partir daí, o petróleo será transportado por via ferroviária até às três refinarias de Xinjiang. Dez milhões de toneladas de petróleo bruto circularão anualmente neste oleoduto, e a prazo a sua capacidade será duplicada. Estas importações são consideradas politicamente importantes para o desenvolvimento económico da província de Xinjiang, situada no extremo ocidental da China e potencialmente rebelde. Adicionalmente, chineses e cazaques estão a considerar a possibilidade de construírem um gasoduto entre o Cazaquistão Ocidental e a província chinesa de Xinjiang. Naturalmente, as duas partes estão preocupadas com o custo considerável do empreendimento, mas parece que o projecto está a ser encarado no quadro de uma estratégia de protecção a mais longo prazo.


[1] Strategic Geography, vol. XXI, 2003-2004.
[2] As reservas exploráveis estão estimadas em 2,3 mil milhões de barris de petróleo e em 485 mil milhões de metros cúbicos de gás.
[3] J. L. Kennedy, Oil & Gas Pipeline Fundamentals, 2ª edição, Pennwell, Tulsa (Oklahoma), 1993, p. 2.
[4] www.prime-tass.com , 15 de Outubro, 2004.
[5] Akira Miyamoto et al., Natural Gas in Asia, Oxford University Press, 2002, pp. 106-187.
[6] Cf. http://en.rian.ru/rian/index.cfm?prd_id=159&msg%20_id=5083762&startrow=1&find=Sakhalin

Rafael Kandiyoti
http://infoalternativa.org/asia/asia022.htm

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